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quinta-feira, 9 de junho de 2011

PARE, ESCUTE, OLHE À ESQUERDA, OLHE À DIREITA: ONDE ESTÃ OS RESPONSÁVEIS?

A queda do PS em 5 de Junho não é um facto fortuito. Vai deixar muito pessoal político no desemprego, mas o mais importante não é isso. O que importa é compreender o seu significado.


Tentemos então perspectivar e contextualizar no respectivo espaço geo-estratégico e político tudo o que aconteceu nesse bloody Sunday.


A derrota do PS, que era obviamente inevitável, é um dos últimos actos dignos de registo na história da chamada social-democracia europeia ao cabo destes últimos 40 anos. O próximo e último acto desta história já está anunciado, com o inevitável adeus do PSOE espanhol.


Entretanto, vão passar muitos anos até que se volte a falar, por razões sérias, desta gente.


A social-democracia europeia teve alguns méritos na história política do século XX, isso é indubitável. Principalmente, os suecos.


Mas, vale a pena fazer o balanço dos méritos do que esses partidos fizeram até ao fim da década de 1960? Vale a pena fazer nesta altura o balanço da história da outra “esquerda” a soviética? O que é que isso adiantaria?


Recordemos, no entanto, foi o partido social-democrata alemão, que era o partido de Marx, de Engels, de Kautsky, de Bernstein, de Liebknecht e de Rosa, Luxemburgo, foi este partido que fez a cama, se assim se pode dizer, dos nazis para acabarem com a república de Weimar dos ditos social-democratas. E, depois disso, como se sabe, começou a tragédia da barbárie das barbáries.


O presidente social-democrata Ebert, chanceler alemão tanto quanto me lembro durante bastante tempo nessa época, não esteve no golpe de Munich nem no que aconteceu depois. Mas foi ele que esteve à frente da Alemanha em momentos decisivos.


Abreviemos, do que se trata é assinalar o fim do ciclo que termina com a queda do PS português, ciclo que se iniciou no princípio dos anos 1970, ciclo durante o qual a esquerda social-democrata europeia fez o trabalho sujo do neo-liberalismo.


Esses partidos fizeram-se eleger com programas ditos social-democratas, de esquerda, foram para o poder e depois governaram como neo-liberais, obviamente de direita. Essa obediência da esquerda social-democrata ao capitalismo selvagem aconteceu impunemente durante 40 anos, e os povos europeus foram calmamente votando nessa gente.


Tudo isso acabou agora, questo ciclo è finito. E acabou, porquê? C’est très simples. O neo-liberalismo já conseguiu alcançar todos os seus objectivos, triunfou em toda a linha, impôs os PECS, o monetarismo, a austeridade, a supremacia dos bancos, o poder discricionário das agências de rating.


As agências de rating agora mandam nos governos eleitos pelos povos, querem melhor do que isto? Os neo-liberais mais fundamentalistas nunca terão, nas suas mais ousadas fantasias, imaginado um resultado tão extraordinário!


Consumada a vitória, para os neo-liberais, os social-democratas tornaram-se descartáveis, foram varridos. Que vão procurar emprego, arranjem outros patrões. Terminou o ciclo dos preciosos préstimos da social-democracia, o neo-liberalismo chegou ao seu apogeu e os resultados de tudo isto estão à vista.


Attention, não estamos numa telenovela. Fazemos este aviso, chamamos a vossa atenção, as cenas seguintes são difíceis, a realidade nua e crua pode perturbar seriamente as pessoas mais sensíveis.


O braço armado triunfante do neo-liberalismo europeu chama-se troika, vimo-lo na televisão. As suas vítimas, que, resumindo, somos nós mesmos e os gregos, foram condenadas a um ghetto de total e absoluto retrocesso social.


Estes vencedores neo-liberais de hoje têm muitos antepassados e conseguiram ir muito para além daquilo que eram os objectivos mais ousados dos liberais mais radicais do século XIX.


Conseguiram impor em toda a linha, e nós portugueses vamos ser eloquentes testemunhas dessa vitória, a ideologia da absoluta eficácia e hegemonia do mercado e do carácter “natural” e absolutamente inquestionável das leis económicas liberais.


Impuseram a ideologia que condena a interferência do Estado seja no que for, impuseram a ideologia do sagrado princípio segundo o qual a liberdade económica é o fundamento primeiro e último de qualquer liberdade política.


O triunfo do neo-liberalismo pode resumir-se na hegemonia absoluta do economismo sobre tudo o que são relações sociais, sindicais, culturais, religiosas, nacionais ou outras. Hegemonia absoluta da economia capitalista cujas prioridades mais prioritárias são o lucro e o dinheiro.


Supremacia definitiva do economismo que, apoiado na força da sua superior, implícita e óbvia racionalidade, regulará, para além, da economia e das finanças, quaisquer outros comportamentos humanos, sejam eles políticos, jurídicos, sexuais, ou familiares, ou psicológicos. Vá-se lá saber quais os limites dessa omnisciência.


Pairando sobre as nossas cabeças, vigia-nos agora e manda nas nossas vidas uma espécie de anarco-capitalismo que apenas jura pela iniciativa privada e que questiona a legitimidade da simples existência do Estado.


