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segunda-feira, 6 de junho de 2011

ELEIÇÕES, PERDEU O BLOCO, PERDERAM AS SONDAGENS


Como previsto, tivemos as eleições.


A noite eleitoral, confesso, não trouxe nem grandes surpresas nem momentos particularmente cinematográficos. Foi tudo muito cinzento, muito frouxo, muito para desligar o aparelho e ler um livro.


Parêntessis sobre esta noite desinteressante, neste momento, estou a ler um livro que recomendo vivamente, Sakalina de Tchecov. É sobre uma viagem a uma ilha de deportados no antigo império russo, com o Japão do outro lado, no Pacífico. Não conhecia o livro, mas já sabia do amor de Tchecov pelas viagens, releio regularmente a sua obra-prima, a Estepe.


Retomemos o pós-eleições, esse fiasco do grande frisson que nos tinha sido prometido.


Nessa noite para esquecer houve um momento único, sejamos objectivos, um momento muito particular, foi o adeus do Sócrates.


Antes desse adeus acontecer fui recapitulando mentalmente, há vários anos que imaginava ansiosamente as circunstâncias em que esse tipo que nos arrasou a vida durante estes mais de seis anos apareceria na televisão a anunciar que se ia embora.


Ansiei tanto por esse momento, finalmente ele aconteceu, foi ontem às 9 e meia da noite.


Não se trata propriamente duma decepção, mas as coisas não aconteceram exactamente como eu tinha imaginado. O Sócrates, engenheiro ou não, é um actor, deve ter ensaiado imenso, trazia a lição bem estudada, o homem tem muitos talentos e conseguiu celebrar em grande estilo a cena do seu adeus até ao meu regresso. Je tire ma révérence, tiro o panamá, the show must go on, o homem anunciou o seu interregno pessoal, saiu com o seu odioso sorriso, preparem-se para daqui a cinco anos. Alguém com muito menos talento do que ele conseguiu voltar e agora lá está sentado no seu trono. Cenas da vida republicana.


Em qualquer eleição há sempre aquela questão de se avaliar quem perdeu e quem ganhou. É uma espécie de reflexo condicionado futebolístico.


Quem ganhou, parece-me óbvio, ganhou o Passos Coelho, ganhou o Portas e ganharam todos aqueles que por detrás deles esfregam as mãos de contentes.


Vai haver mudança de boys, de figurantes, mas por detrás os patrões vão continuar a ser os de sempre. Há os vencedores da noite à vista de toda a gente e há os vencedores escondidos.


Mas a questão mais interessante é tentar perceber quem é que perdeu. Mas não é fácil fazer para já um balanço.


Esse balanço vai ter que ser feito ao longo dos próximos tempos. O que é que vai acontecer à Caixa Geral de Depósitos, quanto tempo é que vai ser preciso para chegarmos ao milhão de desempregados, o que é vai acontecer com a cultura, com a educação, com a ciência, com os transportes públicos, com a água, com a electricidade, com a segurança social, com a agricultura, com o interior, com a natalidade, com as pescas, com a indústria…


Em primeiro lugar, sejamos mais uma vez objectivos, quem mais perdeu no imediato do acto pré e pós eleitoral foram as empresas de sondagens e toda a parafernália mediática que nos chagou durante, pelo menos duas semanas, os ouvidos e os olhos com sondagens diárias.


Essa gente perdeu, os seus cálculos estavam errados e depois tiveram o descaramento de vir dizer que tinham acertado em cheio. Alimentaram o folhetim o PSD ora descola ora não descola, tudo isso era certamente manipulado por alguém com os seus cálculos políticos.


No final, o PSD ganhou com mais de 10% dos votos sobre o PS. Falhanço total e sem desculpa.


Quem é que assume a responsabilidade desses erros? Serão as empresas de sondagens empresas honestas? Faut pas rigoler, já estamos habituados a essa história, o destino normal e sem recurso das sondagens pré-eleitorais deve ser: para o caixote do lixo, já! Aumentará o desemprego nessa importantíssima actividade económica? Paciência, que se inventem outras actividades socialmente mais úteis.


Segundo perdedor e aqui entramos no ranking dos protagonistas.


Segundo perdedor indiscutível, o Bloco de Esquerda e Francisco Louçã.


Concedo e já o escrevi aqui, Louçã esteve bem nos debates e naquilo que me pareceu ser a sua campanha eleitoral.


Mas o seu problema e o do Bloco não está aí, ele começou muito antes, ou seja, começou quando o Louçã decidiu apoiar o Alegre, logo no dia seguinte, quando aquele putativo candidato à presidência da república se declarou disponível para se apresentar às eleições.


O erro original começou aí nessa aliança espatafúrdia e contre nature entre o BE e o putativo e óbvio apoiante daquilo que seria a alegre candidatura. Ou seja, a aliança entre o Louçã e um tipo chamado José Sócrates. Uma espécie de aliança imaginária entre George Bush júnior e Sadham Hussein.


