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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

CRISE EUROPEIA E DEMOCRACIA


No quotidiano dos nossos descontentamentos, vamos vivendo as peripécias da crise, crise do euro, crise da Grécia, crise dos países periféricos, crise da dívida soberana. Afinal, que crise é esta?


Se o Marx fosse vivo, provavelmente diria que se trata da crise final do capitalismo.


Tanto quanto a minha memória alcança, o único cenário aceite há séculos por muita gente para o destino final da espécie humana é o do apocalipse, uma ideia catastrofista que nasceu do fundamentalismo cristão medieval. Não falemos então de cenários finais. Como disse o Pinheiro de Azevedo, o povo é sereno.


Serenidade à parte, o que é que esta crise nos revela?


Não é uma pequena crise, tudo indica que se trata duma verdadeira bomba.


Crise do capitalismo? Sim, mas o capitalismo, desde que começou a ganhar o poder em alguns países europeus no séc. XVII, conheceu até hoje muitas crises e foi sempre capaz de as aproveitar em seu benefício.


A principal novidade da crise que estamos a viver é que o centro de decisão dos poderes financeiros, comerciais e económicos do capital se está a deslocar cada vez mais da Europa e do seu filho USA para o Pacífico e suas proximidades.


Esta deslocação não é uma pequena mudança.


A Europa e os USA perderam a sua capacidade de manobra e as consequências, no que diz respeito principalmente à Europa, vão ser tremendas e já estamos a ser atingidos por elas.


O resultado mais visível da nova correlação de forças mundial entre potências do Pacífico e do Atlântico é que o Estado Social europeu parece ter os dias contados.


Não está em causa apenas o Estado Social das prestações sociais, do subsídio de desemprego, do serviço nacional de saúde, da educação pública e ensino para todos.
Trata-se principalmente de democracia e de direitos sociais.


A democracia e os direitos de cidadania que lhes estão associados entraram em processo de dissolução. Entrámos num processo de desvario, em que tudo é permitido, tudo se justifica em nome dos superiores interesses da nação.


Paulatinamente, voltamos ao tempo do Salazar, tornam-se consensuais as referências e os valores de submissão perante os poderes constituídos, perante quem manda.


Chegamos ao ponto de o chefe do governo nos ameaçar de dedo em riste, atenção, ele não quer tumultos. Ameaça séria: duas semanas depois do dedo em riste, a PSP e o SIS vêm divulgar um relatório sobre o que essas “veneráveis” instituições vão fazer perante a ameaça dos ditos tumultos.


Questão completamente a propósito e que ninguém colocou: por que razão é que a PSP faz um relatório sobre os tais riscos de tumulto juntamente com o SIS. Nova PIDE? PIDE social-democrata, mandatada pela troika? Onde é que vamos parar?


O Marx teve razões em algumas coisas. Uma delas foi quando, por volta de 1870, escreveu que a Rússia e a China não tinham condições, de um ponto de vista objectivo, para fazerem a chamada revolução socialista. Razões óbvias, estes dois países continuavam a ser completamente refractários e alérgicos ao capitalismo e, assim sendo, não estavam em condições de ser socialistas. Neste aspecto, o pensamento de Marx era coerente.


O que o nosso amigo Karl não foi capaz de prever é que, passado menos de século e meio, a China se iria transformar em paradigma dominante do capitalismo mundial.


A crise, a crise que estamos a viver e que não sabemos como vai acabar poderá ser apenas uma crise de crescimento do capitalismo na perspectiva da sua mundialização.


E, se assim for, pode-se antever que, enquanto que o século XX, com todas as suas tragédias e morticínios nazis e fascistas, foi um século de afirmação de um certo capitalismo, circunscrito principalmente à Europa, implicado no progresso social, o século XXI será confrontado com o poder de um novo paradigma, o do capitalismo de Estado triunfante, com os seus burocratas, os seus exploradores de mão-de-obra barata, os seus polícias, as suas prisões, os seus comités centrais.


Esta é a crise que mais me assusta. A união europeia e a sua moeda única, já o escrevi aqui várias vezes, são uma perigosa utopia que nos encurralou numa espécie de união soviética, que foi a primeira versão, felizmente falhada, do capitalismo de Estado.


É evidente que já entrámos na fase da desregulação da própria crise, não se sabe aonde é que isto vai parar.


Os valores da democracia, os direitos individuais, os direitos sociais entraram em processo de liquidação. Primazia aos bancos, primazia às finanças, primazia aos ricos, primazia aos poderosos. Chegámos a um ponto em que os euro-burocratas, e os empregados deles que mandam em nós, já não se dão ao trabalho de disfarçar as suas verdadeiras intenções.


Basta olhar o exemplo quotidiano do que passa com a Grécia para percebermos o estado de dissolução democrática a que chegou a Europa que inventou o capitalismo.
Crise do capitalismo, apocalipse now, Wall Street?


Não nos confrontamos apenas com questões de longo prazo.


Para já, no nosso esforço de percebermos o que está a acontecer, temos que nos preocupar com o presente e o futuro da democracia na Europa e arredores.


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