PEDALAR É PRECISO!

domingo, 27 de outubro de 2013

ELEIÇÕES EUROPEIAS

 

A comédia política portuguesa é cada vez mais insuportável, uma feira de vaidades contínua, enquanto aumenta a miséria, as palavras vão mudando de semana em semana,  a agenda política é como de costume manipulada por tipos que mandam nos jornais, na televisão, gente que defende os seus interesses, que vai soltando umas ameaças, o que está agora na moda é mandar descaradas mensagens ao tribunal constitucional, tenham juízo, diz o sr. Ricardo Salgado do banco espírito santo, o sr. Salgado que tem andado a roubar, há anos e anos, o Estado e todos nós, que tomou conta e controla a PT, que não paga os impostos que deve, ninguém se ocupa dele, há outros culpados mais à mão, reformados, funcionários, gente na miséria a quem tiram o rsi, etc., etc. Há pessoal que sai para a rua manifestar, mas isto já não vai lá com folclores…

Começou-se a falar das eleições presidenciais, ainda falta tanto tempo, começaram os jogos da grelha de partida, já se esqueceram as eleições autárquicas, no PS ninguém se entende, o Seguro parece-se cada vez mais com o verso do Camões “vai formosa e não segura…”. Não se fala, ou quase não se fala das eleições europeias. A novidade do dia parece ser que o Assis vai ser o cabeça de lista do PS. Claro, o homem bem trabalhou para isso, andou a empatar, a segurar o Costa para ele não avançar contra o Seguro. Vai ser recompensado, é justo.

O que é sobra para todos nós desta interminável comédia?

Quando Portugal decidiu entrar para a CEE, houve umas mentes brilhantes que aplaudiram efusivamente, muito bem, diziam eles, de maneira cínica. Como não temos quem nos saiba governar, venha a CEE, esses tipos são mais capazes, vão pôr o país na ordem, vamos ser ricos e modernos, vamos ter dinheiro e auto-estradas, vai ser bom sermos europeus.

Pertencemos à união europeia, já lá vão não sei quantos anos, temos a mesma moeda que os alemães, mas seremos europeus?

O que me parece é que não estamos melhor do que os africanos colonizados pelo dr. Salazar. Tornámo-nos indígenas duma província europeia, já fomos colonialistas, agora somos colonizados pela Alemanha, por Bruxelas, pela Finlândia, pela Áustria, pela Holanda e por toda essa cáfila.

Eleições europeias, quais é que vão ser as alternativas? Vai haver alguma escolha? Esquerda/direita, Portugal/União europeia, Escudo/euro?

Preparemo-nos para ficar em casa, votar para quê?

Há muito tempo que deixou de haver euro-cépticos, desde o BE até ao CDS, os partidos que andam para aí a pavonear-se é tudo a mesma tropa, só juram por Bruxelas e por Berlim, não querem ouvir falar da saída do euro, seria uma catástrofe, diz o BE, e os outros confirmam. Uma catástrofe, os assalariados perderiam pelo menos 30% dos seus salários. E quanto é que já perderam durante estes dois anos e meio de troika e austeridade?

Em França, o Front National vai ter pelo menos 25% dos votos, em Itália os grilistas talvez ultrapassem essa fasquia, no mínimo. Os ingleses, mais ano menos ano, mandarão a ue dar uma volta, os húngaros já estão nas bordas do fascismo, os romenos e os búlgaros estão praticamente proibidos de passar as fronteiras, a extrema direita avança também na Áustria e na Holanda, para onde caminha o paraíso europeísta de Bruxelas e Berlim?

Vale a pena discutir a comédia europeia? Sim, vale a pena. Ou seja, vale a pena se houver alternativas políticas para serem discutidas e votadas. Venham partidos novos, frentes, coligações, qualquer coisa estilo movimento de libertação de Portugal. Qualquer coisa que não seja nem fascista, nem napoleónico, nem bismarkiano, nem hitleriano, nem salazarento ou mussoliniano, qualquer coisa que não cheire a nacionalismo bafiento, que seja favorável aos povos da Eritreia e da Síria e se inspire da Europa de Johann Sebastian Bach e de Albert Einstein.

Um movimento de libertação que nos livre da Angela Merkel, da Marine Le Pen e do Obama/Bush.

Chega de troika e de NSA.

domingo, 20 de outubro de 2013

ESTE PAÍS NÃO É PARA VELHOS



Portugal é um país que se está a apagar. Está-se a apagar de muitas maneiras e as mais graves não são as mais óbvias.

Nascem cada vez menos crianças, a população envelhece. Dentro de cinquenta anos, na melhor das hipóteses, por cada cem habitantes, trinta terão mais de 65 anos. É o que dizem as projecções.

O envelhecimento demográfico tornou-se um alibi político que passou a ser utilizado como arma de arremesso contra o Estado social e os direitos que lhe estão associados.

Quando estava na oposição, o CDS, que se diz democrata-cristão, defendia políticas a favor da natalidade, das famílias e dos reformados. Alcandorado ao poder, automaticamente emudeceu sobre tão gratas matérias.

 O PSD não sei bem o que é que defendia. O PSD, já todos sabemos há muito tempo, a única coisa que defende com unhas e dentes é estar sentado na cadeira do poder. Adiante. Este partido auto-intitulado social-democrata, que nasceu mudo, não pára de nos surpreender

A queda da natalidade, o envelhecimento demográfico e o aumento da esperança de vida tornaram-se a pedra de toque de um novo discurso político que acusa os mais velhos de porem em causa a viabilidade da Segurança Social e da própria economia.

É o discurso dito por Sócrates em Abril de 2006 diante do Parlamento para justificar a decisão de “”ligar as pensões de reforma à evolução da esperança de vida”.

 « Há cada vez menos pessoas a trabalhar, capazes de garantir o pagamento das pensões”. Por isso há que aumentar a idade da reforma e cortar nas pensões. Este discurso socrático apoiava-se numa lógica aparentemente imbatível, porém falaciosa: não é a “conspiração grisalha” que põe em causa a viabilidade da Segurança Social, é o desemprego, é a emigração dos jovens. São as gerações jovens que, ao esvaziarem-se, lhe retiram sustentação.

Nos últimos quase três anos tudo piorou, passou-se a uma nova fase, uma espécie de solução final que se perfila, orientada para um novo objectivo estratégico: o extermínio do inimigo sénior. É o que consta dos orçamentos psd/cds.

A destruição dos recursos e rendimentos da grande maioria dos seniores coloca-os no centro do furação de uma crise financeira sobre a qual não têm qualquer espécie de responsabilidade. Os responsáveis desta terrível crise são bem conhecidos e pertencem ao capital financeiro português, europeu e internacional. Mas os bodes expiatórios estão à mão de semear. Os seniores custam demasiado dinheiro, é preciso, é fácil exterminá-los, eles não têm defesa.

Hoje, quando assistia à projecção do filme sobre Hannah Arendt, registei uma coisa que ela disse e que produziu automaticamente na minha cabeça uma associação de ideias.

