PEDALAR É PRECISO!

sábado, 18 de junho de 2011

NOVO GOVERNO, VIDA NOVA?



Pensei numa espécie de comentário telegráfico sobre o novo governo, mas estendi-me. Não sei se isso é bom ou mau sinal.


Primeiro ponto a considerar, a situação intra-europeia é o que é, a Grécia cada vez mais empurrada para fora do euro. A Merkel convenceu o Sarkosy que não havia nada a fazer e, assim sendo, a Grécia está cada vez mais próxima do seu velho rival e inimigo, a Turquia Otomânica.
Não se tratou propriamente de convencer, a Merkel simplesmente disse ao Sarkosy, é fácil de adivinhar, se não concordares, vocês entram também na lista dos próximos a excluir do euro. Para além da França, quais são, depois da Grécia, os candidatos mais prováveis da lista dos países ex-euro? Óbvio, Portugal e a Espanha, antigas potências coloniais ibéricas e católicas.
Por mais Berlusconis que tenha, a Itália está naturalmente excluída da lista. A razão salta à vista: o início daquilo que é agora a união europeia começou com o tratado fundador de Roma. Logicamente, a exclusão italiana teria um efeito simbólico devastador. Valha, pois, aos italianos Roma e o seu tratado.


Por exclusão de partes, do sul da Europa, entram na lista a Grécia, Portugal e a Espanha. Não há volta a dar. Este é o retrato europeu pendurado no salão de Bruxelas no dia em que foi anunciado o novo governo de Portugal.


Não vou falar sobre o Passos Coelho, ocasiões não vão faltar. Assinalo apenas que o primeiro-ministro indigitado parece ter cometido a proeza de conseguir, num contexto de perda de soberania, de intervenção estrangeira e de pré-falência, convencer em poucos dias quatro não-políticos, que apresentou como independentes, a entrarem para o governo.


O facto de ele ter feito essa escolha vejo-a como muito sintomática da marca de origem deste governo. Dupla marca de origem: O PSD é um partido pobre em pessoal político altamente qualificado, o PSD é um partido pobre em políticos corajosos e disponíveis para dar a cara neste momento dramático que vive o país.


Não é por puro acaso que as missões mais arriscadas e difíceis tenham aterrado exactamente no regaço dos tais ministros ditos independentes. Com uma agravante: dois deles vão ter a responsabilidade das pastas mais odiosas.


Nas finanças, sabe-se que o programa já está traçado, é o programa da troika, resume-se facilmente, cortar nos salários, aumentar os impostos, cortar nas despesas dos mais fracos, privatizar por meia dúzia de tostões.
Como o programa é para cumprir, foi-se buscar alguém que tem andado lá pelos bastidores de Bruxelas e de Frankfurt. O novo ministro das finanças vai ter um tremendo handicap, vai ser identificado como o homem do triângulo Bruxelas-Washington-Frankfurt. Estarei a ser injusto? Admito que sim, oxalá, seria bom sinal.


No super-ministério da economia e de mais não sei quantas coisas, incluindo comunicações e emprego, vamos ter um economista que é professor numa universidade de Vancouver, não o conheço, não sei nada sobre como é que ele foi parar ao Canadá. Deve ter sido por boas razões, em todo o caso, viajar é sempre muito educativo, pode ser que o homem tenha ideias arejadas e ousadas, oxalá.


Há depois um outro independente também com uma missão mais do que difícil, cabe-lhe o ministério da Saúde.
É pessoa conhecida, não apenas porque foi contratado há alguns anos para director-geral dos impostos com um salário quase milionário, o que provocou uma polémica um bocado histérica. Mas, como conseguiu aumentar a cobrança dos ditos impostos e pôr os serviços a funcionar com elevados níveis de eficácia, a história do salário passou para segundo plano. É bom, é pedagógico que se aprenda a reconhecer, sem mesquinhas invejas, o mérito de cada um. Mudar as mentalidades do país, talvez fosse preciso para isso criar um ministério.
O novo ministro da Saúde vem da banca, o que pode não ser boa recomendação. Mas, não tenhamos preconceitos, o homem é muito competente, pôs o Estado a cobrar impostos a gente que nunca os pagava, por isso, imaginemos, agora, ele vai acabar com os desperdícios no Serviço Nacional de Saúde e defender um serviço público de qualidade para todos quantos dele precisam.
A questão é que não são tarefas comparáveis. Nos Impostos, havia, dum lado, os funcionários à caça de mais cobranças, funcionários caçadores que ele conseguiu motivar. Mérito seu, indiscutível. E do outro lado, do lado oposto? Não havia ninguém, havia apenas embora não tão poucos como isso, os refractários ao pagamento das suas obrigações, que se escondiam e faziam tudo por passar despercebidos. Quando eram apanhados, o que é que podiam fazer? Os mais espertos e mais ricos podiam remeter-se à justiça, que é aquela coisa que a gente conhece ou, então, pagar. A maior parte pagava.
Agora, na saúde, a cena é muito diferente. Vamos ter um exército de funcionários administrativos coligados com outros funcionários médicos, enfermeiros, auxiliares, sindicatos and so on, muitos dos quais, embora afirmem o contrário, não estarão particularmente interessados em dignificar e melhorar o serviço público de saúde.
Para o novo ministro, vai ser um jogo muito complicado, conseguir combater todas as fontes de desperdício sem ao mesmo tempo fazer regredir a qualidade dos serviços e os direitos das pessoas à saúde. Conseguir essa proeza não vai passar apenas por simples medidas de poupança nisto e mais naquilo, por cortes.
A questão decisiva que se coloca ao novo ministro está à vista. Será que um homem da banca e da gestão de empresas vai ser capaz de atingir os seus objectivos macro-financeiros de cortes na despesa e, ao mesmo tempo, ter presentes no seu espírito de responsável político que decide sobre a vida de milhares de pessoas, os rostos entre a multidão de gente vulnerável cuja vida depende do hospital, do centro de saúde, do médico de família?
Outra questão, será que esse mesmo bancário e gestor agora ministro vai ter o poder de motivar e obrigar os agentes da saúde pública a cumprirem todas as suas obrigações e compromissos deontológicos? Será que vai proteger a saúde pública contra os apetites dos bancos pela privatização da dita saúde? Será que na defesa da saúde pública que lhe compete, o novo ministro será capaz de moralizar o exercício das profissões da saúde e excluir ou punir todos quantos, médicos ou enfermeiros ou outros que se limitam a servir-se da sua função apenas para ganhar uns cobres?


