PEDALAR É PRECISO!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

GOD SAVE THE QUEEN!


Quatro da manhã, hora fatídica, apareceu-me o Sarkozy na televisão. A culpa não será apenas da insónia propriamente dita. Porque cada insónia tem a sua explicação. Talvez tenha que desligar na minha cabeça o interruptor das cimeiras da chamada união europeia. Porque daí não sai nada que valha a pena e muito menos coisa que substitua uma noite de descanso.


Lá estava o Nicolas dos anúncios do licor beirão, em Bruxelas eram cinco da matina, o homem tinha um ar cansado mas estava perfeitamente desbarbeado e penteado, imagino que terá também sido massajado, ser presidente tem exigências mas também as suas compensações.


Estava em Bruxelas e apareceu no ecrã emoldurado pela bandeira francesa tricolor, parecia que estava em casa. Nos últimos tempos, esta cena tem-se repetido, ele com a bandeira tricolor ao lado a explicar o inexplicável e a defender tudo e mais alguma coisa e o seu contrário.


No meio da minha insónia, esforcei-me por perceber o que é que o homem tinha de importante para anunciar.


Respondeu a muitas perguntas de jornalistas, repetiu-se, mas as perguntas que eu gostaria de lhe fazer não tiveram resposta.


Sobre o reforço do papel do BCE e sobre as euro-bonds, o homem não foi explícito.


Deixou cair a certa altura que o BCE ia passar a emprestar directamente dinheiro aos bancos europeus à taxa de 1% e que esses bancos poderiam comprar dívida aos respectivos governos, o que obviamente teria inúmeras vantagens, em particular a de por à disposição dos governos em dificuldade taxas de juro muito mais favoráveis do que as que são praticadas pelos famigerados mercados.


O Nicolas disse isto entre as quatro e as cinco da manhã, hora portuguesa, mas esta versão não foi confirmada por mais ninguém. Deve, pois, ser treta explicável pelo adiantado da hora.


Nesta sexta-feira negra anunciada como a da salvação do euro, o que eu ouvi, algumas horas depois da performance sarkosiana, é que o BCE ia emprestar até 200 mil milhões de euros ao FMI, para que, na posse de tão extraordinária quantia, essa venerável instituição se digne impor a alguns países europeus em dificuldades a oportunidade de se submeterem às draconianas condições, incluindo taxa de juros, do fundo da sra. Lagarde, sucessora do saudoso DSK.


Ò Sarkozy, apesar de devidamente escanhoado e maçajado às 5 da manhã, hora de Bruxelas, não conseguiste, em directo para as televisões, disfarçar que estavas mesmo chateado. Tinhas razões de sobra.


Chateado, impotente e a fazer um triste papel.


É inevitável, a cimeira desta negra madrugada de 9 de Dezembro de 2011 vai ser uma triste recordação para ti, Nicolas.


Repara bem, a doutora em Física, ex cidadã RDA e actualmente chanceler alemã Angela Merkel conseguiu obter nesta infernal cimeira aquilo que nenhum outro chanceler alemão seu antecessor conseguiu. A mulher tem mérito, conseguiu pôr a Europa de joelhos. E tu ajudaste, Nicolas, é o teu karma!


Repara bem, Nicolas, não houve propriamente nada de novo quanto aos tratados europeus de que tanto se tem falado.


O que foi decidido nesta madrugada negra quanto ao essencial das punições, regras e consequências para quem não cumpre os pactos de estabilidade e crescimento, vulgo PEC’S, tudo isso já está previsto no tratado de Maastrich, cidade holandesa de triste memória.


Os primeiros e únicos que prevaricaram contra esse tratado foram, aliás, a Alemanha e a França.


Resumamos, Alemanha e França têm esta tradição de países com aspirações imperialistas que é a de imporem regras e castigos aos países menores que não sabem obedecer às regras. Obviamente, essas regras não são aplicáveis a quem tem autoridade para mandar.


O que é que há então de novo no novo projecto de tratado?


O que há de novo é que quem assinar o dito tratado vai assumir explicitamente e sem qualquer margem para dúvidas que doravante se submete ao domínio germânico sobre a Europa. Passa a haver uma lei, a lei de Berlim e em breve a língua dominante passará a ser o alemão.


Percebo que estejas chateado, Nicolas. Tens andado a fazer figura de parvo e, nas próximas eleições, em Abril vai-te acontecer o mesmo que aconteceu ao Lionel Jospin em 2002, quando ele ficou atrás do LePen e não foi à segunda volta das eleições com o Chirac.


Talvez porque estava apanhado no meio da minha insónia televisiva, tive a sensação de que havia muitas coisas importantes que estavam a acontecer e sobre as quais não conseguia encontrar explicação. É natural, a televisão é apenas uma mise-en-scène para durar meia hora, é coisa que se usa e logo a seguir se deita fora, prazo de validade efémero.


Mas, antes de voltar a adormecer, ficou a trotar na minha cabeça uma questão óbvia.


Os países que vão assinar, até Março, o tal de novo tratado – que, de facto, não é novo – aceitam ser punidos por incumprimento das regras estipuladas pelo tal tratado – regras que já existem desde Maastrich. As punições poderão ir desde o pagamento de multas até a perda de direitos de voto e coisas no género.


Mas o que é que acontece se um determinado país chegar à conclusão que já não está interessado em continuar no euro ou na UE?


O tratado é omisso sobre essa hipótese.


Quando foi da história do referendo grego do Papandreou, a Merkel e o Sarkozy deram a sua sentença: se a resposta grega fosse desfavorável, os gregos tinham que sair do euro. Ora isso, não estava previsto nos tratados e o primeiro a chamar a atenção para a incongruência franco-germânica foi o novo presidente do BCE, o italiano Mário Draghi.


O que é que diz o novo trado sobre isso? É omisso, ou seja, se assinas o tratado germânico-francês, sujeitas-te para toda a vida a andar a pagar multas e a ser escravo, sem direitos, só obrigações, só punições. Ou obedeces, ou és invadido e ocupado.


A União Soviética, ao pé disto, foi um império democrático.

Por outras palavras, saberão os países europeus, que não pertencem à elite dos países nórdicos virtuosos que, no momento em que assinarem o supostamente novo tratado, estarão a assinar a sentença de morte da sua liberdade e da sua soberania?


Perceberão que essa assinatura não lhes deixa qualquer margem de recuo em relação às imposições do euro e da ditadura germânica?


Não, a maior parte dos representantes dos países que estiveram na cerimónia da sexta-feira negra de Bruxelas não conseguem ou não querem perceber, fazem cálculos, fantasiam, para eles o euro é uma espécie de pai natal, acreditam, fazem sorrisos parvos.


Ò Nicolas, fizeste um triste papel e tens consciência disso.


Mas, o que te custou mais a engolir foi que o Cameron inglês te tenha mandado dar uma volta a ti e ao teu tratado germânico. Será que pensaste em Vichy e no Pétain?


O Cameron é o Cameron, é a burguesia conservadora britânica, a da Thatcher. Deus lhes perdõe.


Mas, no transe que estamos a viver neste para já desgraçado novo século e milénio, tal como em 1939, do que precisamos é duma frente de recusa de ditaduras continentais e de neo-fascismos.


Valha-nos, pois, a velha Albion. God save the Queen!




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