Falando sobre Adolf Eichmann e os executores das políticas nazis de extermínio dos judeus e de outras minorias, Arendt explicou que essas políticas se baseavam no facto de os nazis entenderem que os judeus que eles mandavam executar já não serviam para nada, tinham deixado de ter qualquer função que justificasse a sua existência. Não podiam continuar a ser considerados humanos, logo, tinham que ser exterminados.

Extermínio de antigos humanos que sobreviveram para além dos custos financeiramente aceitáveis. Para lá caminhamos. Os mercados, as agências de rating, o goldman sachs, os governos que mandam na chamada união euopeia, a sra. Lagarde do fmi, todos saberão reconhecer o extraordinário mérito dessa nova engenharia.

Triste época.

 

 

 

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

ACABARAM AS "AUTÁRQUICAS", A GUERRA DE TRINCHEIRAS SEGUE DENTRO DE MOMENTOS

 

O Partido Socialista ganhou folgadamente em número de câmaras, tornou-se, assim, o poder autárquico dominante.

Mas a lista de perdas que sofreu não pode ser ignorada, principalmente porque essas perdas sublinham os limites que condicionam o acesso desse partido ao poder e a sua capacidade de mobilizar os cidadãos para as soluções de que o país precisa urgentemente.

Apesar de ter sido o partido mais votado, o PS perdeu muitos eleitores e não conseguiu atingir um limiar expressivo que prenuncie uma futura maioria absoluta em eleições legislativas.

Perdeu seis capitais de distrito de norte a sul: Porto, Braga, Guarda, Faro, Évora e Beja.

No Alentejo ajoelhou-se perante o PC e esta é a sua derrota mais significativa, porque colide com a perspectiva de um futuro entendimento de governo.

Pode-se falar de vitória retumbante do PS? Claro que não, a única retumbância foi a vitória do António Costa em Lisboa.

Estas não foram propriamente umas eleições “autárquicas”. O que é que tivemos nas televisões durante mais de um mês de campanha eleitoral? Ouvimos, todos os dias, os líderes nacionais dos partidos a falarem do défice, do 2º resgate, dos cortes nas pensões, da troika, nada que tivesse a ver com questões autárquicas.

 Não houve debates sobre o desenvolvimento local e regional, sobre o papel das autarquias, sobre a reforma da administração regional e local, sobre problemas territoriais, em particular o envelhecimento e desertificação do interior e a qualidade de vida nas cidades.

O voto dos cidadãos foi determinado principalmente pela avaliação que cada eleitor fez acerca da situação política nacional e do desempenho da coligação governamental e do seu primeiro-ministro.

Num país de democracia normal, a derrota estrondosa da coligação governamental só poderia ter uma consequência: a demissão do governo. Isso não aconteceu, nem vai acontecer e, deste modo, aproximamo-nos cada vez mais do inelutável abismo de mais um resgate troikista e de muitos e muitos mais anos de austeridade e de pobreza.

Não haverá eleições antecipadas pelas razões que foram invocadas no Verão pelo Presidente da República. Mas, principalmente porque, dentro da coligação que governa actualmente, ninguém vai contestar o governo. Qualquer contestação vinda desses lados seria suicidária.

Do mesmo modo, o líder do PS, seguindo o conselho do Marcelo R. de Sousa, vai fazer de morto.

Vai fazer de morto porquê? As razões são muitas, vejamos alguns exemplos.

O PS não tem nem programa, nem políticos qualificados, nem credibilidade  para tirar o país do abismo da crise.

O PS, com a actual direcção, não conseguirá obter uma maioria absoluta. Na melhor das hipóteses talvez se aproxime vagamente das maiorias pirrónicas de Guterres.

Sem maioria absoluta, quais as alianças que lhe restam?

Com partidos da actual coligação, que acabou de ser estrondosamente derrotada e que, aos olhos da opinião pública, é vista cada vez mais como um pária político?

Ou com o PC, que é o único partido que ganhou em todos os quadrantes destas eleições, ou seja, obteve mais câmaras, mais mandatos, mais eleitores?

Em democracia normal, tantos anos depois do fim do PREC e da guerra fria, seria esta a alternativa óbvia.

Infelizmente, passarão ainda muitos anos até que socialistas e comunistas fumem o cachimbo da paz.

Entretanto, continuará a guerra de trincheiras. Uma guerra que, como todas as guerras, e mesmo que esta seja apenas de palavras, não deixa de ser criminosa.

terça-feira, 30 de julho de 2013

MÁRIO SOARES, A ARTE DA POLÍTICA E A "TERNURA" DOS TIPOS QUE SE JULGAM POLÍTICOS


Os anos vão passando, o que é que se pode fazer?

 Dentro de meses, o 25 de Abril fará 40 anos, a República fez há pouco 100 anos, o Dr. Mário Soares vai a caminho dos noventa.

O Dr. Soares é alguém que me remete para muitas memórias, recordações, coisas que foram acontecendo neste país. Confesso que nunca fui seu correligionário, antes pelo contrário.

Votei a seu favor uma única vez, foi na segunda volta das presidenciais contra o Freitas do Amaral, o meu candidato era o Salgado Zenha, faço questão de o dizer. Não é que tenha propriamente engolido um sapo vivo, nunca andei às ordens do Dr. Cunhal, votei pelo Soares porque assim entendi, sempre votei em quem quis votar. No caso deste meu voto pelo Dr. Soares, penso que acertei.

Na minha modesta opinião, ele tinha sido um mau, não vou dizer péssimo, primeiro-ministro, mas acabou por ser o melhor presidente da República que tivemos. Tiro-lhe o meu chapéu, é verdade que, por vezes, uso chapéu.

Retomemos o fio à meada. Nunca fui apoiante do Dr. Soares.

Tive a oportunidade de o conhecer em Paris quando ele tinha acabado de chegar de S. Tomé, depois do exílio imposto pelo Marcelo Caetano. Almoçámos com outras pessoas que não vêm ao caso, num restaurante grego, em frente ao hotel onde ele estava hospedado, na rua de L'École de Médecine, mesmo ao lado do boulevard S. Michel e dum cinema d’art et d’essai.

Nessa altura, ele andava a organizar o partido socialista, que seria fundado alguns meses depois. Eu era um jovem radical ultra-esquerda, nem maoísta, nem comunista, nem trotskista, era mais um crítico, estava convencido que tudo tinha que ser repensado. Fantasias próprias dum jovem expatriado e desiludido.

Voltemos ao Dr. Mário Soares. É alguém que foi muito maltratado por um certo populismo salazarista, saudoso do império colonial. Foram-lhe assacadas todas as culpas pela descolonização e, especialmente, pelo que se passou com a independência de Angola. Não sou historiador, apenas testemunhei os quilómetros de contentores e de tralha desembarcada no porto de Lisboa ao longo de quilómetros entre o cais da Rocha e a Torre de Belém e as bichas de retornados na rua da Junqueira junto ao IARN. Tudo isso foi acontecendo durante alguns meses.

Teve o Dr. Soares alguma coisa a ver com isso? Não, é peremptório, não teve nada a ver. Sabe-se que as negociações para a descolonização, que culminaram com os acordos do Alvor foram conduzidas pelo Major Melo Antunes. O Dr. Soares não meteu nem prego nem estopa.

