PEDALAR É PRECISO!

domingo, 6 de maio de 2012

HOLLANDE TALVEZ, GRÉCIA NÃO

Desde o Verão passado, quando se iniciou o patético ciclo de cimeiras europeias, quase semanais, para salvar o euro, resolver as dívidas soberanas e punir com austeridade violenta os chamados PIGS, desde esse Verão de má memória, era mais do que óbvio, para quem não se limitasse a nadar à superfície, que o dia 6 de Maio de 2012 era uma data-fronteira destinada a pôr em causa todo esse cafarnaum dominado pela chanceler Merkel, apoiada na diligente bengala francesa do hiperactivo Sarkozy.
Pois bem, chegou o 6 de Maio.
Se Deus quiser e se os franceses não aparvalharem, o Sarkozy será substituído em 6 de Maio pelo novo presidente François Hollande, que tomará posse no dia 15.
Em França, desde que foi instituída a V República gaulista, a esquerda esteve no poder apenas uma vez. A França tem pois uma velha história de país de direita, além de chauvinista e muitas outras coisas sinistras. Mas é a França da Grande Revolução, a França de Jaurès, de Jean Moulin e de muita outra gente, Claude Bernard, Balzac, Léo Blum, Léo Ferré, Juliette Gréco, Coluche, Édith Piaf, a lista não tem fim.
Se François Hollande ganhar as eleições, 2012 será um novo 1981, quando Miterrand chegou ao Élysée, será um momento de transfiguração da França e das forças sociais que aspiram a uma profunda mudança após 17 anos de presidências de direita.
Desde a tomada de poder da Alemanha sobre a união europeia, durante todos estes meses, quase um ano, os nossos políticos, a nossa imprensa, a televisão, os intelectuais e comentadores de toda a espécie ninguém equacionou a possibilidade de o poder mudar de mãos em França e ninguém reflectiu sobre as consequências dessa mudança em relação à união europeia, ao euro e a Portugal.
De repente, deram-se conta que, afinal, podia estar prestes a começar um novo ciclo. Ficaram histéricos.
A Europa é demasiado velha e antiga, mas a união europeia e o euro são demasiado recentes e sem história. Isso talvez explique por que é que os políticos e os tipos que têm governado a partir de Bruxelas nos tenham conduzido ao desastre a que chegámos.
São políticos sem a sabedoria de Maquiavel, são políticos incapazes de distinguir entre táctica e estratégia, não sabem ver para além das pedras da calçada. Políticos que navegam à vista, que têm a visão curta. Políticos não eleitos que à boa maneira soviética têm exorbitado, impondo aos povos europeus a cartilha neo-liberal monetarista importada de Chicago.
A esquerda europeia, ou seja, o que resta dela, há muito tempo que se submeteu a essa cartilha, imposta pela Alemanha, apoiada pelos seus aliados da banca americana e internacional e pelos políticos nortistas seus apaniguados.
Para se redimir de todas as rendições e traições que cometeu nos últimos quarenta anos, a esquerda europeia não pode deixar de mudar de rumo. Tem que ganhar credibilidade.
Gostava de acreditar nessa redenção. A esperança é sempre a última a morrer e, assim sendo, atrevo-me a pensar que talvez a eleição do Hollande ajude a mudar na Europa a relação de forças entre esquerda e direita, entre norte e sul. Talvez ajude a pôr a frau Merkel na ordem e a mandá-la para casa em 2013. Talvez essa eleição contribua para repensar a esquerda europeia, dando prioridade ao pleno emprego, à economia social, à equidade, à justiça e aos direitos sociais. Talvez contribua para pôr os mercados em sentido, talvez contribua para pôr as finanças e os bancos ao serviço da economia. Talvez…
Mas o 6 de Maio não é apenas o dia das eleições presidenciais em França. Neste dia, também a Grécia vai a votos. A união europeia escolheu a Grécia para ser uma espécie de laboratório político em que os gregos são as cobaias. Ora, como em todas as experiências de laboratório, quem se lixa são sempre as cobaias...
As perspectivas do 6 de Maio grego são tenebrosas.
Em Dezembro passado, o Papandreu queria fazer um referendo sobre o euro e a união europeia, referendo que foi proibido pela Alemanha e os seus apaniguados.
Os resultados das eleições deste domingo de Maio, entre outras coisas virão dar razão ao Papendreu. Em Dezembro, talvez o referendo ainda fosse a tempo de dar uma oportunidade ao povo grego de exprimir a sua vontade. Uma última oportunidade para a democracia grega.
Agora, é tarde demais.
O eixo Berlim/Bruxelas fez a sua experiência com as cobaias da mais antiga democracia do mundo.
Ficamos à espera dos resultados.
Mas na minha cabeça continuo a ouvir, como num filme, as botas dos coronéis gregos à frente da tropa.
Os deuses já não moram no Olimpo.

Sem comentários: