PEDALAR É PRECISO!

quinta-feira, 28 de abril de 2011

CASO ARRUMADO?


Não sou especialista de fados, mas tenho as minhas preferências. Na minha modesta opinião de amador de fados Foi na Tavessa da Palha cantado por Lucília do Carmo é o fado dos fados e Lucília do Carmo a fadista das fadistas.


O filho dela, aliás, que se considera o Sinatra português e que se diz fadista, devia por os olhos na mãe.


Este fado cantado pela grande Lucília inspirou Ana Moura que gravou há pouco tempo uma nova versão chamada Caso Arrumado. A letra e a música são diferentes, mas o fado é o mesmo e o resultado é de grande qualidade. Apesar de não imitar o original, consegue manter-se fiel ao espírito da versão original.


É uma versão actualizada, mas principalmente é um fado que faz muito sentido porque canta o caso arrumado que é o fado deste país. Um fado cruzado com muitos personagens, mas com uma teia relativamente simples. Uma teia de interesses, de ambições, de mediocridades, de leviandades criminosas.



O fado do Sócrates e do Passos, ora dizes tu, ora digo eu, o meu é maior do que o teu.


O fado do Teixeira dos Santos que quando os juros da dívida soberana chegaram aos 7%, se fosse um político coerente e um homem de coragem, se deveria ter demitido e, como não o fez, foi apodrecendo e com ele o país.


O fado do mesmo Teixeira dos Santos, personagem quase digno de comiseração, que ficou a chorar no seu canto porque não foi convidado pelo Sócrates para ser deputado.


O fado deste país em que se diz que está a haver uma negociação sobre como sair da bancarrota, negociação em que não se sabe quem é que está a representar Portugal.


O Governo não é certamente, pois é notório que quer o primeiro-ministro, quer o seu ministro das finanças estão refugiados em parte incerta e se preparam para “aos costumes” dizerem nada.


E se preparam para continuarem ausentes quando chegar a hora de assinar e assumir os compromissos do Estado português.


O fado dos casos arrumados do Cavaco, do Soares, do Eanes e do Sampaio, quatro presidentes/ex-presidentes, cuja confraria se juntou em show off no 25 de Abril.


O fado da falta de memória destes altos dirigentes quanto às responsabilidades de cada um nestes últimos 35 anos de derivas e de fantasias neo-liberais europeístas e pró-americanas sem perdão.


O fado dos programas dos “principais partidos”, o do PS agora anunciado com todas as fanfarras e que não dá para rir porque tudo o que o PS tenha para dizer já foi longe demais e não merece qualquer crédito e o programa do PSD, que tarda, porque este dito “principal partido” não se entende sobre como é que pretende aplicar, se alguém lhe abrir a porta há muito ansiada do poder, as receitas mais fundamentalistas da sua intelligenzia neo-liberal.


O fado do governo patriótico e de esquerda do PCP, velha e inenarrável fantasia, tão velha, repetida e sem futuro como aquele sonho da revolução democrática visionado em 1964 por Álvaro Cunhal no Rumo à Vitória.


Um fado, que é o nosso, de todos nós, em que se misturam todos os personagens desta tragi-comédia política onde se acirram ciúmes e ódios, cupidez e falta de escrúpulos, fantasias e vaidades, ambição de poder e de mando e ódio do outro, ódio do inimigo que concorre para o mesmo emprego.


Parece um fado ligeiro, uma comédia, mas acabará certamente em tragédia de faca e alguidar.


Entretanto, enquanto os dias vão passando, depois do fado cantado, voltamos todos para casa.


Só no dia seguinte é que vamos descobrir que, afinal, o caso não ficou verdadeiramente arrumado. Nem ficará tão cedo.


quarta-feira, 20 de abril de 2011

SINAIS DE UM PAÍS EM RUÍNAS


Nos últimos dias, o Palácio de S. Bento e o Palácio de Belém desapareceram dos ecrãs da televisão. Finalmente, eis uma boa notícia.



Como neste momento não se passa naqueles palácios nada de singular, a máquina mediática indígena emigrou para outros sítios da capital. As atenções voltaram-se agora para o Terreiro do Paço.


É um regresso que não deixa de ser curioso porque acontece exactamente quando o dito terreiro deixou teoricamente de ser centro de poder e se está a transformar num haut lieu do consumo turístico de qualidade.




Voltámos, então, ao histórico Paço e à sua praça, a este sítio onde durante séculos se pavonearam muitas e muitas gerações e dinastias de senhores que mandavam as suas ordens para todo o país.


No novo ciclo histórico cheio de incertezas que estamos a inaugurar, graças aos troiko-emissários da potência ocupante que veio certificar a falência do regime neo-liberal PS/PSD, está de volta o brilho da grande praça do poder.


Aqui há tempos acamparam nesse sítio os polícias.


Agora, a ordem de acampar foi dada aos profissionais mediáticos encarregados de recolher as opiniões dos porta-vozes dos sindicatos e dos patrões que, após uma hora ou meia-hora de conversa lá dentro, se apresentam perante as câmaras com o ar sério de quem solenemente representa os seus representados e que foram ali chamados para uma suposta negociação com a dita potência ocupante.


Principal vantagem da mudança para este novo sítio mediáticos. Hoje, tanto quanto a minha memória alcança, o sr. Sócrates, pela primeira vez, não apareceu nos telejornais. Registe-se a data, 19 de Abril de 2011. Afinal, talvez isto de haver uma potência ocupante não seja assim tão mau.


