PEDALAR É PRECISO!

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

DEMOCRACIA DIRECTA, É O POVO QUEM MAIS ORDENA

 

A Suiça é seguramente um dos países mais admirados do mundo. Mas é também um dos mais detestados.

Mais detestado do que os EUA, do que a Rússia, do que a China? Mais detestado do que a União Europeia?

Seja qual for a resposta a esta questão, o país helvético é um exemplo que merece ser reflectido a propósito da democracia e dos poderes que mandam around the world.

A Confederação Helvética tem pouco mais de 8 milhões de habitantes. Comparada com Portugal quase se poderia dizer que é um pequeno país. Um pequeno país com altas montanhas. Nós temos a ilha do Pico e a Serra da Estrela, 2.000 metros de altitude, que eu saiba, no Pico nunca neva.  

Politicamente, vale a pena comparar Portugal com a Suiça?

Sim, acho que vale a pena.

Portugal é um país com um glorioso passado de descobridor das sete partidas do mundo, a Suiça não descobriu nada, nem sequer tem mar. Como disse o Orson Wells, descobriu o relógio de cuco.

Portugal não teve propriamente guerras de religião, a Suiça teve o Jean Calvin e os seus seguidores e outros da mesma estirpe, durante imenso tempo andaram-se a matar uns aos outros por causa de questões teológicas.

As nossas guerras teológicas, conduzidas pela inquisição espanhola, elegeram uma vítima privilegiada, os judeus. Uma guerra com fogueiras, torturas, massacres, expulsões. Entre o Jean Calvin e a Inquisição, venha o diabo e que escolha.

Portugal é um país falido, sem indústria, sem pescas, sem agricultura, tem mais de um milhão de desempregados e, pelo menos, dois milhões de pobres com fome.

A Suiça é um dos países mais ricos do mundo, domina as indústrias farmacêutica e alimentar, é rainha da relojoaria, do queijo gruyère e da raclette. Tem a Nestlé e a Migros, é o país das grandes multinacionais. Tem o segredo bancário e os bancos, claro.

Nós temos o Jerónimo Martins que imigrou para a Holanda. Somos um país especializado na emigração. É quase certo que os pouco mais de dez milhões de habitantes que temos actualmente desaparecerão até ao final do séc. XXI, talvez, na melhor das hipóteses, até 2.150. O último sobrevivente que apague a luz.

Voltemos ao princípio. A Suiça é detestada por muita gente, sobretudo de esquerda, não há volta a dar. Portugal nem é detestado, nem é amado. Para todos os efeitos, este país, como diria a Ivone Silva é um colosso, está tudo grosso, está tudo grosso! Um país de sarjeta, que desperta em alguns passantes mais atentos e caridosos vagos sentimentos maternais e cristãos, coitados dos portugueses!

A Suiça é rica, é próspera, defende com unhas e dentes o segredo dos cofres dos seus bancos da Bahnhoffstrasse de Zurique, os quais acolhem de braços abertos as fortunas de todos os ditadores, torcionários, capitalistas delinquentes, ladrões da alta finança, traficantes de armas, et j’en passe.

Zurique é a capital do arquipélago da roubalheira off shore. Off shore, fora da lei, fora da decência e da justiça, paraíso para criminosos. Sendo a capital deste arquipélago internacional da finança fora da lei, é supremamente justo que a Suiça figure no ranking dos países mais detestáveis. Detestemos, então, também as outras ilhas do arquipélago europeu desta roubalheira: Luxemburgo, Reino Unido, Liechtenstein, San Marino.

Portugal também tem ilhas, sobretudo ilhas falidas como a Madeira, mas a zona franca que por lá foi instalada não chega ao patamar superior do off shore, está limitada a corruptos nacionais. Por tudo isso, ficamos moralmente em vantagem em relação à Suiça. Não seria justo que alguém nos incluísse no ranking capitaneado pela Bahnoffstrasse.

Até a este momento da nossa comparação, ganhamos à Suiça, a zona franca da Madeira não é a Banhoffstrasse e Portugal não pertence à confraria mundial dos fazedores de miséria, de guerras e de pobreza. Valha-nos isso, é uma espécie de vitória moral.

Mas, se passarmos à comparação do sistema político dos dois países, penso que Portugal perde a vantagem.

A Suiça tem quatro línguas oficiais e uma longa história de desentendimentos internos entre latinos e germânicos, entre protestantes e católicos, entre culturas opostas. Mas, talvez por estarem entalados entre grandes potências europeias que ameaçavam a sua autonomia, esses povos resolveram tomar juízo e decidiram unir-se, superando as divergências e as diferenças que os separavam. Com o tempo, tornaram-se um país soberano, com fronteiras internacionalmente reconhecidas e um estatuto, que é excepcional e que o próprio Hitler teve que reconhecer, de neutralidade.