Os próximos passos deste bando desenfreado na sua esquizofrenia adivinham-se facilmente: privatizar a segurança social, a justiça, o exército, a polícia, a marinha e quaisquer serviços públicos, principalmente os que dêem não apenas poder mas também lucro, proibir a administração e os bancos públicos. O Estado deverá desaparecer, alguém se há-se ocupar dos pobrezinhos, dos órfãos, das viúvas, dos estropiados e dos sem-abrigo.


É um triunfo sem falsos pudores nem falsas modéstias este triunfo do capitalismo cujo objectivo implícito é destruir a humanidade.


Alguns escreveram sobre essa vertigem suicidária do capitalismo. Deixemos essa questão para outra altura.


As forças vitoriosas do pior capitalismo possível chegaram às nossas portas, às portas da nossa desgraça. Mas chegaram aqui com a cumplicidade activa das esquerdas europeias social-democratas, e também com a cumplicidade passiva de algumas das outras.


Apetece-me lembrar aquilo que alguém escreveu há volta de 2400 anos.


Na Ética a Nicómaco, Aristóles distinguiu entre economia e cremastística. Para o filósofo grego, a cremastística “natural”era a arte de enriquecer e ela era aceitável apenas se estivesse ao serviço da comunidade, porque servia a sua sobrevivência. E esse devia ser o objectivo da economia, o bem da comunidade.


Mas a cremastística propriamente dita, ou “comercial”, era radicalmente diferente porque o seu objectivo não era o de produzir bens úteis, era apenas o de acumular dinheiro. E Aristóteles considerava que esta era uma actividade anti-natural.


É que, tal como Platão, ele condenava a ambição do lucro pelo lucro e a obsessão em juntar e acumular riqueza. No seu pensamento, a economia devia ser posta ao serviço da comunidade, devia servir para produzir bens úteis. Ora, a cremastística « comercial » substituía os bens pelo dinheiro, privilegiava a obsessão do lucro. Servia apenas o objectivo de criar dinheiro a partir do dinheiro.


O dinheiro, a usura e os agiotas criam mais dinheiro a partir do dinheiro. Criam mais dinheiro a partir do dinheiro que roubam aos nossos salários, a partir do dinheiro que roubam aos impostos que pagamos, a partir do dinheiro que nos falta e nos condena à miséria.


É nessa fase que estamos agora, estamos na fase em que são as bolsas e as agências de rating que têm o privilégio de “criar” riqueza.


Já não estamos na fase do esquema de Marx (D – M – D’), dinheiro que cria mercadoria, que, por sua vez, cria mais dinheiro. A fórmula ficou mais simples: (D – D’), ou seja, dinheiro que cria mais dinheiro, mais dinheiro para os especuladores e os conspiradores, mais pobreza, sacrifícios e miséria para os excluídos do circuito dos privilegiados da fórmula capitalista.


É esse o capitalismo que temos agora, foi-nos legado com os cumprimentos de muita gente de esquerda.


E, agora?


Estamos ao dispor da troika, dominados pelo neo-liberalismo, ao serviço da união europeia pan-neo-liberal, estamos sob a alçada dos bancos cremastísticos que nos impõem o seu poder, a sua ditadura, somos seus escravos.


Alternativas?


Segundo a opinião dum jovem euro-deputado do Bloco de Esquerda, que li hoje no Público, “Portugal não tem partidos de esquerda. A gente olha para eles e é forçoso reconhecer: nem um único”.


Vai o senhor deputado de Bruxelas seguir o exemplo do seu patrão Francisco Louçã ou vai-se demitir?


Ouvi também na televisão um candidato ao lugar do Sócrates no PS falar sobre um novo ciclo.


Da parte desta distinta gente de esquerda, este género de conversa era impensável há 3 dias. The times they are changing!


As esquerdas, como as direitas, sempre cultivaram a mentira e a conveniência dos discursos mais convenientes. Preguiça mental, arrogância, falta de respeito pela verdade e desprezo pelo povo, eis os atributos da esquerda, constantes e invariáveis ao longo do tempo, da esquerda qualquer que ela seja, social-democrata, soviética, arqueológica, moderna, ou de confiança, j’en passe.


Caminhando por todos esses tremendos caminhos, chegámos a este ponto da história, mimeticamente obedecendo às convenções estipuladas pelas esquerdas e pelas direitas.


Não vejo muito bem como é que o futuro deste país abismado na cratera e nos destroços duma história importada, à qual apenas pertence episodicamente, não vejo muito bem como é que esse futuro vai, se realmente futuro houver, conseguir ultrapassar todas essas tretas.


Vamos ter que repensar e inventar muita coisa. Comecemos pelo regime político e pela justiça.


Meditemos sobre o exemplo da Islândia, o primeiro país do mundo que decidiu levar a julgamento um primeiro ministro pelas suas responsabilidades na falência do país.


Comecemos pelo princípio das causas de todas estas desgraças. Do passado façamos tábua rasa.


Sous les pavés, la plage. Escavemos, alguma coisa havemos de encontrar.



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