Mas, quando olho os telejornais, o que eu gostaria de ouvir é o que os representantes da potência ocupante têm para nos dizer. Na minha opinião, como essa gente vem de fora e é gente informada, é natural que sejam mais objectivos e certeiros nas suas opiniões, e haveria toda a vantagem em conhecer as suas opiniões e conclusões.


Mas estes emissários não falam, eles são apenas emissários, quem vai falar no fim disto tudo vão ser a sra. Merkel e o sr. Staruss-Kahn, eles é que mandam. Mas, entre estes dois políticos, o problema vai ser como é que eles vão conseguir pôr-se de acordo sobre o que é vão dizer.


É que o futuro destes dois personagens está em rota de colisão e de divergência. A Merkel está em curva descendente em relação à Chanceleria e ao Bundestag, o Kahn lá vai subindo rumo ao Eliseu francês. Uma é de direita, o outro é suposto ser de esquerda, têm estratégias e rumos diferentes e quanto a todas essas diferenças ainda não é altura para as abordar.


Assim sendo, fico reduzido a tentar adivinhar algumas das opiniões dos tais intermediários, deduzindo, para isso, algumas coisas daquilo que os representantes patronais portugueses às supostas negociações conseguem dizer perante as ansiosas câmaras televisivas.


Confesso, é muito deprimente ouvir esta gente, faço a minha própria avaliação se bem que não seja psicólogo com baterias de testes à minha disposição, é mais uma impressão subjectiva minha, essa gente dirigente empresarial portuguesa tem um desenvolvimento cerebral e uma capacidade de raciocínio que não me parecem superiores às de um aluno que acabou de concluir o nono ano.


Fico chocado com tal indigência, com tal mediocridade mental tanto mais dramática quanto é esta gente que gere as chamadas confederações patronais, que move milhões e milhões, que faz de Deus na terra, que negocia com os governos, gente que manda gente para o desemprego.


Gente completamente incapaz duma ideia original. Como é que nos podemos espantar que o país tenha chegado ao ponto a que chegou? Eles lá vão recitando, lá vão falando de reformas, de flexibilidade e de todas essas tretas e, eu pergunto, quando é que reformam esta gente?


Mas acontecem sempre imprevistos. Nos testemunhos que ouvi hoje na televisão à saída das audiências com os representantes da ocupação estrangeira, houve um testemunho diferente, não percebi bem qual é que era a sua ideia, a verdadeira intenção, se é que havia intenção da parte do representante da confederação do Turismo.


O homem tinha um ar cool, estava ali a ter os seus minutos de atenção mediática e fez um relato circunstanciado quanto às perguntas e comentários dos troiko-emissários.


Segundo ele, os ditos emissários teriam manifestado o seu espanto pelo mau aspecto das casas, dos imóveis, dos prédios, das fachadas em Lisboa. Espanto tanto mais espantoso o desses senhores, acrescentou o sr. representante do turismo, quanto aqueles senhores estrangeiros achavam que Lisboa é uma cidade muito bonita, blá, blá.



Não sei se era intencional, mas o representante do turismo conseguiu transmitir uma mensagem certeira.


Temos bom clima, clima aliás excepcional, temos património histórico, aliás património excepcional.


Temos isso tudo, temos muitas outras coisas valiosas, mas está tudo em ruínas.


A maior parte dos bairros de Lisboa estão em ruínas, esses emissários da potência ocupante têm toda a razão. Mesmo alguns bairros que é suposto estarem num patamar mais elevado. Campo de Ourique, por exemplo.


Ontem à noite justamente, passei em Campo de Ourique. Este bairro há muitos anos que é considerado como o supra-sumo da cidade de Lisboa.


É verdade que é um verdadeiro bairro, com vida própria, comércios, gente nos cafés, bons restaurantes, é uma zona viva desde há muitos anos. Passei, olhei e vi, constatei, as casas de Campo de Ourique têm um aspecto desgraçado. A arquitectura é de péssima qualidade, a maior parte das casas estão boas para deitar abaixo.


Tenho ido ao Porto, zona histórica, caminho com o maior cuidado pelos passeios, é que a maior parte das casas ameaça ruína.


Apanho o comboio para a margem sul, passo pelas traseiras dos prédios que estão à vista. Vejo uma paisagem estarrecedora.


Terceiro Mundo, somos terceiro mundo, somos um país à imagem dos dirigentes, dos políticos, dos empresários, dos intelectuais, dos decisores e dos corruptos que o têm encaminhado para este estado de ruína.



Ruína que, sendo confrangedora, é também paradoxal, porque Portugal é um país de muita gente com talento, artistas, criadores, operários, fadistas, cientistas, arquitectos, padeiros, comerciantes, agricultores, enólogos, intelectuais, estudantes que estudam e se esforçam muito, jovens que se sacrificam para ter futuro.


Pensei em tudo isto quando ouvi o relato dos comentários da troika transmitidos pelo aquele representante do turismo.


Hás as aparências, há as fachadas, umas são boas outras são péssimas, e depois há o que está por detrás de tudo isso.


Por detrás, há sobretudo uma contradição muito pesada, um contradição aparentemente insolúvel entre o país velho dominado por chico-espertos incompetentes, medíocres e corruptos e o país novo com as suas novas gerações de uma nova época que não conseguem afirmar-se.


Concluo, esta contradição não se vai resolver com salamaleques.


segunda-feira, 18 de abril de 2011

DEUS E O CAPITALISMO




Há perguntas que, por mais extemporâneas que possam parecer, quando somos confrontados com certos factos e circunstâncias, não podemos deixar de as colocar.