Quem é que foi o culpado dos quilómetros de contentores e de tralha enviada das colónias? Os culpados saltam à vista de qualquer mente minimamente informada e não sectária: em primeiro lugar, o Doutor Salazar, o supremo mentor do sistema colonial; a seguir vem o rol dos indefectíveis do império: o Doutor Marcelo Caetano, o almirante Américo Tomás, o general Kaúlza de Arriaga e toda a tropa fandanga que jurava pela irrisória e criminosa fantasia das províncias ultramarinas, cheia de fanatismo e ignorância das realidades, a ignorância dos “ventos da história” que tanto irritavam o homem de Coimbra e Santa Comba.

Porquê toda esta retrospectiva?

O Dr. Mário Soares representa, nestes últimos quarenta anos, a geração de políticos criada na oposição ao regime do Estado Novo, criada e activa nessa oposição. O Dr. Soares teve o privilégio de ser apoiado pelo exemplo de um pai que tinha sido ministro da I República e por intelectuais e políticos, como, por exemplo, António Sérgio, que o prepararam par o seu destino. Foi preparado e cumpriu o seu destino. Incontestável, irrevogável.

Incontestável, lúcido e crítico, O Dr. Soares chegou aos seus quase noventa anos.

Incontestável como político capaz de lutar pelas suas convicções, pelas suas intuições. Político que não confunde tricas e pequenas coisas com o que entende ser estratégico e essencial. Político com instinct killer quando necessário em relação aos seus próprios compagnons de route.

Político que se enganou tantas e tantas vezes, que se aliou com os seus adversários, mas que nunca andou a arranjar pretextos e desculpas. Que assumiu as suas escolhas, mesmo se elas estavam erradas.

Político devotado à política, à luta e ao debate políticos, à luta de ideias, à nobre arte da política.

Político que rompeu com o próprio partido que fundou, quando entendeu que tinha que o fazer. Existem ainda políticos desta dimensão?

Procuro e o que é que encontro?

O Dr. Soares teve vários sucessores no PS, pessoalmente o único que me inspirou alguma simpatia política foi o Ferro Rodrigues. Foi trucidado.

Por mais “ternura” e carinho que o actual chefe do PS, António José Seguro, possa exprimir em público pelo fundador do PS, ele nunca conseguirá apagar a tristeza das suas limitações enquanto aspirante a político com uma dimensão comparável à dos verdadeiros políticos como Mário Soares.

Ele está afundado num abismo insondável e irreparável, está condenado a ser um dos representantes da mediocridade política da geração jota a que pertence, essa geração que está a milhares de anos-luz da geração dos fundadores da democracia em Portugal.

A sua “ternura” pelo Dr. Soares, expressa em publico para esconder a sua falta de coragem em responder directamente às críticas de Mário Soares ao envolvimento do PS na farsa da “salvação nacional, essa “ternura”, além de racista, paternalista e discriminatória, apenas comprova a incapacidade do actual líder do PS em atingir, mesmo que daqui a cinquenta anos, o estatuto dum verdadeiro chefe político, digno da arte da política.

Como político, António José Seguro é um zero à esquerda, não tem nada que o distinga, nada que lhe confira um destino especial. Mas, este falhanço do António José Seguro não é excepcional, em Portugal,

Ó dr. Seguro, não vale a pena chorar. Infelizmente, na história destes últimos quarenta anos portugueses, contam-se pelos dedos os políticos dignos da verdadeira e nobre arte da política. As consequências dessa persistente falta de vocações saltam à vista.

 

quarta-feira, 10 de julho de 2013

O GOLPE DO CAVACO


Há muito tempo que não me lembro de estar embasbacado a olhar o Cavaco a discursar na tv. Mas, desta vez, estava com uma espécie de pressentimento e lá acabei por me sentar com toda a atenção, quase obediente, em frente ao écran.

Tivemos quase duas semanas ou mais, já não me lembro bem, de telenovela política com o Gaspar a demitir-se, a Maria Luís professora do Passos a tomar posse no dia seguinte e, uma hora antes dela tomar conta do lugar em Belém, o Portas a seguir o exemplo do Gaspar. Portas, irrevogável, assim é que é. É d’homem.

Tudo pura farsa. Tivemos direito nas horas seguintes a cenas patéticas, patéticas e palacianas e o inesperado entendimento entre os dois jovens chefes políticos que têm andado a destruir o país.

Acabaram por se entender os dois chefes, fabricaram entre eles uma redistribuição de poderes e de papéis. Na sexta-feira estavam muito contentes e, para sublinhar o seu contentamento, apareceram lado a lado. O mundo sorria-lhes, só faltava um pequeno pormenor, a rubrica do patrão, o Doutor Cavaco

E assim chegou quarta-feira, foi há duas horas, a hora do Cavaco.

Confesso, fiquei impressionado, o homem revelou-se mestre de suspense, não sei se gosta de cinema, talvez tenha arranjado um novo conselheiro.

O que proclamou é totalmente inesperado, deixou os chamados partidos do arco da governabilidade completamente à nora, sem bússola, sem norte, demoraram imenso tempo a abrir a boca e quando a abriram não disseram nada.

Em que ficamos quanto ao “compromisso de salvação nacional” que o Cavaco, impôs aos tais partidos?

Em primeiro lugar, o governo recauchutado pelo Passos e pelo Portas entra para história das anedotas políticas. È finito. O que é mais provável é que, por algum tempo ainda, não vai ser muito, continuará a existir um governo PSD/CDS com todos os seus ministros sobreviventes. Mas será apenas um governo de gestão.

Secundo, entre Julho de 2013 e Junho de 2014, várias coisas podem acontecer.

O governo de gestão decidido hoje pelo Cavaco não consegue aguentar-se, à sua base de apoio social, partidária e parlamentar acontece-lhe o efeito da pele de chagrém, diminui, diminui, desaparece, morre.

E, quando a pele de chagrém chegar ao fim, o que é que teremos? Apesar de todos os argumentos esgrimidos pelo Cavaco contra as eleições antecipadas em Setembro e a favor das ditas cujas eleições em Junho, ele vai ter rapidamente que nomear aquilo que sempre recusou e que agora, depois do seu discurso à nação, está já em rampa de lançamento, em contagem decrescente como os foguetões: um governo de iniciativa presidencial, com mandato até Junho e com o apoio dos tais partidos do tal arco.

Solução à italiana, quem é o Berlusconi a abater? Adivinhem.

 O Cavaco salva a face, retoma a iniciativa  e o poder presidenciais,  a troika não tem outro remédio, apoia o nosso homem.

Já está tudo preparado no discurso do Cavaco. Para que é que serve aquele misterioso “mediador” que ele se propõe designar para impor o tal “compromisso de salvação nacional” aos três partidos?

Esse mediador será o próximo primeiro-ministro de um governo de iniciativa presidencial, governo ao qual competirá consumar nos próximos meses todas as tropelias impostas pela troika. Tropelias, desmandos, cortes, austeridade, que actualmente nenhum partido dito governamental tem coragem de fazer sozinho ou acompanhado. Gaspar dixit.