A construção da confederação helvética foi um longo processo de unificação dos seus 26 cantões num único país. O milagre que deu vida a esta unidade chama-se democracia directa.

Os detentores oficiais da democracia que vigora em Portugal, os jornalistas, os comentadores, os feitores de opinião, os políticos encartados, quando ouvem falar de democracia directa sacam logo da pistola, como se estivessem num filme do Sergio Leone.

Toda essa panóplia de gente, que concentra os poderes implícitos e explícitos que governam Portugal, leva muito a sério a célebre afirmação de Winston Churchill, citada a propósito e a despropósito de tudo e de nada: “a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos a tempos”. E concluem: não há alternativa à democracia representativa.

Democracia representativa, coisa simples e exemplar: de 4 em 4 anos vota-se, escolhem-se os representantes, que vão para o parlamento, ou que vão para as assembleias municipais e para as autarquias. Alguns desses felizes eleitos acabam no governo. De 5 em 5 anos, escolhe-se o Presidente da República. Eleição por sufrágio universal. Já lá vão quase 40 anos e ainda não se percebeu muito bem para que serve tão alto personagem.

No seu conjunto, todas estas eleições da democracia representativa representam muitos e bons anos durante os quais muitos dos dignos representantes eleitos acham que chegaram ao topo da elite local ou nacional e, ao mesmo tempo, aproveitam para ir enchendo os bolsos propriamente ditos e, porventura, os de alguns amigos do coração.

A democracia representativa assenta num princípio basicamente exorbitante, irracional e completamente fantasista: eu, eleitor, confio neste tipo em quem vou votar, não o conheço, nunca me foi apresentado, não conheço nem as suas ideias nem a sua ética pessoal, mas estou certo em consciência que durante os próximos 4 ou cinco anos, ele vai seguir escrupulosamente, embora também nunca o tenha lido, o programa político que o partido dele apresentou a esta eleição. Acredito piamente que o homem vai cumprir fielmente com as obrigações inerentes ao cargo que vai ocupar, acredito que não vai favorecer ninguém em particular, que não vai roubar, acredito que vai apenas servir o país. Estou certo que, quando acabar o seu mandato, não vai ser mais rico do que era antes de para lá entrar.

Sejamos sensatos e comedidos. Para quem não andar por aí apenas para ver passar comboios, se bem que eles sejam cada vez mais raros, é certo que vivemos no pior dos mundos possíveis. Um mundo onde, em continuum, tende a pontificar o mal absoluto. Não há santos profissionais que nos valham, lembremo-nos do Vaticano, do Banco Ambrosiano, da Máfia, do Pio XII, do Hitler, do Estaline, do Mao e seus seguidores, do imperador Hiroito, do George W. Bush, do Bashar Al Assad…

A lista não tem fim, cada dia a história confirma a opinião do historiador  católico britânico Lord Acton: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus”(1897).

Infelizmente, não são se trata apenas dos grandes homens, muitas vezes os piores e mais maléficos são os “pequenos” homens, pequenos deputados, pequenos vereadores, pequenos chefes, pequenos ministros, pequenos presidentes de câmara, pequenos representantes disto e daquilo.

A democracia dita representativa é o caldo venenoso que alimenta essa gente alvoroçada, todo esse mundo deslumbrada pelo poder. Um veneno que os torna a todos capazes de todas as patifarias.

Viva então a democracia representativa, é o melhor dos sistemas que os humanos conseguiram inventar. Triste constatação.

Voltemos, então à Suiça. Tem os lagos, tem as montanhas, a neve, a Banhoffstrasse. E tem a democracia directa.

O último exemplo de democracia directa suiça deu para o torto. É o resultado tangencialmente favorável ao controle da imigração oriunda da união europeia.

Este texto já vai longo, por isso, não me vou referir às implicações e ao significado desta decisão colectiva. Os suiços não têm, não podem ter razões de queixa da imigração, a sua decisão é puramente xenófoba, é arrogante e economicamente errada. Problema deles? Não é apenas um problema suíço. Se olharmos à volta, reparemos no que se tem passado em Itália, em França, no Reino Unido, na Alemanha e por aí adiante. Há uma xenofobia europeia.

Aprofundemos, então, a questão da democracia directa.

Um dos instrumentos principais da democracia directa é o referendo de iniciativa popular. Através deste tipo de referendo, o povo intervém na política, impõe soluções, corrige, incentiva, defende direitos. O povo deve ser inteiramente soberano. Mas o povo não é o Papa do Vaticano. Enquanto o Papa é infalível, o povo pode enganar-se. Os suiços enganaram-se, cometeram um erro grave no referendo sobre a imigração. Mas noutros referendos, foi o povo que impôs políticas e decisões socialmente mais justas e “progressistas”.