Será que foi Deus quem inventou o capitalismo? E, se foi Deus que o inventou, segunda questão, o que é Deus previu quanto ao desenrolar do seu certamente longo processo temporal de criação, expansão, refluxo e extinção?

Qualquer que tenha sido o seu inventor, é sabido que o capitalismo foi inventado num lugar da Europa.

Não foi em Portugal. Se bem que os nossos navegadores tenham preparado o terreno, D. Manuel I, chamado de venturoso, expulsou a elite portuguesa de Judeus portugueses lá mais para norte, perdoem-me o insulto, o homem era uma besta, estragou tudo.

É que, justamente, o capitalismo nasceu mais para norte, a geografia histórica desse parto está perfeitamente esclarecida.

Admitamos então, quanto ao capitalismo, a autoria divina. Criação divina, donc. A partir dos sete dias bíblicos, a história da criatura tornou-se muito acidentada e paradoxal.

A certa altura, Deus decidiu na sua infinita sabedoria, provavelmente contra a opinião unânime dos seus assessores, exportar a criatura para países oficialmente anti-capitalistas.

Grande é a força de Deus e, assim sendo, o capitalismo lá chegou em grande clima de sucesso à China, conquistou as máfias russas e o ex-KGB da ex-União Soviética e agora muito provavelmente prepara-se para se instalar em Cuba.

Nunca, como acontece a propósito desta história, terá sido tão verdade afirmar-se que os desígnios de Deus são misteriosos e insondáveis.

Mas a questão do destino dos países antigamente comunistas convertidos ao capitalismo, essa não é a questão que me preocupa neste momento, je m’en fous pas mal.

O que gostava de perceber é muito mais simples. Se foi de facto Deus que inventou o capitalismo, o que é que vai fazer com o dito cujo daqui para frente, que destino é que Deus reserva ao monstro por si criado? Mais especificamente, que futuro é que a mente divina reserva à criatura no seu continente natal?

Perguntará o leitor, mas a que propósito é que Deus é para aqui chamado?

Peço desculpa, não fui eu que o chamei. É que outras pessoas muito mais ilustres, pessoas, que não é o meu caso, que estão ligadas à Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana, mais concretamente duas dessas pessoas referiram-se publicamente nos últimos dias, em tom muito crítico, ao capitalismo.

Ontem, não foi só eu quem ouviu, o Cardeal Patriarca de Lisboa e de Portugal apontou na televisão um dedo tremendamente acusatório ao capitalismo selvagem. Mais palavra, menos palavra, hoje coube a vez ao Doutor Freitas do Amaral, distinto professor catedrático e principalmente fundador em Portugal dum partido afecto à democracia cristã, proferir acusações do mesmo teor.

Nenhuma destas personalidades é luterana, e isso não me admira.

É que, a haver uma relação de progenitura entre Deus e o Capitalismo, nessa relação o pai será sempre o Deus protestante e nunca o Deus católico. A razão é conhecida, capitalismo rima com ética protestante, capitalismo não rima com ética católica, Max Weber dixit.

Estaremos então, pergunto eu, estaremos perante um ajuste de contas histórico, histórico entre os históricos, entre as duas grandes correntes de pensamento dominantes desde há muitos séculos na história da Europa e não só?

Presume-se, e é o mais rovável, que se possa tratar de um ajuste de contas intra-europeu entre o norte próspero, arrogante, rico e protestante e o sul falido, vencido, pobre e católico.

My God, que guerra desigual!

Já que estamos em terrenos de religião, tenhamos alguma esperança, nunca se sabe, pode ser que essa guerra acabe por ser uma espécie de guerra entre Golias e David.

Como é público e notório, no confronto entre esses dois personagens bíblicos, quem ganhou foi o David.

Contra-argumento, isso passou-se noutra época. O David era então um jovem muito ágil, inteligente e astuto, um jovem muito atrevido, um jovem com todo o futuro à sua frente.

Não me parece que isso se possa repetir, não tem nada a ver com o patético episódio guerreiro que opõe agora os decadentes países mediterrânicos situados no lado pig da Europa aos verdadeiros europeus, aos europeus do norte, finlandeses, nórdicos, alemães, esses sim, verdadeiros campeões europeus do capital.

Capitalistas em versão original, vitaminados with the original God on their side.

O desfecho está à vista, vamos acabar esmagados, sem tempo para perceber o que é que vai passar a seguir.

O mais provável é que se trate de uma nova nova guerra dos cem anos e que muitos dos soldados rasos apanhados em batalha não tenham oportunidade para conhecer os próximos episódios desta sádica história bíblico-capitalista.






O PLÁSTICO VERDE NO CHÃO

Durante a semana e por vezes também aos domingos, há cidades onde há mercados de portas abertas.

No universo urbano em que vivemos, além dos mercados, existem ainda alguns espaços públicos que escapam à ditadura centro-comercial da grande distribuição, espaços e actividades livres dessa ditadura big brother com pipocas.

Hoje, já não se vai ao cinema, vai-se ao centro comercial e, depois, sabe-se lá, talvez haja algum filme para ver…

Felizmente, temos teatros onde muita gente se dedica a essa nobre arte, felizmente, ainda temos alguns mercados. E, por vezes, os mercados parecem-se muito com os teatros. Mas teatro é teatro, mercado é mercado, não confundir as cenas.