Em Junho de 2014 logo se verão os resultados. Nessa altura, o Cavaco decidirá sobre as eleições antecipadas, com o beneplácito da troika, ça va de soi.

Os políticos e os comentadores, jornalistas e esse pessoal todo das tertúlias do grande pensamento político nacional, toda essa gente foi apanhada em cuecas pelo nosso distinto presidente. Vão levar tempo a compreender o que lhes aconteceu.

Volta Gil Vicente, estás mais do que perdoado, não fizeste mal a ninguém, a não ser aos poderosos. Meu caro, és mais do que um profeta, não nos abandones. Ajuda-nos a manter inteligência suficiente para que sejamos capazes de sorrir por entre as desgraças.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

O AVIÃO QUE VINHA DE LESTE


Vamos imaginar um cenário de politic fiction.

Há um avião que se prepara para levantar voo em Moscovo. Um fiel empregado da CIA, ali em serviço, previne imediatamente os seus patrões na América: “O gajo vai levantar voo, o avião vai para a América do Sul, não consegui saber exactamente para que aeroporto.”

A máquina de técnicos imperialistas entra imediatamente em acção.

O gajo de Moscovo é o Edward Snowden, jovem ex-prestador de serviços aos ultra-sofisticados e poderosos serviços ultra-secretos americanos NSA, aquele americano que teve a coragem de atirar cá para fora informações absolutamente escabrosas sobre o monstruoso sistema americano, digo monstruoso no sentido de nazi-fascista-kgb, um sistema de espionagem cuja existência ignorávamos, mas que agora sabemos que se ocupa de dia e noite sobre tudo o que mexe à face da terra, pessoas, gente, crianças, gatos, elefantes, adolescentes, professores, gente pequena, gente assim-assim, funcionários, operários, gente mais pequena, mais velha, mais nova, mais rica, mais pobre, mais preta, mais branca, mais índia, mais amarela, mais americana, mais europeia, mais chinesa, mais japonesa, gente mais escura, gente africana, governos, agentes de governo, contínuos, mulheres-a-dias, embaixadas, chefes do estado maior, chefes de armazém, a lista é infindável, faz-me lembrar aquele poema do Drummond de Andrade sobre a lista telefónica.

Retomemos o fio à meada, o gajo levantou voo, logo, por conseguinte, a luta vital da NSA e da CIA contra o terrorismo, esse grande baluarte da identidade e dos descaramentos do império gringo-americano, essa luta vitalíssima exige respostas, contra-ataques, mísseis, tudo de imediato, armas letais, decisões no mínimo geniais.

Manda-se para o ar um caça caçar o dito avião? Não, isso não é possível, os americanos ainda não mandam em Moscovo, se ainda fosse o Napoleão e ele tivesse aviões, era canja, eram favas contadas.

Não se pode caçar o avião, mas pode-se mandar pará-lo. Parar um avião, aí está uma óptima, uma fulgurante ideia. Já houve exemplos disso. Lembro-me, duma maneira já um pouco vaga, do que aconteceu aqui há alguns anos, os pormenores já lá vão, mas tenho a ideia de que era um avião civil coreano cheio de gente, que foi abatido por um caça militar, russo, acho que era russo, o tal avião tinha entrado nos limites do espaço aéreo que já não era dele.

Caçar um avião no ar, tarefa muito complicada, mesmo para a NSA/CIA. Que fazer, então? O avião vai em direcção à América do Sul, a CIA, a NSA e todos esses extraordinários especialistas põem os computadores a trabalhar, traçam a rota previsível do avião, ele tem que ser travado dentro daquilo que será a sua rota normal. Vai ter que passar por Itália, por França, pela Espanha e por Portugal. E, a seguir, entra no Atlântico, aí já não há nada a fazer, ou seja, o avião tem que ser impedido pelos respectivos governos desses países de sobrevoar esses quatro países latino-mediterrânicos, dá-se-lhes a ordem, eles obedecem sem qualquer hesitação. Gente obediente. Mas, para já desvia-se o avião para outro país, que também seja seguro e amigo. Abreviemos este cenário político de série B, o avião aterra em Viena de Áustria, cidade muito segura, gente de confiança, não me vou alargar sobre porquê.

Aterra o avião, já tinham no aeroporto um exército de funcionários da segurança preparados, ocupam-se do seu estacionamento numa zona reservada, mandam abrir as portas, sobem a escada, entram. “Onde é que está esse gajo, o Snowden?...”. Nesta altura, sendo eu o autor do cenário, devia ser capaz de arranjar uma resposta em russo, estilo niet, mas infelizmente não conheço a língua. Imaginemos, então, a sequência sem diálogos. Ninguém respondeu à pergunta sobre o Snowden, é que no avião ninguém falava espanhol, nem alemão, nem inglês, só falavam russo. Não eram muitos, eram poucos passageiros. Estavam todos literalmente siderados, espantados com o que estava a acontecer.

Passado o efeito do siderante espanto, saiu de lá um gajo com ar atlético. Os polícias austríacos não o reconheceram, mas eu, que não estava lá, posso confirmar que ele era sem sombra de dúvida o Vladimir Putin. Os agentes austríacos assustaram-se com aquele gajo aos berros e, como se assustaram, desataram à porrada no Putin. Assustaram-se consigo próprios, não eram muito inteligentes, o que é que pensa, como é que reage um polícia austríaco quando lhe aparece um estrangeiro aos berros?

Naquele momento, eles não imaginaram nada do que viria a seguir, mas a sua brutal ignorância de polícias austríacos, que lidam em geral zangados e desabridos com estrangeiros, criou uma situação muito complicada. Continuemos a imaginar. Na melhor das hipóteses, talvez o mundo, naquela cena de avião estrangeiro sequestrado, tenha estado perto de chegar à beira duma guerra nuclear.

Podia ser um cenário de filme e, em geral, no fim dos filmes, no genérico costuma vir uma advertência final: “esta é uma obra de ficção, qualquer parecença com pessoas…. é puramente acidental”.

Mas, neste cenário apenas um personagem é de ficção, é o Vladimir Putin. Mas, embora de ficção, o presidente russo teve uma participação real na história e não propriamente como actor secundário. Está confirmado, vi na televisão. O Putin recebeu nesse dia, que é hoje, quarta-feira, 3 de Julho de 2013, o verdadeiro protagonista do filme, que é um tipo chamado Evo Morales que, por curiosa coincidência também é presidente, não da Rússia, mas da Bolívia.

Não era, pois, o presidente da Rússia que ia no avião de Moscovo, era o presidente da Bolívia que viajava no seu avião presidencial para a sua terra, a Bolívia. Foi forçado a aterrar em Viena de Áustria, foi tratado como um desgraçado espião e provável terrorista pela polícia austríaca que forçou a entrada no avião. Evo Morales e os seus acompanhantes foram forçados a ficar durante treze horas imobilizados no paddock do aeroporto de Viena. Entretanto, os srs. François Hollande, de França, Mariano Rajoy de Espanha, Enrico Etta de Itália e Passos Coelho de Portugal impediram-no de prosseguir viagem.