O Pinheiro de Azevedo no auge do PREC de 1975 gritava numa das janelas que dão para o Terreiro do Paço, gritava que o povo é sereno.
O BE aprendeu a gritar baixinho para si próprio, o povo é estúpido, o povo de esquerda é obediente e organizado, nós decidimos, eles obedecem.


É a tradicional e muito antiga arrogância das elites de esquerda que falam em nome do povo ignorante e dócil e que pretendem guiá-lo pelos meandros da história.


Tivemos o Alegre episódio e, a seguir veio, o episódio da falsa moção de censura. A lógica mental, arrogante e política subjacente é a mesma. Episódio que se diria ser protagonizado por adolescentes filhos de pais ricos que se entretêm com jogos em que gozam com os filhos dos pobres. Conheço bem esse tipo de jogos.


Os altos dirigentes do BE decidiram, pois, apresentar uma moção de censura, mas, atenção, veio-nos prevenir o grande líder parlamentar do BE, não é para deitar abaixo o governo, é para deitar abaixo toda a gente, nós é que somos os bons, sigam-nos.


O povo nestas eleições, afinal, não os seguiu e o tal líder, e o resultado está à vista, foi um dos oito deputados que o BE perdeu nestas eleições.


O culminar desta estratégia tem uma palavra: Terreiro do Paço. Estou a falar da estratégia bloquista alimentada no seu elitismo pelo desprezo pelo eleitor comum, ignorante e apenas preocupado em ganhar dinheiro e ter emprego para se sustentar e aos filhos. Tal estratégia foi assumida pelo BE à vista de toda a gente e com todo o desplante quando os grandes dirigentes da auto-designada esquerda de confiança se recusaram ir ao Terreiro do Paço falar com os altos funcionários empregados da troika.


O Terreiro do Paço é ali tão perto, mas esse grupo de políticos iluminados por misteriosas visões políticas, essa elite cujos desígnios nos escapam, não se deu ao trabalho de ir ao terreiro dizer àqueles senhores o seu pensamento, argumentar com eles, dizer-lhes, olhem, vocês são uns agiotas, estão aqui para nos roubar, para nos explorar, para tirar o pão da boca dos nossos filhos, fuck you e, depois, vinham cá para fora e contavam tudo isto às câmaras da televisão e aos jornalistas que estivessem lá para os ouvir.


Finalmente, perdedores em toda a linha o BE e o Louçã, porque, ò Louçã, num partido normal a obrigação da sua direcção quando esse partido perde metade dos seus deputados não será a de se demitir e convocar imediatamente um congressso ou coisa que o valha? O que é que fez o Sócrates? Diz-me lá, ao menos, pensaste nisso, pensaste na hipótese de te demitir? O que é que te distingue do Sócrates, és melhor do que ele? Não pensaste, está à vista. E isso não me surpreende.


É que o BE não é bem um partido político, será uma seita? Não sei. Em todo o caso, se é um partido, deve ser extra-terrestre, vem doutro planeta e não se rege pelas regras deste outro planeta onde nos movemos nós pobres mortais.


Tudo isto já vai longo.


Para concluir a questão sobre quem perdeu.


Obviamente, o PS perdeu, perdeu o poder, perdeu os empregos para os seus boys. Mas a sua derrota foi extraordinária. Ficou muito aquém do que manda o entendimento humano. Este partido dito socialista, na melhor das hipóteses, depois de todas as patifarias que pregou ao povo português, nunca deveria ter ficado acima do seu pior score, o de 1985 (se a minha memória não falha) do Almeida Santos. Abaixo dos 20%, sim seria a derrota normal, lógica, se é que há lógica na política.


A derrota do PS foi extraordinária, mas a ajuda do BE nesse facto tão extraordinário não me parece dispicienda.


O povo é sereno, a palavra cabe sempre ao povo, os tempos estão duros, Portugal é hoje a sombra dum país que existiu como tal apenas e sempre que lutou pelo seu destino. Isso aconteceu nos últimos dois séculos apenas em momentos fugazes.


Depois desta noite eleitoral, imagino Portugal no início do século XIX, há 200 anos. Estaremos em condições de resistir aos neo-invasores?


Talvez, talvez. Mas temos que inventar outro tipo de armas, cultura, transparência, justiça, educação, luta contra a corrupção, solidariedade, justiça social, responsabilidade, capitalismo sério, banqueiros que paguem impostos e que financiem gente capaz e ambiciosa, patrões sérios e responsáveis, democracia, políticos honestos, políticos competentes e cultos.


Armas que sejam eficazes contra os donos da união europeia e do euro que mandam em nós, contra a ditadura dos países que se estão a rir, que gozam à nossa custa neste momento. Pressinto que não há grandes razões para optimismos.



Apesar de tudo, boa sorte sr. Passos Coelho, peut-être que Dieu, s’il existe, nous aidera-t-il!


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