Quando falo de mercados, não me estou a referir obviamente aos hiper ”mercados”, falo de sítios públicos com portas abertas para a rua por onde se pode entrar directamente até às bancas das vendedeiras, dos vendedores, cebolas, batatas, peixe, carne, queijos, figos secos, flores, piri-piri, queijos frescos, o sal da vida, eis a vida dos mercados. Lugares que não têm caixas registadoras.

Este domingo, fui então ao mercado. Não sou de hipers, causam-me tonturas com o seu ambiente sonoro de música de elevador.

À mesma hora deste domingo, estou certo que muito mais pessoas preferiram os hipers mais próximos.

Outros, porque era domingo e por razões que são de cada um e que eu muito respeito, estavam a rezar em alguma igreja.

Mas, como estava bastante calor e que o Verão se perfila, provavelmente a maior parte dos dominicantes estaria a ver o mar, mais ou menos despidos à disposição do sol e dos olhares alheios.

Felizmente em Portugal não nos falta oceano, não nos falta sol, temos sol e bom tempo na maior parte dos 365 dias do ano, não nos podemos queixar muito da natureza. Falta-nos dinheiro, falta-nos emprego, não temos bons políticos. Queixemo-nos, antes, dos homens e de nós próprios.

Aproveitei então este domingo agradável e ensolarado para ir ao mercado, tinha umas compras em vista, além do mais, gosto do ambiente propriamente dito. É um dos últimos sítios onde as pessoas se encontram.

À entrada do mercado havia algum aparato, uma ambulância e um carro da emergência médica, com as lanternas acesas com aqueles sinais azuis que se acendem e se apagam. Presumi que devia haver algum problema.

Entrei, mas estava tudo calmo, o movimento era natural, os clientes avaliavam a mercadoria, os vendedores atendiam os clientes. Lá comprei um peixinho, mais uns legumes e uma fruta, nada de mais.

Continuei no meu périplo, talvez um queijito, talvez um pão e lá fui observando o movimento. Havia muita gente, mas sem atropelos, tudo muito calmo.

Virei à direita, deparei com um polícia, alto lá, o homem não disse nada, apenas estava ali no meio do corredor, vi a farda, percebi que não podia continuar a andar naquela direcção, havia ali um espaço vazio onde não passava ninguém. Vi também que, do outro lado, estava outra farda, era uma agente da polícia.

Pensei, há dois polícias e entre os dois está um espaço onde ninguém passa. Se ninguém passa, isto num mercado público onde toda a gente anda de um lado para o outro, é porque ali naquele sítio não se pode passar. E, se não se pode passar, é porque ali se passou alguma coisa.

Em geral, este tipo de deduções muito rápidas costuma acontecer quando alguma coisa de grave está a acontecer ou aconteceu à nossa volta.

Olhei para o meio do espaço vazio e no meio desse chão vazio vi que estava um plástico verde estendido. Olhei melhor e percebi que, pelo volume do volume, por debaixo da cobertura em plástico tinha que estar alguém. Alguém que estava coberto pelo dito plástico.

À volta, o mercado continuava a funcionar, transacções, clientes, vendedores, aparentemente nada afectava o mercado. Estava ali uma vendedora naquele sítio da minha perplexidade, perguntei, sim, foi um senhor, sentiu-se mal, caiu para o lado.

Era mudo, falava por gestos, costumava vir aqui, o senhor morreu. Quando é que isso aconteceu, ora, tudo aconteceu prá ai há uma hora. E então, não foi socorrido? Foi, mas já era tarde demais.

Então, por que é que o corpo ainda está ali, mas porquê? Estão à espera do delegado de saúde. Sabe, hoje é domingo.

Desisti do queijito e do pão.

Pensei, domingo é um dia complicado para morrer em sítio público.

Melhor do que morrer em sítio público a um domingo, talvez seja melhor morrer sozinho em casa.

É que, na hipótese de isso poder acontecer, o dia da semana se calhar é completamente indiferente.

Passados dias, anos ou meses, haverá sempre alguém a descobrir que ali naquele sítio, que foi um espaço de vida muito privado, num dia da semana que não interessa para o acaso, alguém morreu sozinho. Alguém que na intimidade do seu lugar de vida, viveu os seus últimos instantes sem um último olhar de outro alguém.

Alguém cuja vida, porém, não acabou coberta por um plástico verde a servir de cobertor, guardado pela polícia e no meio de pessoas anónimas ocupadas pelas compras para o almoço de domingo.

Não me restou mais nada para pensar neste domingo ensolarado. Apenas a nostalgia de não ter conhecido aquele senhor que se expressava por gestos.

Altura para gestos, que fazer? Na minha mente fica a imagem do plástico estendido naquele lugar público cheio de gente nas suas ocupações de uma manhã de domingo. Mais uma manhã.


sexta-feira, 15 de abril de 2011

BEM-VINDO FMI?






Não fiz nenhuma sondagem, faltam-me os meios para isso, mas tenho o feeling de que por aí fora e não apenas no nosso rectângulo, haverá muita gente que se interroga sobre o que é isso de ser cidadão dum país falido que se tornou objecto da galhofa mundial.

Gente que, como eu, tenta perceber o que é que se está a passar realmente, para além do circo mediático.

Nesta estória da ajuda externa contada às criancinhas que é agora o teatro quotidiano das nossas preocupações, a televisão tem aproveitado sobretudo os aspectos mais folclóricos. Com os seus cameramen e jornalistas de microfone em punho, lá vai perseguindo aqueles burocratas Euro-FMI de óculos e fato escuros com as pastas também escuras que procuram passar despercebidos por entre o Terreiro do Paço.


