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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

TROÏKAS


As palavras nunca são neutras. Ou têm história ou não têm, ou têm sucesso ou foram completamente esquecidas, ou são sinistras ou são ambíguas, ou são simpáticas, ou...


As palavras desafiam-nos porque mesmo quando nascem do acaso, elas podem atingir significados cuja importância ultrapassa origens porventura modestas.


Nestes infelizes dias de crise da dívida soberana, de austeridade, de cortes de salários, de aumento dos impostos, de desemprego e de miséria, todos os dias ouvimos falar de troïka. É uma palavra de desgraçado sucesso.


É uma palavra russa. Troïka (em russo :тройка) designava um trio de cavalos que puxava uma viatura ou um trenó sobre patins.


Este veículo cavalar apareceu por volta do séc. XVII na Rússia e servia de meio de locomoção no transporte de correio.


A palavra continuou a ser exclusivamente russa durante muito tempo, mas a partir da “grande”revolução leninista, saiu do reino dos cavalos e transitou para o mundo humano dos políticos.


Não foi uma transição pacífica. A palavra passou a ter uma conotação guerreira, significando guerra entre políticos que aparentemente se aliavam em vista dum objectivo comum, mas que de facto procuravam, cada um pelo seu lado, abater os aliados de ocasião.


A palavra troïka passou a designar uma aliança táctica entre três políticos concorrentes à tomada do mesmo poder em situações de vazio de poder.


O primeiro exemplo “moderno” de troïka política foi criação soviética aberta pela morte de Lenine. De facto, nesse processo de sucessão política não houve nada de novo a não ser a palavra russa. Ela veio substituir a palavra triunvirato dos romanos. O mais conhecido desses triunviratos foi a aliança para tomar o poder em Roma, após o assassinato de César, entre Marco António, Octávio e Lépido. É conhecido como é que este triunvirato acabou nas mãos de Octávio, o menos favorito dos triúnviros.


Com a revolução soviética, o significado da palavra troïka ultrapassou definitivamente a época dos correios postais, tornando-se uma forte referência da história russo-soviética, durante os períodos pós-leninista e pós-estalinista.


Em 1923, Léon Trotsky, presumível sucessor de Lenine, foi implacavelmente laminado pela troïka arquitectada por Estaline, composta por Zinoviev, Kamenev e o dito Estaline. Obviamente, pela lógica troïkista, não demorou muito tempo para que chegasse a vez de Kamenev e de Zinoviev passarem à história.


Depois da morte de Estaline em 5 de Março de 1953, gerou-se naturalmente um vazio de poder bastante complicado, com vários candidatos que pretendiam à sucessão do homem dos bigodes, grande benemérito da humanidade.


Formou-se uma primeira aliança, que não durou muito tempo, entre Malenkov que passou a acumular os lugares de presidente do conselho de ministros e de secretário do comité central do partido comunista (PCUS), Beria, chefe do KGB desde 1938 e Molotov, o homem do pacto germano-soviético e durante muito tempo braço direito de Estaline.


Mas em Julho de 1953, Beria é preso e executado não se sabe bem quando.


O homem do momento passa então a ser Nikita Khrouchtchev que se tornará secretário do comité central e denunciará no XX Congresso do PCUS, em 1956, os crimes do estalinismo, o que não o impedirá de ordenar a invasão da Hungria.


A queda de Krouchtchev origina um novo período de instabilidade e facas na manga. Acabará por ganhar Leonid Brejnev, o qual se tinha aliado, primeiro com Kossyguine e Mikoyan e, depois antes de guardar o poder todo para si, substituindo o Mikoyan pelo Podgorny.


Temos então na contabilidade das troikas soviéticas, a primeira que levou Estaline ao poder, a segunda de Malenkov, após a morte de Estaline, que durou pouco tempo. A terceira e a quarta foram as troikas que deram o poder a Brejnev. Podemos ainda falar de uma quinta troika soviética, a aliança também efémera entre Krouchtchev, Bulganine e Kaganovitch, sobre os destroços da qual Nikita solidificou o seu poder de novo mestre do Kremlin pós-Estaline.


Vale a pena falar destas coisas? Why not?


Vivemos uma fase muito complicada e incerta, as referências vão-se perdendo, o que é que está a acontecer? Não é descabido fazer comparações.


Olhemos de perto os personagens que se movimentam actualmente na cena política europeia. Cena pré-apocalíptica de assalto poder.


Este assalto ao poder euro-europeu não se distingue basicamente dos assaltos de Estaline, Malenkov, Beria, Krouchtchev, Brejnev ao poder soviético. É, no entanto, bem mais complexo porque envolve diferentes poderes.


O seu desfecho é muito mais incerto, porque se bem que conheçamos o seu instigador, a incerteza quanto ao desfecho desse assalto aumentou substancialmente.


Não se conhece o desfecho, mas os peões do assalto estão bem identificados.


Temos, no cimo da pirâmide, o instigador supremo, a chanceler Merkel com os seus germânicos acólitos e, a seu lado, o factotum Sarkozy.


Temos a troika institucional propriamente dita que junta o BCE, a Comissão Europeia e o FMI. Três cavalos que puxam a charrete da dívida.


Temos o comité central de Bruxelas, com a Comissão Europeia e o Euro-Grupo dos ministros das finanças do euro, os quais obedecem ao instigador supremo e seus germânicos acólitos.


Temos os plenipotenciários das entidades atrás citadas que, no actual estádio avançado de capitulação dos países atingidos pela chamada crise da dívida soberana, estão a ser enviados pelo comité central de Bruxelas para tomarem conta dos governos da Grécia, de Portugal e da Itália.


Esses plenipotenciários têm nome: Vítor Gaspar, ministro das finanças de Portugal, ex-funcionário do Banco Central Europeu; Lucas Papademos, provável futuro primeiro-ministro grego, ex-vice-governador do Banco Central Europeu; Mário Monti, provável futuro primeiro-ministro italiano, ex-Comissário europeu.


A queda do muro de Berlim acabou com a União Soviética.


Provavelmente, Berlim acabará com a União Europeia.


No fim, se saberá qual destas histórias de troikas foi a menos infeliz.



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