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quinta-feira, 13 de junho de 2013

REFORMA DO ESTADO E EUTANÁSIA

 

A canção do ceguinho da reforma do Estado, essa lenga lenga já dura há demasiado tempo, todos os dias nos vêm alugar e massacrar os ouvidos com essa mirífica história. A televisão, os jornais, os tipos do governo invocam todos os dias o tema e lá temos que os ouvir.

A última peripécia desta história que não é propriamente uma história no sentido literário do termo, porque não tem nem princípio, nem meio, nem fim, esse episódio, chamemos-lhe assim, começou há pouco mais de um ano quando o bando de salteadores do passos coelho nos ameaçou com o saque de quatro mil milhões de euros, quatro mil milhões, imaginam onde é que cabe tal quantia? Talvez nos bolsos do Ricardo Salgado ou doutro banqueiro devidamente credenciado para tal saque.

Quatro mil milhões de euros representa o quê? Estou a interrogar-me, a propósito dum número de tal grandeza, sobre a vida de quantos milhares, quantos milhões de pessoas desempregadas, ou com rendimento mínimo, ou sem subsídio de desemprego, ou simplesmente na miséria, essa arrogância de quatro mil milhões que têm que ser cortados com o pretexto da reforma do Estado, isso representa o quê?

Quantos desempregados da função pública, quantos aumentos de impostos sobre quem trabalha e não consegue fugir para os benditos offshores de quem tem muito dinheiro e recursos, quantos 10+10+10% de cortes nas reformas de quem andou a trabalhar toda a vida com a serena esperança de mais tarde, quando já faltarem poucos anos para ir desta para a melhor, e poderem ainda, ou finalmente, ter a oportunidade de uma vida mais ou menos digna sem precisar de andar a fazer contas para pagar a renda da casa, os remédios, os enlatados, a ajuda aos filhos…

Reforma do Estado, reforme-se o Estado, em que é consiste isso?

Para a gente que tem andado a mandar – não estou falar de governar, que isso é outra coisa – o sinónimo de reformar o Estado é óbvio que tem a ver com cortar, castigar, destruir. Vendaval, tornado americano, não ficará pedra sobre pedra. Só se safam os que estão acima dessas pequenas contingências da natureza rebelde.

Esses reformadores, confortavelmente instalados nos comandos do poder, são uma espécie de lobos que atacam os rebanhos indefesos na serra onde há os pastos e ninguém para os defender.

As ovelhas, as vacas, as cabras à procura de pasto somos nós, estou falar das desgraçadas vítimas das alcateias estatais. Esses lobos são os gajos que de repente, graças à lei do mais forte, nos cortam a jugular, o pescoço, o resto, não fica nada.

A alcateia desses animais é actualmente chefiada por um tipo cujo nome é conhecido, toda gente sabe quem é.

Mas o ataque já vem de longe.

Não falemos do dr. Salazar, era um tipo que apreciava a pobreza, os pobres agradeciam o carinho, mas depois começaram a ir para a França, para a Alemanha, and so on. E mandaram o dr. Salazar à merda.

Deixemos lá o Salazar, falemos de coisas mais recentes.

A grande reforma do Estado começou com o Sócrates, não o de Atenas, estou-me a referir àquele tipo da Cova da Beira, célebre autor de extraordinários projectos de arquitectura serrana.

Homem do interior, homem coerente, o sr. Sócrates desatou a fechar serviços públicos no interior, não tinham clientes dizia ele, não eram rentáveis, os centros de saúde, as maternidades, as estações de correio, os comboios. No seu esclarecido pensamento, eram coisas desnecessárias nos tempos modernos em que vivemos. Terá razão, quem poderá contestá-lo, uma mulher em trabalho de parto, vivendo no interior do Portugal deserto e sem maternidade próxima, tem sempre a internet em casa, basta ligar o computador.

Reforme-se o Estado, avançou essa luminária governamental da Cova da Beira.

Façamos então um pequeno balanço da extraordinária reforma do estado em curso, para abreviar, designemos essa tal reforma por REC.

Balanço não exaustivo até à data e completamente inexaustivo em relação ao que virá ainda a passar-se, sendo que o que vem a seguir é muito mais importante e significativo quanto aos efeitos e patriótico alcance da REC.

Por decisão do sr. Coelho, aumentaram os impostos, o IVA, o IRC, o imposto sobre os automóveis e mais não sei quantos. Resultado: diminuiu a receita fiscal, aumentou a dívida pública, deixo os pormenores aos economistas encartados, liberais, neo-liberais, clássicos, ou o que lhes quiserem chamar.

O sr. Coelho introduziu portagens em auto-estradas que anteriormente não as tinham. Resultado: as ditas estradas ficaram quase vazias, os tostões amealhados nas tais portagens mal dão para pagar as máquinas de cobrança. Mas as empresas das respectivas PPP continuam a receber o seu. No problem, o Estado paga, o governo paga, ninguém se queixa. A única coisa que o governo não paga são as suas dívidas aos milhares de empresas que vão, entretanto, entrando em falência.

Salários do pessoal da função pública e pensões dos antigos funcionários, o sr Coelho descobriu aqui um verdadeiro maná, os cortes nos salários, os cortes nas pensões, nada disso dá grande trabalho, não é preciso inventar nada, é só escrever um despacho em meia dúzia de parágrafos, ele escreve o despacho e, ao fim da tarde, o homem lá vai para Massamá, janta em família e dorme descansado.

É o grande projecto de futuro, o pessoal da chamada Função Pública, funcionários, professores, jardineiros, motoristas, tantas e tantas e profissões, essa malta tem que ser devidamente castigada, já usufruíram de demasiados privilégios.

Objectivo da reforma do Estado, não vale apena estendermo-nos muito mais sobre essa lenga lenga, objectivo incontornável de salvação nacional: na próxima década, os que dependem da função dita pública, se não querem ser empurrados para dormir num vão de escada e terem ainda alguma coisinha para comer, esse pessoal vai ter que trabalhar até morrer.

Essa ideia fantasista de haver um direito à idade da reforma, isso acabou, passou à história, acabou enquanto conceito jurídico. Estamos no limiar de novos tempos, tempos excitantes, que nos desafiam a contribuir até à exaustão pelo bem do “nosso” país. Os drs. Salgado do BES e Ulrich do BPI agradecem.

 Em vez de pretender à reforma, quem se quiser retirar, poderá escolher a idade da eutanásia que mais lhe convier, para isso será devidamente assistido, tudo será grátis. Tal direito fica desde já reconhecido como direito fundamental.

Um novo direito, tomemos nota dos novos tempos, um direito inalienável que justifica e legitima plenamente perante qualquer tribunal a recusa individual dos caixotes de lixo. Ninguém será castigado.

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