São apresentados quase como fantasmas vingadores, mas nem sequer são os executores da vontade dos presumidos cuidadores das nossas finanças, eles são apenas os funcionários dos seus patrões, imagino que são funcionários muito competentes com salários à altura e talvez muito acima.

Mas, quem são os patrões desta gente acabada de desembarcar? É a Comissão Europeia de Bruxelas, é o Banco Central Europeu de Frankfurt? Ou é o Fundo Monetário Internacional de Washington?

Confesso que, à luz das notícias que li hoje, 14 de Abril de 2011, fiquei com sérias dúvidas, não consegui perceber quem é que está a mesmo a conduzir esta operação neo-colonial pós-moderna.


Lá vem o inevitável sr. Juncker, primeiro-ministro do Luxemburgo e presidente do chamado Euro-Grupo, é um grupo, é um bando não sei bem como designá-los. O que é certo é que manda na moeda da moda, o euro.

Não lhes vou chamar salteadores, isso seria muito grave, vejo-os mais como um grupo de gendarmes sempre pronto a passar ao ataque. Ataque contra os alvos mais fracos, naturalmente.

Aquele distinto euro-luxemburguês que preside a esse grupo-bando de gendarmes teve a oportunidade de mandar dizer aos portugueses (não aos que trabalham lá no Luxemburgo, sem os quais, aliás, esse pequeno grão-ducado não seria tão rico como é), mandou para Portugal o seu recado do dia: os partidos portugueses devem-se concentrar nas suas “obrigações nacionais e europeias” e deixarem de lado a campanha eleitoral. Estou a citar do Público. Não façam campanha eleitoral, não discutam, não pensem, elejam os partidos que a gente cá no euro-grupo entende que devem ser eleitos. Elejam os principais partidos, aqueles que foram defendidos tão a propósito pelas 47 ilustres personalidades do Expresso.

Está bem, sr. Junquer, a gente vai fazer como manda. Citemos agora um novo personagem neste teatro do absurdo.

O Sr. Dominique Strauss-Kahn, poderoso presidente do poderoso Fundo Monetário Internacional, com sede em Washington, D.C., mandou um sério aviso, não a Portugal, valha-nos isso, mas a um outro grupo de senhores muito mais poderosos do que o próprio FMI, o chamado G20.

Começou por preveni-los sobre o que iria dizer: “Nem todos vão concordar na totalidade com este discurso”. Novamente, citação do Público.

E, a seguir, o sr. Kahn disparou que “esta década deve ser aquela em que levamos a sério o emprego”, caso contrário, será uma “sentença de morte” para toda uma “geração perdida” de jovens.

Obrigado, sr. Strauss-Kahn, imagino que tenha estado cá em Lisboa na Avenida da Liberdade no passado dia 12 de Março!

Ainda bem que alguém tão importante como o sr. nesta era da globalização se deu ao incómodo da viagem, mas valeu a pena porque isso o ajudou a perceber a mensagem da nossa geração à rasca, que aliás não é diferente da de outras gerações sem futuro, parecidas por essa Europa fora, sobretudo cá mais para o sul.

Bem haja! Deus é grande! Lemos os jornais, voltemos à realidade, volto aos meus botões, e pergunto afinal para quem é que aqueles tipos de óculos escuros do Terreiro do Paço trabalham? Alguém me sabe responder?

Talvez alguém tenha explicado, talvez alguém tenha respondido, mas não tive a oportunidade de ouvir, de ler. Ponho-me, então, a elucubrar hipóteses.

O resultado das minhas elucubrações não é brilhante.

A prazo, ou seja, nos próximos quatro ou cinco anos, depois logo se verá, não há escapatória.

Vamos ter que amargar grátis, amargar grátis quer dizer que vamos ter que pagar a doer esta bancarrota nacional, muito nossa, bancarrota fabricada por uma criminosa tribo de banqueiros, políticos e grandes empresários portugueses aliados e servidores do eixo Berlim/Bruxelas e do grande capital financeiro internacional.

Vamos amargar grátis, com o bom povo português a votar como o sr. Junquer e as 47 personalidades mandaram. Nada vai mudar, tudo vai ficar pior. Não vou repetir o que já aqui escrevi.

Quanto ao sr. Kahn, não precisei da descida do Espírito Santo sobre a minha mente, para perceber o sentido exacto da sua mensagem aos grandes do G20.


Monsieur Dominique é um distinto político francês e socialista, bem apessoado, teve uns problemas de assédio feminino mas isso agora não vem ao caso, um importante político que é a grande esperança da desacreditada esquerda, a francesa e a europeia.

Este distinto político de esquerda está a iniciar a sua campanha para ser o próximo presidente da república francesa. As sondagens dizem que está muito bem posicionado, ele é o grande favorito.

Político socialista, político brilhante, o sr Strauss não quererá certamente aparecer aos olhos do eleitorado francês com a imagem dum implacável burocrata do FMI que impõe a países doentes medidas de austeridade impiedosa que levarão à morte social gerações inteiras de jovens.

O sr. Kahn não precisa que lho digam, ele sabe muito bem, neste seu percurso para substituir François Miterrand, para que lado é que deve cair.

Então, temos aqui duas mensagens contraditórias que convém interpretar. É crucial percebê-las, porque são as mensagens dos dois patrões da brigada que vem preparar a execução de mais desgraças para o desgraçado país que temos sido desde que, pelo menos, começou este malfadado milénio.