Como é que as coisas se teriam passado se, em vez do Evo Morales, presidente dum país latino-americano, estivesse de facto no avião o atlético e todo poderoso Vladimir Putin?

Os grandes países europeus, estilo Portugal, que são grandes países da grande finança, ricos e poderosos, sabem como tratar os pequenos e longínquos países, ainda por cima governados por um índio. São países da grande tradição racista, colonialista e fascista europeia. Detestam, odeiam e desprezam os pequenos países e os “indígenas” e, ao mesmo tempo, curvam-se perante a majestade dos grandes países que são quem agora governa de facto, países que manipulam, que espiam, que controlam tudo, que exploram, que matam. Esses países da união europeia, com toda a sua jactância, não passam de lacaios do imperialismo americano e não têm pinta de vergonha, não é ò Hollande, ò Rajoy, ò Etta, ò Coelho? Mas estão a ficar caquécticos, desconhecem pormenores supremamente importantes, como é, neste específico caso, o facto de a Bolívia possuir as maiores reservas mundiais de lítio. Sabem para que é que serve esta coisa? Sabem certamente, mas nunca é demais lembrar: sem lítio não há baterias para os automóveis eléctricos.

Ò Hollande, já agora, tu que és uma das principais sumidades da coisa chamada união europeia, embora até hoje, não tenhas feito nada que se visse, diz-me lá, explica-me: como é que tu, todo armado em patriota gaulista, andas a pedir, quase diria exigir, explicações aos EUA sobre o que é que eles andam a fazer a espiar as embaixadas e a administração e os políticos franceses, e, ao mesmo tempo, te pões todo de cócoras para ajudar os gringos a apanharem o desgraçado que anda fugido por esse mundo só porque teve a coragem de nos informar sobre as patifarias e os crimes que os serviços secretos americanos andam a fazer? Queres proteger as tuas embaixadas? Começa pela embaixada em La Paz, Bolívia. E, já agora aconselha os franceses a não se deslocarem pela América do Sul. Mesmo conselho, se é que vale a pena, para ti, ò Coelho. A questão é que, além de estares de malas aviadas, estas coisas são demais para a tua cabeça, demasiada areia.

sábado, 29 de junho de 2013

PARA ONDE É QUE CAMINHAMOS?


Sejamos realistas, lúcidos e realistas.

Isto vai de mal a pior e tão cedo não vai deixar de continuar assim. O Cavaco fala do pós-troika, qual prós-troika, daqui a 60 anos, se ainda cá estivermos, a gente volta a falar, para confirmar ou não. Vai-se caminhando, caminhando não se sabe para onde, todos os dias a cacofonia política das palavras, das promessas, das previsões enganadas e desonestas vai aumentando.

O Coelho, a Merkel, o Gaspar, o Hollande, aquele gajo com nome esquisito holandês que manda nas finanças dos países sequestrados pela troika, toda essa malta anda a gozar connosco. Gente sádica, gananciosa, incompetente, pior ainda, prepotente, o mundo é deles, a democracia uma quimera, a união dita europeia é pior do que a união soviética.

O Barroso chama reaccionários aos franceses, os franceses mandam-no à merda, o ministro Montebourg acrescenta que ele, o Barroso, é o combustível da extrema-direita em França. Retorque o cherne que a esquerda é a mesma coisa que a extrema-direita, porque ambas são reaccionárias, não gostam da mundialização. Acrescento eu: também eu sou contra a mundialização, contra a China que num ápice tomou conta da energia e dos painéis solares e da África para onde exporta as suas indústrias e a sua mão de obra,  a China, a Índia, o Brasil, eu sei lá quantos países que exploram miseravelmente os seus trabalhadores, fazem dumping social e destroem as economias e as fábricas europeias, roubam as invenções, traficam, etc.

Dirá o sr. Barroso que, já que eu me atrevo a pensar estas e muitas outras coisas deste jaez, não posso deixar de ser um gajo de extrema-direita, quem sabe até talvez de extrema-esquerda. Às tantas, ainda me vai denunciar aos espiões da NSA do sr. Obama.

Onde é que isto tudo vai parar? Caminhamos para onde?

No dia da greve geral, um grupo meio surrealista de manifestantes lisboetas, seriam de esquerda, seriam de direita, seriam de parte nenhuma, quem sabe, essa malta contra quem não me move nenhuma antipatia, antes pelo contrário, decidiu e caminhou para bloquear a ponte. Imagem perfeita do desnorte a que isto chegou. Deviam ter na ideia a memória do bloqueio contra o Cavaco por causa do aumento das portagens.

Também é verdade que, se tivesse resultado, este projectado e falido bloqueio podia ter sido aquele rastilho de que estamos todos à espera para que acabe de vez toda esta cena macabra em que vivemos desde o pânico do Guterres com o pântano.

O Mário Soares convocou a malta de esquerda, qual esquerda, quais esquerdas, não se sabe o que é isso, convocou a malta para a aula magna da universidade de Lisboa. Apareceram por lá os porta-vozes do costume, uns mais conhecidos, outros nem por isso, o do partido socialista bem que gostaria de saber onde é que desencantaram o homem. Deu em quê a reunião? Alternativas, acordos pré-eleitorais, comité insurreccional, apelo à revolta ou, pelo menos, apelo à indignação?

Andamos todos nisto, é uma brincadeira pegada. O pessoal da tal tentativa de tomada da ponte, parece que duzentos e tal, deduzo que se assemelhassem a uma espécie de pacífico rebanho de ovelhas silenciosas. Não sei se tinham pastor, mas para ali ficaram ordeiramente quietos, cheios de paciência à espera que a polícia lhes preenchesse e lhes entregasse as intimações para se apresentarem no dia seguinte no tribunal. Cena surrealista, no mínimo.

Tudo isto me cheira mais a tragédia.

Tragédia de um país que perdeu a soberania e que anda a mando dum bando de salteadores internacionais.

País que é directamente en su sitio controlado por outro bando, mais assanhado ainda e mais medíocre do que o dos invasores.

Bando que é comandado por um desgraçado manga-de-alpaca que, quando muito, poderia ter aspirado a ser chefe de secção numa qualquer repartição pública, uma manga-de-alpaca sem qualquer talento, sem inteligência, gajo ignorante e inebriado pela sua ignorância e pelo lugar que a divina providência, provavelmente com a ajuda da senhora que apareceu na azinheira, se dignou conceder-lhe.

Habeas corpus, não sei se é assim que se diz, libertem este homem completamente incapaz para a época, para a situação, para as responsabilidades que é suposto ser capaz de resolver, este tipo sem qualquer tipo de preocupação ou de compaixão (será que palavra figura no seu limitado dicionário), este tipo sem compaixão para com quem está desempregado, mais de 40% de jovens desempregados, de gente a quem cortam o subsídio de desemprego, o rendimento mínimo, gente condenada a procurar comida nos contentores, gente condenada ao ostracismo total e definitivo, gente que perdeu toda e qualquer esperança de um dia poder alcançar ou recuperar uma vida digna. Compaixão, solidariedade, respeito, ò Coelho percebes de que é que eu estou a falar?