A lição que importa sublinhar é que, através do referendo, o povo mantém os órgãos de governo sob permanente escrutínio.

Quem governa, sabe que “we are watching you”, é o big brother democrático.

Há quem goze com a Suiça, dizendo que o desporto nacional suíço são os referendos.

Em Portugal, onde o desporto nacional é o futebol, temos referendos de iniciativa parlamentar.  

Na Suiça, um referendo popular pode ser lançado por qualquer cidadão ou cidadã com direito de voto, contra qualquer decisão de órgãos de governo.

A democracia directa não se esgota no direito ao referendo, mas começa num direito elementar que deve ser reconhecido a qualquer cidadão. Direito que consiste em ter o poder de intervir na vida política através de iniciativas que procurem corrigir, sancionar, inovar, moderar a actividade dos políticos e dos órgãos de governo, a todos os níveis, local, regional, nacional.

A democracia representativa tornou-se uma espécie de barbitúrico, que serve para adormecer o povo e confortar na sua mediocridade e ignorância a gente que nos governa. Eles andam por aí à rédea solta, têm que ser travados. Travados, como?

Comecemos, por exemplo, pelo topo da hierarquia que nos está a destruir enquanto país, enquanto pessoas e enquanto sociedade. Reclamemos um referendo para destituir o Presidente da República, por incompetência e conluio com os inimigos do país e do povo.  

 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

SERÁ QUE A ALEMANHA NÃO TEM UM PROBLEMA DEMOGRÁFICO?


A iliteracia demográfica em Portugal é secular. Esta noite, mais uma vez, fui confrontado com essa ignorância.

No numeramento de D. João III, mandado fazer em 1527, o qual é, aliás, uma das primeiras operações, de contagem da população que se pode considerar muito próxima da lógica que levou à progressiva generalização dos recenseamentos em países europeus a partir do séc. XIX, Portugal tinha uma população de cerca de 1.1100.000 habitantes. Muito pouca gente.

Informação preciosa. Tão preciosa que a elite que governava o país não se deu conta que o país estava por um fio. Estava exausto, não tinha gente. Depois do D. João e do Cardeal-Rei D. Henrique, veio o jovem D. Sebastião que decidiu, inspirado por um sonho de adolescente com o mundo a seus pés, mandar não sei quantos milhares e ele próprio serem massacrados em Alcácer-Quibir.

Acrescentemos a Alcácer-Quibir  a expulsão de milhares de Judeus decidida por D. Manuel I, o Venturoso e cá estamos nós com o mesmo tipo de elites, esmagados pela União Europeia e a moeda única, com um país, sem indústria, sem agricultura, sem pescas, sem universidades, sem ciência, sem emprego. Sem futuro. Um país, mais do que envelhecido, com a fecundidade mais baixa do mundo. Um país à medida de D. Sebastião. Sem futuro, uma colónia alemã.

Colónia alemã, vem mesmo a propósito.

Acabei de ouvir na TVI, a comentadora Constança Cunha e Sá. É uma das poucas vozes que aparecem na televisão que aprecio, é uma jornalista combativa, muito lúcida, consegue por vezes ser corrosiva quanto baste em relação ao governo que nos desgraça. Mas, desta vez, oh Constança, cuidado com as palavras, a Alemanha não tem um problema demográfico?

Iliteracia demográfica, Constança, iliteracia!

A Alemanha é o segundo país mais envelhecido do mundo, logo a seguir ao Japão. A Alemanha só não é o país mais envelhecido do mundo graças aos imigrantes que tem, principalmente os turcos, mas também muitos portugueses. Os imigrantes na Alemanha têm mais filhos do que as alemãs e os alemães. A Alemanha, desde os princípios dos anos 70, é o único país europeu que não tem conseguido chegar sequer a 1,3 filhos por mulher.

Em 2012, Portugal atingiu o limiar mínimo da sua história: 1,27 filhos por mulher e é o sexto país mais envelhecido do mundo. Aqui para nós: é mais do que provável que, dentro de vinte anos, as mulheres portuguesas, em média, terão na melhor das hipóteses, 1 filho por mulher. Cerca de 30%% da nossa população será constituída por seniores com mais de 65 anos. Pensem nisso.

A Alemanha, acrescentou a nossa amiga Constança, diminuiu a idade da reforma para 63 anos. Não é verdade, ou seja, essa medida só abrange cerca de 200.000 pessoas, as quais merecem essa benesse porque  trabalharam pelo menos… 45 anos. São uma minoria. O  sr. Goebbels não seria capaz de ir tão longe na manipulação.