Ao contrário do que se poderia pensar a partir do que ficou dito para trás, a mensagem mais interessante não é a do Dominique Strauss-Kahn, é a do sr. Juncker.

É que essa é a mensagem é a mais rica em sub-entendidos.

Quando um alto responsável do directório de Bruxelas se dá ao desplante de transmitir um recado como aquele que nos enviou, não se trata, aliás, dum recado é uma ordem, diria mais, não é uma ordem é um verdadeiro golpe de estado executado sem alguém se ter dado ao trabalho de ter disparado um único tiro, quando isso acontece, será que se trata do gesto de um chefe seguro no seu posto de comando?

Confesse, Mr. Juncker, o seu desplante, a sua arrogância, as suas preocupações são outras, têm alguma coisa a ver com Portugal, mas têm sobretudo a ver com os fundamentos e o futuro do euro. É que, sr. Junquer, para além do Luxemburgo e sem o Euro, qual será o seu poder, qual poderá ser a sua importância de político de facto importante e influente nestes jogos? Há anos que se anda a divertir sentado nesse fauteuil de Monsieur Euro!

Confesse, o que o preocupa realmente não é tanto Portugal, é mais o efeito de contágio da cacofonia que se anuncia nessa Terra do Nunca que vai ser a Eurolândia.

Pequena síntese desse futuro anunciado, temos as eleições na Finlândia, país gelado saído do anonimato directamente para o firmamento das grandes estrelas de sucesso do capital.

Altamente provável, sr. Juncker, a Finlândia vai votar euro-céptico, as consequências disso já foram anunciadas há alguns dias pelo seu Ministro das Finanças, ministro que um distinto comentador indígena considerou há alguns dias como o melhor ministro das finanças da união europeia. Quem sou eu para lhe retirar esse mérito.

A Finlândia vai vetar a "ajuda" a Portugal". Está escrito, Deus os ajude!

Mas temos outras dinâmicas euro-cépticas na file d’attente para dar cabo do euro.

Não falemos para já da Alemanha nem da progressão dos Verdes e do declínio da chanceler Merkel. É outra questão para tratar mais tarde.

Temos para já a França, falemos da Marine Lepen, acho que é assim que a senhora se chama. É a patroa duma nova extrema-direita, on dirait moderne e sem preconceitos. Esqueçamos o seu discurso sobre os imigrantes.

É um discurso sem futuro, porque não vão ser precisos muitos anos para que os europeus sejam obrigados a ir buscar directamente a África os imigrantes de que vão precisar para porem as suas empresas a funcionar. Adeus, ilha de Lampedusa, adeus estreito de Gibraltar.

Mas o discurso sobre a Europa e sobre a globalização desta nova extrema direita arrisca-se a ter muito sucesso e isso, aliás, já está à vista. Um discurso sobre temas que a esquerda-caviar com notoriedade reconhecida ignora.

A Lepen aparece em primeiro lugar em todas as sondagens acerca das presidenciais francesas do próximo ano.

Está preocupado, não está sr. Juncker? Como eu o compreendo! É que esse belo edifício do euro, essa bela construção quase soviética estilo planos quinquenais dos PECS e do poder colonial de Bruxelas vai chegar um belo dia em que acabará por ir água abaixo.

E não falei da Itália, da Liga Italiana, nem da Espanha e da Catalunha, não vale a pena. Os factos, outros factos vão aparecer naturalmente, não digo espontaneamente. As sementes, os tubérculos já estão na terra prontos a germinar.

O sr. Junker é um político e um financeiro, se não o fosse não ocupava os lugares que ocupa. Por isso, deve saber que as moedas não são apenas instrumentos de transacção, de comércio.

Sendo o comércio a principal forma de as pessoas e os povos se relacionarem, daí se infere que cada moeda é uma entidade política. O dólar, por exemplo, é uma entidade política. Mas, para ser reconhecido como tal, foi necessária uma guerra civil.

As moedas não são um jogo de gabinete. Exprimem as teias sociais, dão corpo a identidades nacionais, a solidariedades e a entendimentos colectivos.

Estes senhores de Bruxelas, instalados lá nos seus gabinetes não percebem estas coisas, fazem as suas contas, mandam os seus funcionários, mandam as suas ameaças, os seus diktats.

Não percebem que, para o português médio nas suas penas quotidianas, no seu sofrimento, na desesperança que o atormenta e o desencoraja cada vez mais, o euro passou a ser um instrumento de dominação, de alienação, de perda de liberdade.

Vendo e ouvindo a televisão, este português chamado médio não pode deixar de perceber mais dia menos dia, no silêncio dos seus botões, que, nestes preocupantes dias que vai vivendo, está em curso um golpe de Estado conduzido pelos senhores do euro.

Sinceramente, digo então para os meus próprios botões muito desaparelhados, preferia que aqueles senhores de óculos escuros que caminham apressados por entre o Terreiro do Paço estivessem cá a mando apenas do FMI.

É que o FMI, a gente sabe do que é que se trata, já cá estiveram, de qualquer das maneiras vamos ter que nos sacrificar, não temos escolha, mas depois livramo-nos deles.

Pelo contrário, com o sr. Juncker a mandar, a mando da sra. Merkel e do sr. Barroso, o que vai acontecer é que os sacrifícios vão ser muito mais pesados e que, no fim, não nos vamos conseguir livrar deles, desses gajos de Bruxelas. Haverá alguma esperança no meio deste pesadelo?

A esperança é sempre a última a morrer. Confiemos, é muito provável, tudo aponta para que a tal de união europeia e o tal de euro vão em breve explodir num belo fogo de artifício. Deus é grande, os sinais de que isso venha a acontecer são muito prometedores.