Sopa dos pobres, pobres envergonhados, miúdos que vão para a escola em jejum, consegues dormir, costumas confessar-te ao sr. padre de Massamá?

Somos um país pacífico, o país preferido do dr. Salazar, ele amava Portugal por ser um país de brandos costumes. Mas, antes dele subir ao trono, tivemos as guerras liberais, antes disso a resistência aos invasores franceses, não foi brincadeira, os franceses foram para o maneta, tivemos o sr. D. Miguel que queria mandar em tudo e que também foi para o maneta em Évora Monte, tivemos o sr. D. Carlos e o seu herdeiro com triste destino selado ali no Terreiro do Passo, depois disso, na República aconteceram muitas outras coisas. Houve uma época em que os comboios circulavam com soldados, os atentados eram frequentes. País de brandos costumes?

Provavelmente, é capaz de ser verdade, brandos costumes, espero que não morra ninguém.

O fascismo é uma palavra fora de moda. Governo, políticos e muitos jornalistas pós-modernos execram tal designação, como os compreendo. Para onde é que caminhamos?

 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

REFORMA DO ESTADO E EUTANÁSIA

 

A canção do ceguinho da reforma do Estado, essa lenga lenga já dura há demasiado tempo, todos os dias nos vêm alugar e massacrar os ouvidos com essa mirífica história. A televisão, os jornais, os tipos do governo invocam todos os dias o tema e lá temos que os ouvir.

A última peripécia desta história que não é propriamente uma história no sentido literário do termo, porque não tem nem princípio, nem meio, nem fim, esse episódio, chamemos-lhe assim, começou há pouco mais de um ano quando o bando de salteadores do passos coelho nos ameaçou com o saque de quatro mil milhões de euros, quatro mil milhões, imaginam onde é que cabe tal quantia? Talvez nos bolsos do Ricardo Salgado ou doutro banqueiro devidamente credenciado para tal saque.

Quatro mil milhões de euros representa o quê? Estou a interrogar-me, a propósito dum número de tal grandeza, sobre a vida de quantos milhares, quantos milhões de pessoas desempregadas, ou com rendimento mínimo, ou sem subsídio de desemprego, ou simplesmente na miséria, essa arrogância de quatro mil milhões que têm que ser cortados com o pretexto da reforma do Estado, isso representa o quê?

Quantos desempregados da função pública, quantos aumentos de impostos sobre quem trabalha e não consegue fugir para os benditos offshores de quem tem muito dinheiro e recursos, quantos 10+10+10% de cortes nas reformas de quem andou a trabalhar toda a vida com a serena esperança de mais tarde, quando já faltarem poucos anos para ir desta para a melhor, e poderem ainda, ou finalmente, ter a oportunidade de uma vida mais ou menos digna sem precisar de andar a fazer contas para pagar a renda da casa, os remédios, os enlatados, a ajuda aos filhos…

Reforma do Estado, reforme-se o Estado, em que é consiste isso?

Para a gente que tem andado a mandar – não estou falar de governar, que isso é outra coisa – o sinónimo de reformar o Estado é óbvio que tem a ver com cortar, castigar, destruir. Vendaval, tornado americano, não ficará pedra sobre pedra. Só se safam os que estão acima dessas pequenas contingências da natureza rebelde.

Esses reformadores, confortavelmente instalados nos comandos do poder, são uma espécie de lobos que atacam os rebanhos indefesos na serra onde há os pastos e ninguém para os defender.

As ovelhas, as vacas, as cabras à procura de pasto somos nós, estou falar das desgraçadas vítimas das alcateias estatais. Esses lobos são os gajos que de repente, graças à lei do mais forte, nos cortam a jugular, o pescoço, o resto, não fica nada.

A alcateia desses animais é actualmente chefiada por um tipo cujo nome é conhecido, toda gente sabe quem é.

Mas o ataque já vem de longe.

Não falemos do dr. Salazar, era um tipo que apreciava a pobreza, os pobres agradeciam o carinho, mas depois começaram a ir para a França, para a Alemanha, and so on. E mandaram o dr. Salazar à merda.

Deixemos lá o Salazar, falemos de coisas mais recentes.

A grande reforma do Estado começou com o Sócrates, não o de Atenas, estou-me a referir àquele tipo da Cova da Beira, célebre autor de extraordinários projectos de arquitectura serrana.

Homem do interior, homem coerente, o sr. Sócrates desatou a fechar serviços públicos no interior, não tinham clientes dizia ele, não eram rentáveis, os centros de saúde, as maternidades, as estações de correio, os comboios. No seu esclarecido pensamento, eram coisas desnecessárias nos tempos modernos em que vivemos. Terá razão, quem poderá contestá-lo, uma mulher em trabalho de parto, vivendo no interior do Portugal deserto e sem maternidade próxima, tem sempre a internet em casa, basta ligar o computador.

Reforme-se o Estado, avançou essa luminária governamental da Cova da Beira.

Façamos então um pequeno balanço da extraordinária reforma do estado em curso, para abreviar, designemos essa tal reforma por REC.

Balanço não exaustivo até à data e completamente inexaustivo em relação ao que virá ainda a passar-se, sendo que o que vem a seguir é muito mais importante e significativo quanto aos efeitos e patriótico alcance da REC.

Por decisão do sr. Coelho, aumentaram os impostos, o IVA, o IRC, o imposto sobre os automóveis e mais não sei quantos. Resultado: diminuiu a receita fiscal, aumentou a dívida pública, deixo os pormenores aos economistas encartados, liberais, neo-liberais, clássicos, ou o que lhes quiserem chamar.

O sr. Coelho introduziu portagens em auto-estradas que anteriormente não as tinham. Resultado: as ditas estradas ficaram quase vazias, os tostões amealhados nas tais portagens mal dão para pagar as máquinas de cobrança. Mas as empresas das respectivas PPP continuam a receber o seu. No problem, o Estado paga, o governo paga, ninguém se queixa. A única coisa que o governo não paga são as suas dívidas aos milhares de empresas que vão, entretanto, entrando em falência.

Salários do pessoal da função pública e pensões dos antigos funcionários, o sr Coelho descobriu aqui um verdadeiro maná, os cortes nos salários, os cortes nas pensões, nada disso dá grande trabalho, não é preciso inventar nada, é só escrever um despacho em meia dúzia de parágrafos, ele escreve o despacho e, ao fim da tarde, o homem lá vai para Massamá, janta em família e dorme descansado.

É o grande projecto de futuro, o pessoal da chamada Função Pública, funcionários, professores, jardineiros, motoristas, tantas e tantas e profissões, essa malta tem que ser devidamente castigada, já usufruíram de demasiados privilégios.

Objectivo da reforma do Estado, não vale apena estendermo-nos muito mais sobre essa lenga lenga, objectivo incontornável de salvação nacional: na próxima década, os que dependem da função dita pública, se não querem ser empurrados para dormir num vão de escada e terem ainda alguma coisinha para comer, esse pessoal vai ter que trabalhar até morrer.

