PEDALAR É PRECISO!

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

“CUSTE O QUE CUSTAR” OU A ARTE DO GOLPE DE ESTADO



As palavras ditas em público pelos políticos servem em geral apenas para ocupar silêncios incómodos ou para enganar as pessoas.


Os políticos que falam muito e não dizem nada são a grande maioria dos que se passeiam e se exibem na nossa praça. Vendem o seu produto, são como as mulheres que vendem cobertores na feira da ladra. Raramente atingem o talento dessas prestimosas comerciantes, mas lá vão falando e, ao falarem, têm a ilusão de existir.


Quantos desses seres falantes permanecem na nossa memória?
É verdade que alguns momentos importantes da nossa história contemporânea ficaram associados a frases com real significado.


Creio que foi à varanda norte do Terreiro do Paço que o Salazar, armado em Mussolini, pronunciou a célebre frase “para Angola e com força!” Frase assassina, frase entusiasticamente aplaudida pela grande maioria do bom povo português. Passados cinquenta anos, ainda estamos a sofrer as consequências desse grande entusiasmo colonialista.


No mesmo Terreiro do Paço, mas no topo sul, lembro-me também do momento em que o patusco primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo gritou em Novembro de 1975: “é só fumaça, o povo é sereno”.


Serenidade aparente.


Na manhã do dia 25 de Novembro de 1975, tive a oportunidade de ler no semanário francês Le Nouvel Observateur uma entrevista em que o major (penso que ainda não era coronel) Melo Antunes analisava a situação política e as diferentes movimentações dos sectores em confronto no auge do PREC. E concluía com uma frase que não me saiu da memória: “temos que agir já!”.


E agiu de pronto nesse mesmo dia. Tinha tudo preparado. Mandou o Otelo e o Cunhal para casa e pôs na ordem os ultras da direita que queriam fazer uma limpeza ao pessoal “revolucionário”.


Algumas palavras políticas do actual Presidente da República têm sido fonte de grande perplexidade, mas não vou perder tempo com elas.


Prefiro tentar compreender o significado do “custe o que custar” atirado como uma bala, há duas semanas, mais coisa menos coisa, pelo actual Primeiro-Ministro ao Parlamento.


Na mesma ocasião, o Ministro da Defesa também ameaçou. Ameaçou, vejam bem, as elites militares com duas afirmações extraordinárias: 1) a defesa nacional e as forças armadas não são sustentáveis sem profundas reformas; 2) quem não estiver bem, que se vá embora.


Juntemos então o “custe o que custar” com a “insustentabilidade das forças armadas” e acrescentemos a essas palavras, inocentemente coincidentes no tempo, as proclamações menos recentes do Primeiro-Ministro contra quaisquer tentativas de tumultos ou de desordens públicas.


Acrescentemos ainda a tudo isto a chamada balbúrdia dos serviços secretos que se supõe existirem para proteger o país de ameaças externas, mas que realmente consagram o essencial da sua actividade a espiar o chamado “inimigo interno” (sindicatos, cidadãos, partidos, empresas, associações…), lembremo-nos da recente actuação da polícia contra manifestantes pacíficos junto à escadaria de S. Bento.


Lembremo-nos daquela mulherzinha de Tràs-os-Montes que foi presa por causa de umas armas que pertenciam ao filho ausente em França, lembremo-nos daquele sem abrigo condenado por um tribunal por ter sido apanhado à saída dum supermercado com um polvo e outra coisa de que já não me lembro, coisas que, segundo a douta opinião do juiz, seriam para vender e comprar droga. Vale a pena continuar a lista?


O “custe o que custar” do Passos Coelho não apareceu na cena política por acaso. Não é uma palavra para preencher quaisquer silêncios, não é palavra de vendedora de cobertores. É coisa muito séria, porque ameaça o país com um golpe de estado se os cidadãos decidirem contestar convictamente e solidariamente as políticas de austeridade alegremente postas em prática pela troupe no poder.


O timing da ameaça governamental não tem qualquer mistério. Na guerra social que tem vindo impor ao país, a camarilha que nos governa neutralizou todos os eventuais adversários, a começar pelo bom povo português que se rendeu obediente e conformado à inevitabilidade da terapêutica da austeridade e às vantagens do empobrecimento dos cidadãos e das famílias em geral, com vista à redenção do país.


Neutralizou os sindicatos e, quanto à esquerda parlamentar n’en parlons pas.


O caminho para o golpe está aberto, falta ao governo apenas neutralizar as Forças Armadas. Observemos, pois, com atenção as palavras e os actos do ministro da Defesa.
Teremos, não teremos o golpe de estado, cujo nome de código é “custe o que custar”? Será que isso depende apenas das forças armadas? Desde quando é que o povo deixou de ser quem mais ordena?


Sem comentários: