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sexta-feira, 15 de julho de 2011

PRIVATIZAÇÕES, IMPOSTOS E LIBERALISMO


A notícia do dia de hoje, 14 juillet, dia da tomada da Bastilha, foi a conferência de imprensa do novo ministro das finanças.

Devo admitir que, no seu papel de ministro plenipotenciário mandatado pela troika, o homem esteve bem. Diria mais, comparado com os seus antecessores e o que nos resta da memória de todos eles, este novo ministro faz parecer esses esquecidos personagens como uma espécie de merceeiros no fazer as contas e no raciocinar, sem desprimor para os ditos merceeiros, gente laboriosa e muito útil.


O ministro inaugurou um novo estilo, é pausado, pesa bem as palavras, é arguto, é prudente, transmite confiança e seriedade. Para ministro das finanças neo-liberal dum país à beira da bancarrota, what else?


Mas, não fiquemos pelo estilo e perguntemos onde é que está a coerência política entre este ministro e o seu discurso neo-liberal?


Nos USA há neste momento uma guerra política que opõe duas Américas, a democrata ou de esquerda e a republicana ou de direita.


Esta guerra faz-me pensar numa outra que também opôs republicanos e democratas americanos, foi na grande depressão do final dos anos 20, princípio dos anos 30.


Houve o crash de Wall Street, houve os quilómetros de pessoas na fila por um prato de sopa, foi a grande depressão. O presidente republicano Hoover, em nome da ortodoxia liberal fundadora dos USA recusou-se a intervir, ao Estado o que é do Estado, aos privados a livre iniciativa e os mercados. E o país afundou-se.


Veio felizmente o democrata Roosevelt com o New Deal, um ambicioso programa político de intervenção social e económico que salvou a América da recessão. A América e não só, porque já nessa altura, as recessões num país rico podiam provocar recessões em cadeia.


Quando agora vejo o Obama na televisão rodeado pelos chacais republicanos neo-liberais que apenas juram pela livre iniciativa, pelos mercados e contra os impostos não penso apenas nas consequências que essa guerra poderá ter em relação às economias fora da América e principalmente as dos países mais vulneráveis, entre os quais está Portugal.


Penso no Herbert Hoover e nas responsabilidades que o fundamentalismo liberal teve na grande recessão de há oitenta anos. Penso também nas contradições do neo-liberal Vítor Gaspar e do governo do qual é a peça-chave.


O homem é um adversário de respeito e quem não reconhecer isso arrisca-se a muito más surpresas.


É forte e isso ficou à vista na conferência de imprensa. Que eu saiba, nenhum jornalista o colocou perante a contradição básica, e no entanto ela salta aos olhos, a contradição inerente à sua prática de ministro cujo pensamento é neo-liberal.


Um verdadeiro político neo-liberal, estou a falar de alguém que seja coerente com as suas convicções ideológicas, - sublinho a palavra ideologias, porque entendo que, tal como o comunismo, o neo-liberalismo é uma ideologia – dizia eu, para estar de acordo com a ideologia, o ministro Vítor Gaspar não devia aumentar impostos. Pelo contrário, impunha-se que tratasse, na primeira ocasião, de os baixar. Chamo a isso coerência política, coisa cada vez mais rara e fora de moda.


Ora, ninguém confrontou o sr. Ministro com o desvio entre a sua ideologia e a sua prática governativa.


E a ocasião estava ali à mão. Sobre o que é que o ministro discorreu na dita conferência? Sobre duas coisas.


Sobre um novo imposto que atinge os assalariados, os reformados e os precários, ou seja o essencial das forças produtivas ou que já o foram.


É o imposto do pai natal, e a injustiça e a desonestidade dum tal imposto são óbvias. Um governo que, antes de o ser, sempre disse que não aumentaria os impostos e a primeira coisa que decidiu foi punir, castigar desalmadamente quem trabalha e vive com mais de 500 euros. Um governo que, na sua fúria castigadora, poupou o lote dos privilegiados que se entretêm livremente a acumular fortuna.


Falou também das privatizações.


O corte no subsídio do natal vai ser aplicado apenas em 2011, é o que o governo promete, mas os governos falam, falam e depois, enfim, quem é que pode acreditar piamente, confiadamente nas suas palavras?


Mas, sobre as privatizações, parece não haver grandes dúvidas, eles vão privatizar rápido e em força, foi o que o Salazar fez quando mobilizou as tropas para as guerras coloniais no início dos anos 60.


A questão das privatizações é uma história muito mais séria do que o imposto do pai natal.


Basta olhar para a lista das empresas a privatizar, para perceber a gravidade do que se vai passar.
À vista desarmada, descobre-se que a lista foi pensada como uma espécie de apelo ao saque, estou a falar de saque de piratas.


São oferecidas, aos futuros piratas, empresas que são as últimas “jóias da coroa” teoricamente vocacionadas para assegurar serviços públicos. Empresas, cuja importância crucial não deriva apenas do facto de estarem ao serviço dos cidadãos em geral. Elas são elementos essenciais da independência nacional.


Não gostam da expressão, eu faço questão, é que não há liberdade sem independência nacional.


Sei que já nos resta pouco dessa independência, mas agora, no espaço de poucos meses ou semanas, não conheço o calendário, sei que esse pessoal do governo com o ministro das finanças à frente estão todos com muita pressa, eles vão fazer passar para as mãos do capital privado, estrangeiro ou não – essa distinção não interessa muito, porque nós já sabemos de que casa gasta o capital dito nacional - , a ANA dos aeroportos, a TAP, a Galp, a EDP, as Águas de Portugal, a REN, os CTT, a CP Carga e o ramo segurador da CGD.


Resumindo e concluindo, o Governo, de que o doutor Vítor Gaspar é ministro das finanças, vai pôr a leilão e vender pelo preço da uva mijona as empresas estratégicas nacionais que nos restam. Estratégicas, sim. Haverá coisas mais estratégicas do que a água, a energia, o ar e os transportes e comunicações?


Mas o aspecto estratégico não é o critério decisivo do negócio.


Se essas empresas fossem deficitárias, se dessem prejuízo, o governo, por mais neo-liberal que seja, nunca as poria à venda. Só vai privatizar as que vão dar lucro aos privados, é a velha história de amor entre governantes e capitalistas. Esse amor eterno, esse sim, é o critério decisivo, o critério digno da ideologia neo-liberal.


Estes senhores que agora mandam em nós são coerentes na oferta de chorudos negócios a preço de saldo, oferecidos ao capital internacional, mas não são neo-liberais quando se trata de impostos. Privatizam por um lado, aumentam impostos por outro, ninguém é perfeito.


Parêntessis: esta frase faz-me pensar no filme de Billy Wilder Someone like it hot (1959).


Escapa-me, porém, por que é que o governo Passos Coelho insiste em privatizar a RTP. É que a RTP não dá lucro.


Aliás, os patrões das televisões privadas não estão nada contentes e percebe-se porquê.


Um novo canal privado só vai aumentar a concorrência.


Ora, os capitalistas da nossa praça, que passam a vida a mandar vir contra o Estado, mas que não podem passar sem ele, que dependem das chamadas parcerias público-privadas e de outros negócios mafiosos, esses capitalistas, que não vão pagar o imposto do pai natal, entram em pânico quando aparece um novo concorrente no mercado e, então, desatam aos berros.


Não é verdade, Dr. Balsemão, que vai começar a berrar contra o governo do partido de que é o distinto fundador nº1?


Para chatear esses nossos tremendos e nefastos capitalistas, privatizem então a RTP.


E já agora, privatizem também a Carris, os Metros de Lisboa e do Porto, a Refer. Privatizem a CP toda e não apenas a CP carga que é a única que dá lucro.


Não são coerentes no que toca aos impostos, ao menos, sejam coerentes em relação às privatizações. Vá lá, livrem-nos de tudo o que o nos dá despesa e prejuízo, livrem-nos do que não é rentável.



O povo que paga impostos, a legião dos que ganham quinhentos euros ou pouco mais, ou ainda menos, o povo dos falsos recibos verdes, o povo dos desempregados, o povo que paga tudo, o povo que tem as costas largas provavelmente humildemente agradecerá.


Um povo de brandos costumes agradece tudo.





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