Essa ideia fantasista de haver um direito à idade da reforma, isso acabou, passou à história, acabou enquanto conceito jurídico. Estamos no limiar de novos tempos, tempos excitantes, que nos desafiam a contribuir até à exaustão pelo bem do “nosso” país. Os drs. Salgado do BES e Ulrich do BPI agradecem.

 Em vez de pretender à reforma, quem se quiser retirar, poderá escolher a idade da eutanásia que mais lhe convier, para isso será devidamente assistido, tudo será grátis. Tal direito fica desde já reconhecido como direito fundamental.

Um novo direito, tomemos nota dos novos tempos, um direito inalienável que justifica e legitima plenamente perante qualquer tribunal a recusa individual dos caixotes de lixo. Ninguém será castigado.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

O RASTILHO TURCO

 


Se há no mundo um país que exige a nossa atenção, principalmente durante estes conturbados dias, esse país é a Turquia.

A Turquia, desde há muitos séculos, sempre assombrou a Europa.

Na corte de Louis XIV, Lully escreveu a famosa marche à la Turque em que gozava com os turcos. A corte e o rei apreciaram, além do mais a música era genial. Outros compositores seguiram o exemplo.

Os europeus sempre olharam a Turquia de lado, porque no fundo, tinham medo desses orientais que eram ao mesmo tempo tão longínquos e tão próximos dos europeus, e, principalmente, não sabiam muito bem como lidar com a sua própria identidade. Alguém devia ter as culpas disso, questão supérflua que não lhes aflorava as mentes.

A Turquia foi há muitos séculos o Império Romano do Oriente e, entre esse Império do Oriente e o Império do Ocidente houve sempre uma espécie de guerra larvar, se bem que, com a queda, no séc. V, do império do ocidente, ou seja, o império romano propriamente dito, quem passou a ficar na mó de cima foi o pessoal de Constantinopla.

É uma história tão longa, não esquecer a longa noite medieval, não há tempo para falar dela.

Do que vale a pena falar é dos laços que perduraram ao longo de séculos e séculos entre os cristãos do ocidente e os otomanos do oriente. O que é que resta actualmente dos otomanos no ocidente?

Temos os imigrantes turcos na Alemanha, por exemplo, muitos deles trucidados por grupos neo-nazis, ou por outros germânico-racistas.

Na mesma linha de pensamento, também constatamos a persistente rejeição da entrada dos turcos na união europeia.

O que é que resta dos cristãos no ex-império otomano?

Lá continua o estreito do Bósforo que separa a Turquia europeia da Turquia asiática.

E resta-nos a memória do grande Kemal Atartuk que impôs à Turquia nos anos 20 a ideia europeia de laicidade.

Resumamos, temos ainda e não é coisa pouca, a rivalidade, para não dizer coisa pior, da Turquia em relação à Grécia e vice-versa.

A propósito, comparemos a Turquia com a Grécia.

A Grécia é o país mais desgraçado da união europeia e fica ali, numa zona de alto interesse político-estratégico, mesmo em frente à Turquia.

Mas, enquanto a Turquia tem uma economia próspera, se perfila como uma grande potência regional e até como exemplo para os países recém-entrados no ciclo infernal da primavera árabe, e que, por tudo isso, é recebida com calorosas palmas nas costas pelo presidente dos USA, a Grécia, coitada, provavelmente graças à sua pertença à máquina de destruição maciça chamada união europeia, nunca mais voltará a ser um país digno dessa designação.

Podem-se tirar algumas conclusões? Sim, hipotéticas conclusões.

Se a Turquia tivesse entrado para a união dita europeia ou, na pior das hipóteses, para o euro, neste momento, a sua economia seria pior do que é a da Alemanha, que não está em grande estado.

Temos, pois um primeiro ponto, favor da Turquia: ainda bem que a Alemanha e a França não quiseram os turcos na união europeia.

Segunda conclusão, será a Turquia um bom exemplo para a Tunísia e o Egipto, países-vanguarda da chamada primavera árabe?

Nem por sombras. A Tunísia e o Egipto ainda estão na pré-história. A Turquia já está, no mínimo, a meio caminho.

Meio-caminho de quê? Meio caminho entre aquilo que poderá ser uma eventual sociedade laica, cuja religião maioritária é o islão, mas que respeita convictamente a liberdade individual e os direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e uma sociedade de dominância fundamentalista islâmica, semelhante às sociedades que, até à Revolução Francesa, eram dominantes no ocidente europeu cristão.

E daqui decorre a seguinte e muito crucial questão: poderá alguma vez a Turquia fazer a síntese pacífica, construtiva e de futuro entre o antigo império romano do oriente, mais tarde otomano, e o império romano do ocidente, mais tarde derrubado pela tomada da Bastilha?

Tudo isso está em jogo agora, por estes dias, na velha Turquia.

Turcos otomano/islamistas dum lado, turcos atartukistas/europeístas do outro. Qual é que vai ser o resultado desta batalha decisiva, vai cair do lado de cá do Bósforo ou do lado de lá?

Questão última e não menos importante: poderá o rastilho turco iluminar as almas indecisas do lado de cá do Estreito, deste lado decadente do antigo ocidente cristão, agora transformado numa espécie de cemitério europeu?

Poderá esse rastilho iluminar essas almas para se libertarem das novas ditaduras romano-germânicas que destroem a Europa?
 
 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

JORNALISTAS E JOGOS POLÍTICOS


 

O jornal Público deu na sua edição de hoje, 16 de Maio, grande destaque a uma informação, segundo a qual, Berlim se demarca “da austeridade e acusa Barroso de incompetência”. Destaque de primeira página, notícia cheirando a sensacional, muitos leitores como eu sentiram um sobressalto, talvez isto afinal vá mudar..

Mas, rapidamente pude constatar que não havia qualquer notícia, apenas manipulação sem vergonha.

Vergonha, em primeiro lugar, para o jornal. E depois queixam-se da perda de leitores…

O tal destaque de primeira página do Público remetia para uma prosa na página de Economia, assinada pela correspondente do jornal, representante ou seja lá o que for, em Bruxelas, uma senhora de nome Isabel Arriaga e Cunha.

Mas o artigo é escrito a partir de Berlim. Berlim, Bruxelas, qual a diferença?

A prosa tem um valor inestimável.

É paradigmática da “nova” europa e do “novo” país que temos.

Paradigmática, porque testemunha, ilustra, exemplifica, demonstra, comprova o estado de volatilidade, de virtualidade, de manipulação, de propaganda, de conspiração, de mentira e corrupção a que chegou o debate e a informação política quer no vasto continente burocrático, de nome união europeia, quer no país em que temos a desdita de viver.

“O termo ‘austeridade’ tem em alemão uma conotação particularmente negativa de sofrimento extremo, o que os responsáveis de Berlim garantem que está longe de ser o que defendem”, diz a autora do texto.

Esses ditos “responsáveis de Berlim” vão explanando ao longo do artigo argumentos contra a austeridade, que, segundo a autora, são defendidos pela Alemanha. Qual Alemanha?

 Argumentos que servem para chegar a uma conclusão: a “irritação de Berlim” dirige-se “sobretudo contra a Comissão Europeia”, que é incompetente, “ineficaz ou rígida”.