Obviamente, nesses sinais não incluo o veredicto dos eleitores indígenas do próximo dia 5 de Junho. Infelizmente, eles fiéis aos seus brandos costumes vão obedecer a Bruxelas, têm medo, nada vai mudar, vão designar os “principais partidos” do costume para continuarem a “mandar”nesta pseudo-república.

É quase certo, nesta nova década, ao contrário do discurso do sr. Dominique Strauss-Kahn, tudo vai ficar pior, a guerra social vai-se intensificar.


Até ver, poderá acrescentar algum espírito mais iluminado do que o meu!


Como explicou a Scarlett O’Hara, tomorrow is another day!


terça-feira, 12 de abril de 2011

O EUROPEÍSMO DO DOUTOR LOUÇÃ




Naquilo a que chegou e em que tornou a política portuguesa, neste sinistro velório, todos os dias aparecem surpresas. Más surpresas. Surpresas que, mesmo para um espírito tornado céptico pelo ar dos tempos, não deixam de ser surpreendentes.

Não vou falar do Fernando Nobre, este personagem nunca conseguiu surpreender-me.

Nem me vou referir ao fait divers político do dia, o da história de se saber se o Passos e o Sócrates se falaram apenas ao telefone ou se afinal falaram de visu. Este tipo de tretas vai continuar a ocupar os distintos trabalhadores ao serviço das empresas de comunicação. Je m’en fous.

Li hoje no último parágrafo de uma pequena notícia do Público que o líder do Bloco de Esquerda Francisco Louçã decidiu revelar publicamente o seu pró-europeísmo e se manifestou contra a saída do euro, o que, na sua douta opinião, “seria uma aventura lamentável”.

Defendeu também a integração europeia, mesmo se a “Europa falhou, mas não pode continuar a falhar”. Sublinhemos: falhou, mas tem que a prender a não falhar, eis o distinto veredicto, no seu generoso voluntarismo digno de um escuteiro.

Lendo esta notícia, fiquei com a estranha sensação de que o Doutor Louçã tinha virado Jeanne d’Arc, que passou a ouvir vozes divinas, que o convenceram, que lhe anunciaram que Portugal será salvo numa Europa regenerada, por uma União Europeia democrática e social, uma União convertida aos valores internacionalistas tão caros à esquerda “de confiança”.

Obrigado, doutor Louçã, bem precisávamos dessa intervenção divina e do seu testemunho, obrigado por ter sido eleito porta-voz das divinas e tão prometedoras vozes.

Retenhamos também, para a posterioridade, que o líder do BE ficará certamente e com toda a justiça como mais um dos grandes líderes políticos que ajudaram a promover Portugal ao estatuto de país moderno e europeu.

Ficará no Panteão ao lado do Dr. Soares, esse grande político fundador da democracia pós-Estado Novo, cujo inexcedível e extraordinário mérito foi o de convidar a Europa a ficar “connosco”.

O Dr. Soares, que nos fez acreditar que, a partir do preciso momento em que entrássemos para a CEE, todos os nossos problemas de país atrasado e periférico iriam ser resolvidos, que Portugal finalmente se iria tornar um verdadeiro país não apenas europeu, mas principalmente um país rico, moderno e reconhecido de pleno direito entre os seus pares.

Tinha toda a razão o grande líder do socialismo português “metido na gaveta”, não tardou que esse reconhecimento fosse devidamente consagrado: fomos admitidos no restrito clube pleno de promessas dos países do euro, o eldorado dos tempos moderno.

Primeira questão, Doutor Louçã, a propósito de todo este psico-drama que estamos agora a viver, o da grande bancarrota, psico-drama ou tragédia não sei como apelidá-lo, em todo o caso, certamente digno de Brecht, em que o Doutor também representa um papel, como explica que, apesar de todas as promessas europeístas repetidas durante todos estes anos de Cavaco, Guterres, Barroso, Santana e Sócrates, como explica o Doutor Louçã e a sua especial esquerda de “confiança” que Portugal afinal tenha resvalado para o abismo da falência?

Segunda questão, Doutor Louçã, sabia que muitos economistas, não necessariamente de esquerda, consideram que o euro beneficiou apenas as economias mais desenvolvidas do Norte, em detrimento de todas as outras?

As razões deste facto indiscutível são conhecidas e muito me admira que não as tenha na devida conta. Por um lado, o euro ajudou a fixar a “especialização” dos países do Sul em sectores de baixas qualificações e de baixas rentabilidades.

Pelo contrário, os países do Norte aproveitaram o euro para “ocupar” os sectores mais performantes e tecnologicamente mais evoluídos. Très simple, fallait y penser.

A questão do euro não é apenas económica e, mesmo que o fosse, o económico, como o Doutor Louçã tem a obrigação de saber, é, em primeiro lugar político, e também, ou talvez por isso, ideológico. O neo-liberalismo, responsável por tantos crimes e miséria, é ou não é uma ideologia?

É sim, é uma ideologia, tanto ou mais ideologia do que a economia “socialista soviética” centralizada.

Na chamada União Europeia, com todos os seus tratados e manigâncias, a que o Doutor Louçã agora pelos vistos se converteu, chegou-se a um ponto bastante claro em que, removidos todos os preconceitos mentais e salvaguardadas as devidas diferenças históricas, políticas e culturais, a União Europeia faz pensar na defunta União Soviética.

