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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

CAPITALISMO, MUNDO LIVRE E LIBERDADE


No mercado reservado aos intelectuais, sempre houve serventuários mais ou menos aplicados, mais ou menos encapotados, desta ou daquela capela.


Como avaliar o mérito dos contributos desses prosélitos? A notabilidade intelectual, a qualidade literária, a coerência e a continuidade das ideias?


Nos velhos tempos do PREC, a certa altura o Diário de Notícias passou a ser controlado pelo partido comunista. Lembro-me que não veio daí mal ao mundo. É que, graças ao putsch comunista, aquele “venerável” jornal, que até então apenas se tinha notabilizado por ser uma instituição sempre obediente aos poderes estabelecidos, ganhou o seu momento áureo na história do jornalismo em Portugal. Os editoriais do dito jornal passaram a ser escritos por um tipo pouco conhecido chamado José Saramago.


Saramago não era um intelectual propriamente dito no tal mercado dos intelectuais. Era um assalariado, ia escrevendo onde o deixavam escrever, era um trabalhador da palavra. Era comunista, mas não era pago por isso, ganhava para comer, trabalhando com as palavras. Era um génio da palavra escrita e o DN nem sequer se deu conta do quanto isso era extraordinário.


As palavras podem ser armas, armas de destruição maciça, ou armas de justiça, vá-se lá saber.


Um cavalheiro que já foi director do Público e que por lá continua a escrever, é um desses intelectuais que, no nosso mercado mediático onde se manipulam as palavras, consegue, pelo menos ter como mérito o da coerência. Quando era mais jovem, o distinto comentador acreditava no Mao-Tsé-Tung. Hoje, passados anos e caminhando a história para o seu fim, mantém-se na mesma linha e está pronto para defender por todos os meios o capitalismo, de Estado ou qualquer outro. Continuidade e coerência nas ideias, não o podemos censurar.


No jornal onde escreve, deixou-nos hoje a pérola literária que se transcreve a seguir. “Os que querem manifestar-se contra tudo o que o capitalismo fez de mal ao mundo livre devem lembrar-se que, sem capitalismo, não haveria mundo livre. E que sempre que se quis acabar com o capitalismo também se acabou com a liberdade.”
Examinemos, na sua respectiva ordem, as palavras que inspiram a sua diatribe contra aqueles que designa de “indignados” e outros “ocupas”: capitalismo, mundo livre, liberdade.


Caro senhor, o que é que tem o cu a ver com as calças?


O capitalismo não é um deus do Olimpo, inacessível, sentado no seu trono e imune às tempestades que sopram. Como todas as criações humanas, o capitalismo tem os dias contados. Assusta-o, caro senhor comentador, a ideia de poder acordar um belo dia e descobrir que esse extraordinário mamute multi-secular e multi-poderoso que tanto admira, de repente, se desfez nas tormentas das guerras sociais provocadas pela voracidade suicidária da ganância sem limites dos tenores capitalistas?


O capitalismo tem uma história conhecida, sobre isso não subsistem grandes mistérios por desvendar. Começou por ser uma criação rebelde da legítima e humana ambição dos intelectuais, cientistas, filósofos, mercadores, banqueiros e industriais burgueses. Uma história extraordinária de séculos, mas uma história que não é de todo linear. Não existe capitalismo em sentido teológico, o tal de capitalismo é apenas uma sucessão histórica em que se têm conjugado altos ideais e extraordinários progressos materiais e sociais com crimes hediondos, crimes sociais e crimes de extermínio contra os seres humanos.


Hoje, chegámos provavelmente a um desses extremos, em que uma grande parte da humanidade está ameaçada de perder, no mínimo, a última parcela da sua dignidade.
Situação limite, em que os que conseguem ainda ter um emprego ou os que o perderam de vez têm que expiar os crimes das dívidas soberanas devidas pelos tenores do tal de capitalismo.


O capitalismo é a história das crianças que trabalhavam como escravos nas minas inglesas e em muitas outras, é a história da Krupp e da BMW que construíram a poderosa indústria alemã, que agora manda na Europa, graças ao trabalho dos escravos recrutados pelo império nazi.


Relembremos, na nossa memória, que o capitalismo é a miséria da exploração da mão-de-obra barata, tal como sempre a conhecemos em Portugal. O capitalismo são as empresas de construção civil que se alimentam dos negócios com o Estado, das parcerias público-privadas, da corrupção generalizada, das grandes obras públicas, dos hospitais empresa, das auto-estradas, das scuts, dos contentores do porto de Lisboa, dos túneis e das marinas da Madeira.


O capitalismo em Portugal teve alguns capitães de indústria, Alfredo da Silva é o melhor exemplo, mas nunca teve um capitalista que defendesse a liberdade. Não teve, não tem e não terá. Capitalismo igual a liberdade? Claro, liberdade para explorar o trabalho de quem precisa de trabalhar, sobre isso estamos de acordo.


As oligarquias dos interesses dominantes dominam e controlam os partidos e os governos, dominam a imprensa e a televisão.


Vivemos em democracia e, assim sendo, teoricamente deveríamos ter direito à liberdade de expressão e de imprensa. Fantasia patética, só acredita nisso quem quer, só acredita quem não está para se chatear.


Não fiquemos, então, sentados no sofá a admirar todo esse teatro, o Passos Coelho com o seu orçamento de estado, os economistas a comentarem que sim senhor, a austeridade inevitável e a salvação nacional, a Grécia, a Merkel, o Sarkozy e o G-20.


Admirável mundo novo, chamado mundo livre pelos irredutíveis prosélitos da religião do deus capitalismo.


Ora, o capitalismo há muito tempo que não tem nada a ver nem com liberdade, nem com prosperidade, nem com justiça, nem com direitos.


Somos todos gregos, indignemo-nos contra as indignidades do capitalismo e dos seus mandatários, ocupemos as ruas amanhã e todos os dias depois de amanhã!


Venham para a rua, acordem, passem palavra!

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