Ao novo ministro da Educação, quarto independente desta lista, foi também atribuído o ensino superior e a ciência. É curioso que aquilo que o PSD do Durão Barroso fez, quando separou o ensino superior do ministério da educação, volte agora atrás com outro primeiro-ministro do PSD. Ensino superior e ciência voltam ao panteão da 5 de Outubro. Funestos presságios.
Parece que este Ministro independente é independente e muito crítico em relação à longa e escabrosa história do ministério sediado nesse panteão. Ministério que, além de ser o maior elefante branco da administração pública portuguesa, se especializou desde 1974 na realização de múltiplas experiências laboratoriais dignas dum romance de ficção científica, cujo principal resultado, que está à vista de todos quantos queiram olhar e ver, foi a destruição do nosso sistema de ensino.
Fico à espera do resultado desta eventual luta entre David e Golias.


O telegrama já vai longo.


O CDS tem três ministros.


Não consigo compreender a obsessão do Paulo Portas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Terá na sua mente uma nova doutrina sobre as prioridades exteriores de Portugal, como, por exemplo, estará na sua ideia deslocar essas prioridades e alianças para África, América Latina e Ásia em detrimento do eixo Berlim-Bruxelas? Ou será que, muito simplesmente, alimenta a ilusão de que lhe basta chegar a Bruxelas e dar um murro na mesa? Será que o novo ministro das “Relações Exteriores” vai retomar a tradição euro-céptica do seu antigo companheiro e cúmplice político Manuel Monteiro. Pode haver surpresas, nunca se sabe.


O novo ministro da Segurança Social, confesso não tenho opinião, anda de lambretta, o que é simpático, vi isso no outro dia na televisão, é o ministro mais jovem, o que também pode jogar a seu favor, se bem que isso da idade biológica nunca poderá servir como critério. William Pitt, tanto quanto me lembro foi primeiro-ministro da Inglaterra aos 25 anos, o que é um precedente de bom augúrio.


Assunção Cristas tem praticamente a mesma idade do seu colega de partido e de governo. Vai ter a seu cargo aquele que é provavelmente o ministério cujo potencial é mais elevado. Parece um enorme disparate dizer isto, mas não é.
Dois terços do território de Portugal estão a morrer, os jovens foram-se embora, os mais velhos vão cultivando o seu pedacinho de terra no meio de aldeias abandonadas, até ao fatal dia.
Esta triste história já começou há praticamente cinquenta anos com a emigração e o êxodo rural. Mas o coup de grâce foi dado pela CEE. Pagou-se aos agricultores para deixarem de cultivar, pagou-se aos armadores de barcos de pesca para abaterem as suas embarcações. Destruiu-se o sector primário da nossa economia. Primário quer dizer neste caso uma coisa essencial, quer dizer que na vida dum país o mais importante, a tarefa mais primária é a capacidade para produzir alimentos. O Malthus explicou isso muito bem, sem alimentos, nenhuma população pode subsistir.
Qual a missão da nova ministra deste novo ministério? Enorme e complicada, mas excitante.
Não se trata apenas de contribuir para reanimar a agricultura, o mar e as pescas, modernizar esses sectores e atrair os jovens para essas profissões.
Tudo isso vai ter que ser feito com uma ambição muito mais ambiciosa: a de reorganizar o território, combatendo a desertificação e as assimetrias regionais. Poder-se-ia chamar a este ministério o ministério da Equidade Territorial. Elevado potencial, indiscutível, assim Deus nos ajude.


Assunção Cristas é uma estrela ascendente da política portuguesa e não apenas do CDS, pertence a uma nova geração que não tem nada a ver com a brigada do reumático. Situa-se politicamente numa nova direita informada e aberta à sociedade.


Novo governo, vida nova? On verra bien.


Ao ponto a que chegámos, Portugal depende muito de quem governa, depende muito da qualidade de quem ocupa os lugares-chave. Infelizmente, no momento presente, as alternativas são escassas.
Temos um novo governo, temos novas caras, para trás ficou o pesadelo Sócrates.
Esperemos que a cura de oposição do PS seja bem sucedida e que, assim, esse velho partido se torne útil ao país.
Que venha uma nova classe política, que venham novos personagens políticos, gente séria, competente e dedicada ao serviço público. Mas, nada está garantido. Uma longa provação nos espera.


1 comentário:

Anónimo disse...

´
O post revela alguma expectativa positiva quanto a este novo governo.
No meu entender, o pesadelo vai continuar com outros protagonistas e nada mais.
jose antonio