“Os alemães defendem, aliás, que os países sob programa de ajuda externa deveriam beneficiar de um regime especial de derrogação temporária às regras de concorrência…”. Já chega de citações.

Estarei a sonhar, estarei a ficar maluco, estamos em Maio ou será o primeiro de Abril?

Quem é que são estes “responsáveis de Berlim”, quem são estes alemães, que malta é esta? Golpe de estado em Berlim? Acabaram com a Merkel e com o Schäubel?

Quem é que encomendou o artigo?

Não é referida nenhuma fonte, nenhum nome de responsável alemão é citado. Deontologia, senhora jornalista, deontologia?

Encomendaram-lhe o artigo, aceitou, trata-se de quê?

Conspiração, manobra de intoxicação, exercício de psicanálise, de divã para curar os complexos de culpa do invasor alemão? Manobra do sr. Barroso para aparecer como vítima dos alemães e preparar-se para as eleições de Belém?

São muito obscuros estes jogos, jogos entre políticos e alguns cúmplices “mediáticos, jornais, jornalistas.  

Sinais dos tristes tempos que vivemos, tempos de mentira e manipulação, tempos agonizantes da democracia e da liberdade de expressão.

No tempo do Salazar, havia a censura, mas os jornalistas eram gente séria. Lia-se nas linhas e nas entrelinhas e quem lia sabia.

domingo, 17 de março de 2013

O MODELO CIPRIOTA

 
Feira das vaidades.

Falam, gesticulam, apresentam números, mas ninguém responde à questão das questões: o que é isso do pós-troika, vamos ter emprego, acabar com a recessão, quando, ou vamos todos para a falência?

O ministro das finanças diz que não sabe. De recuo em recuo, de previsão em previsão de quinze em quinze dias, de orçamento em orçamento, o homem está cada vez mais parecido com uma esfinge de si próprio, aparenta estar vivo, vai falando no habitual tom soturno e incompreensível. Mas, de facto, se olharmos com mais atenção, percebemos que o homem está morto.

Não tem plano B. Não tem plano B quanto à rapina dos quatro mil milhões de euros, não tem plano B quanto à resposta do governo à iminente decisão do Tribunal Constitucional, não tem qualquer plano quanto às exigências troikistas. Não sabe nada quanto ao aumento do desemprego, nem quanto à recessão. Se lhe derem tempo e, se ainda for ministro dentro de quinze dias, talvez consiga inventar novas previsões.

Feira das vaidades, o ainda primeiro-ministro insiste que está tudo a correr como previsto. O presidente da república vem-se gabar com o seu sorriso dos grandes dias, que há muito tempo tinha dito que a união europeia não estava a agir como seria necessário. Sente-se que ele se sente o maior.

É o maior mas não faz nada, ocupa um cargo para o qual nem daqui a mil anos de experiência governativa estaria preparado para ocupar. Mesmo que, para justificar toda essa terrível incongruência que poderá contribuir para destruir um país, ele possa apresentar como desculpa o facto de não ser  pago por o cargo que não exerce, mas que ocupa. No topo, no cume dos tops dos políticos profissionais dispensáveis lá está ele em todo o esplendor da sua inutilidade.

Será que o homem se dá conta que o país está verdadeiramente à beira da bancarrota, além de já não saber o que fazer a todo o desespero que se acumulou durante os últimos dois anos?

Quanto ao chefe do PS, partido supostamente de alternativa ao governo, “jovem” líder que, com a sua pequena corte de patéticos indefectíveis, se tem dedicado a proclamar solenemente todos os dias que é preciso mudar de política e que o primeiro-ministro tem que pedir desculpa ao povo português, bla bla, o que é que a gente pode esperar dum político destes tipicamente da era do plástico?  Alguém percebe o que é o homem quer?

Aquele outro tipo, que é primeiro-ministro, na realidade já uma vez pediu desculpa, quais é que foram as consequências desse acto de contrição? O Seguro Jota faz as suas proclamações, chama para o seu lado um famoso personagem da mota-engil, um outro coelho de sinistra memória. Tudo para apoiar as suas proclamações de teatro de revista. Anda seguramente a gozar com o pagode.

Se quer mudar de política, o que é que ele se propõe fazer para o devido efeito? Ou continua a chatear-nos com as suas lengalengas ou mostra que é um político com eles no sítio, não há muitas elucubrações a fazer sobre o assunto.

Ó meu, lembro-me quando andavas lá pelo ISCTE com o teu ar satisfeito de patrão da JS, mas estudar não era contigo. Achas que convences alguém? Se és um político sério, sê consequente, vai a Belém e diz ao presidente que as coisas já foram longe demais, que o Passos tem que ir embora e que, consequentemente, tu apresentas uma moção de censura. Moção de censura é coisa de democracia, é coisa para os momentos sérios, alguma vez pensaste nisso?

De que é que estás à espera? Estás à espera que o Coelho siga o exemplo do presidente de Chipre? Esse tipo, teu amigo de longa data e o seu outro amigo mais recente, mas amigo do peito, o  Vítor, não têm qualquer espécie de plano B, C ou D, já não controlam nada, o que é que se te afigura como mais provável que poderá vir a acontecer?

Essa gente do governo psd-cds já cortou tudo o que havia para cortar, já nos massacrou com tudo o que tinham à mão, o que é que ainda falta? Obrigar-nos a pagar para trabalhar de borla?

Essa malta tem agora, caído do céu, o exemplo cipriota. A tentação vai ser demasiado forte, vão às poupanças do pessoal que acredita nos bancos, cobram 10% aos depósitos bancários, arranjam os tais quatro mil milhões, resolvem o problema deles. Olimpicamente, destroem o sistema bancário que o povo português tem andado a pagar. Ficamos, então, mesmo falidos e sem bancos e, pior do que tudo, sem qualquer espécie de auto-suficiência para nos podermos governar, comer, beber, tratar da saúde, andar de combóio, mandar os filhos para a escola, a lista tem muitas páginas.

E, a partir, daí, quantos mais anos de austeridade troikista vão ser necessários para reconstituir alguma coisa que seja credível e que sustente a economia e os desgraçados atirados para a valeta, as gerações jovens que tiveram a desdita de terem nascido numa época dominada por governantes criminosos?

Ò meu, ò Seguro, queres que seja sincero contigo? És muito verde, estás tão deslumbrado com o lugar que ocupas como o teu sócio Passos Coelho, não tens envergadura para afrontares uma situação como aquela que este desgraçado país atravessa. E isso rima com o quê?

Rima com uma história cujo enredo me parece óbvio. Sintetizemos em poucas palavras.

Primeira parte: à falta de plano B, o governo Vítor-Pedro aplica as taxas cipriotas aos depósitos bancários, guerra social inevitável, corrida aos bancos, pânico, bancarrota dos ditos e arrogantes bancos que temos andado a pagar.

Segunda parte: a tropa intervém, Junta de Salvação Nacional, by-by união europeia, by-by euro, viva Portugal, by-by democracia, by-by geração jota. No passarán?