A Alemanha não tem um problema demográfico?

A Alemanha, Constança, ao contrário do que afirmou esta noite perante muitos milhares de pessoas, tem um grave problema demográfico.

Tem o  mais grave  problema demográfico de todos os países da União Europeia: população muito envelhecida, fecundidade no limiar do desaparecimento desde há quarenta anos, população jovem insuficiente para as necessidades do Estado e da economia, crescimento negativo da população (dentro de poucos anos, a população alemã será inferior não apenas às populações do Reino Unido e da França, mas também da Polónia). Um verdadeiro calcanhar de Aquiles.

Como é que a Alemanha resolve actualmente o seu “problema demográfico”, problema que a nossa amiga Constança diz que não existe?

A Alemanha da srª  Merkel importa mão de obra qualificada, a Alemanha pilha principalmente os país do Sul, que levou à ruína com as suas políticas “europeias” de austeridade favoráveis à economia e ao capital alemães.

Pirataria, sim, pirataria. Os alemães vão aos países do sul, capturam jovens qualificados que estão desempregados, portugueses por exemplo, cuja formação custou muito dinheiro aos países que são pilhados. Chama-se a isto brain drain. A eles, os que pilham, não custa nada, a nós custa-nos o nosso futuro.

Oh Constança, a Alemanha parece não ter um problema demográfico, porque rouba os recursos dos países aos quais impõe a sua ditadura. E, assim, lá vai a Germania de vento em popa. Até que um dia aconteça qualquer coisa, o futuro é sempre uma incógnita,  on verra bien.

Talvez a doutora Merkel seja uma espécie de  D. Sebastião. Talvez, nos seus sonos agitados, tenha sonhado o sonho do Hitler, que queria conquistar tudo e mais alguma coisa. Talvez ela não seja tão ariana como isso. Não faço processos de intenção, nem sou adepto de amálgamas.

Mas o D. Sebastião não tinha gente suficiente para sustentar os seus devaneios de príncipe talhado para um grande destino. O sonho sebastiânico de um grande destino foi a nossa desgraça.
A Alemanha já perdeu duas guerras mundiais. Destruiu meia Europa. Era saudável que quem por lá manda pense muito nisso tudo e trate de resolver, por vias aceitáveis e  razoáveis,  o problema demográfico a que a Alemanha, passe o tempo que passar, nunca conseguirá escapar.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

PHILIP SEYMOUR HOFMANN


 


Philip Seymour Hofmann não tinha nem os ombros nem o andar gingão de John Wayne na cena final de A Desaparecida ou no Rio Bravo.

Philip morreu com 46 anos, era onze anos mais novo do que Humphrey Bogart, quando este morreu de cancro.

Philip morreu de overdose, não tinha a voz do Bogart, não tinha o sorriso e o bigode espampanantes de Clark Gable .

Mas Philip será recordado como uma estrela de primeira grandeza no Olimpo dos deuses de Hollyood.

Amava a vida intensamente, não sei como é que conseguia esse milagre, adivinhava-se nele uma predisposição para o inevitável destino de ter de dar testemunho desse seu  amor através dos personagens que interpretava.

Philip conseguia navegar em latitudes extremas e longínquas entre si e, nessas viagens, expunha-se até aos limites extremos do seu amor pela vida. Umas vezes irrisório, irónico e cínico, outras vezes mergulhando nos confins dos abismos da alma humana. Raramente, o seu sorriso irresistível o abandonava.

Hofmann não era um canastrão, como foram muitos actores de sucesso..

Hofmann pertencia à genealogia de Montgomery Clift. Isso é indiscutível. Philip morreu de overdose, Clift desligou do mundo. Provavelmente, ambos morreram esmagados pela tristeza da finitude humana.

No Olimpo dos grandes actores que o cinema americano ofereceu à humanidade e às artes, estes cinco grandes intérpretes devem estar lá a olhar-nos do alto da sua genialidade. De algum modo, guiaram as nossas vidas.

Miguel Esteves Cardoso escreveu hoje no Público um artigo de homenagem a Philip Seymour Hofmann. “Era o meu actor preferido. Meu e de milhões de pessoas. Incrivelmente estava a melhorar. Só ele sabia como. Se é triste para nós, imagine-se como é e será para quem o conhecia e amava”. Obrigado Miguel, precisávamos dessa homenagem.

Philip passou à posteridade dos seres amados, como Tarkovsky, Bergman e Visconti, como Maria Callas e  Louise Brooks, como Marilyn e como Ava Gardner, como Claudio Abbado. A star is dead, a star is born.

Je pleure pour toi, je te garderai dans ma mémoire jusqu’à la fin de mes jours.