União Europeia e União Soviética, dois grandes projectos colectivos, ambos foram engendrados por minorias misteriosamente iluminadas por grandes utopias teoricamente generosas e progressistas.

Nesta dialéctica hegeliana entre Mestre e Escravo que nos une umbilicalmente à poderosa burocracia do eixo Berlim/Bruxelas, será que podemos, será que devemos enunciar a hipótese, a alternativa de sair da UE e/ou do euro? Temos esse direito, Doutor Louçã?

Penso que temos esse direito, mesmo que não passe dum grito no deserto, mesmo que uma resposta afirmativa a esse cenário nos possa conduzir a uma “aventura lamentável”.

Será que nos concede a nós, aqueles que sempre foram ou se tornaram eurocépticos, esse direito? Ou será que, do alto da sua autoridade de líder da esquerda dita de confiança nos vai denunciar e remeter para uma espécie de index de perigosos e irresponsáveis anti-patriotas europeus?

Digo-lhe o mesmo que diria a outros líderes e políticos. Faça um esforço, ouça outras vozes, as que andam por aí, não ouça apenas as que vêm do além.

Tenha a coragem de admitir outras alternativas, outras hipóteses de trabalho político.

Seja um político “marxista” no verdadeiro sentido etimológico da palavra. Sendo a Política uma arte da relação de forças, por que razão não se ouve em Portugal uma única voz, de direita ou de esquerda, são todos iguais, uma voz que ponha em causa a vaca sagrada chamada união europeia com todos os seus empregos e benfeitorias políticas.

Haverá por aí algum político capaz de dar um murro na mesa da comissão europeia dos burocratas, alguém que grite fuck the european union!

Enquanto em Portugal dominarem os políticos acomodatícios, os que estão sempre prontos a aceitar as situações, estaremos sempre destinados a embarcar na carroça que nos conduz à forca. É nesse veículo que nos encontramos agora.

Não é o Doutor Louçã o responsável disso, claro. É apenas uma decepção, mais uma. Surpreende-me, no entanto, a sua repentina solidariedade para com a classe dos europeístas fechados e surdos às vozes do povo.

Uma classe para quem a UE e o euro são entidades incontestáveis e eternas.

Uma classe política aparentemente condicionada por imperativos corporativos que, nem por segundos, admite a hipótese, o cenário de Portugal recuperar a sua liberdade e sair da união europeia e do euro.

Incapazes sequer de considerar essa hipótese como uma hipótese de trabalho, que é necessário considerar, equacionar e discutir, aprofundar.

É óbvio, tem razão Doutor Louçã, que que se tal hipótese se viesse a concretizar se trataria de uma mudança cheia de consequências.

Qual é, então, a alternativa? Devemos continuar a ficar caladinhos, à espera que os senhores de Bruxelas e os seus patrões tomem decisões por nós?

Será que não se pode esperar mais de uma esquerda de confiança?

Será que não compete a essa tal esquerda, nesta situação em que o país está completamente de rastos e em que vai ficar cada vez pior, será que não lhe compete sem quaisquer complexos disto ou daquilo, estar atentos às realidades, interrogar o futuro e colocar em cima da mesa todos os cenários?


segunda-feira, 11 de abril de 2011

APELO À SUBMISSÃO NACIONAL



Na passada semana, sábado 9 de Abril, o Expresso publicou um apelo de 47 “personalidades”, é assim que são designados os seus subscritores.

Para quem não sabe ou tem a memória curta, 9 de Abril é o dia do aniversário do início da batalha de La Lys, batalha de triste memória esta, memória que desapareceu da nossa memória contemporânea.

Ninguém nos pode impedir, recordemos esta batalha onde as tropas portuguesas foram dizimadas pelo exército alemão em 1918 e em que perdemos então pelo menos sete mil e quinhentos soldados, o que correspondia a praticamente metade do contingente que foi enviado para a carnificina.

A propósito deste apelo fica aqui assinalada a coincidência.

Exactamente, 93 anos depois daquele terrível desastre face às tropas alemãs, e na semana em que Portugal falido e desgovernado se submeteu completamente derrotado e sem qualquer capacidade negocial face ao eixo Berlim/Bruxelas, um grupo de personalidades de primeira água decidiu subscrever um apelo para um compromisso nacional “que permita assegurar a credibilidade externa” de Portugal, por outras palavras, um compromisso nacional para cumprir as ordens do tal eixo, dito da maneira que se impõe, um compromisso para a submissão.

Esta não é uma pequena coincidência de datas e admito que os seus subscritores talvez nem sequer se tenham dado conta dela. São personalidades, têm andado por aí pelas mais variadas razões, puseram-lhes o texto à frente, não vou comentar porquê uns e por que não outros, todos assinaram.

São 47 personalidades, podiam ser 48, mas nada mudava.

Entre os signatários do tal apelo, na primeira fila lá estão os três antigos presidentes da República Portuguesa, eleitos por sufrágio universal. Todos foram eleitos duas vezes. Mas, se lhes acrescentarmos o nome do quarto presidente, que é o actual inquilino de Belém, teríamos então 48 signatários. Faria todo o sentido.

Todos juntos, estes quatro presidentes, dois dos quais foram também primeiros-ministros, os seus nomes sintetizam e dão também legitimidade aos 35 anos do regime democrático pós-25 de Abril, 35 anos contados a partir da primeira eleição de Ramalho Eanes.

Dão legitimidade a tudo o que correu bem, e houve coisas que correram bem, mas também dão legitimidade a tudo o que correu mal.

Nesta semana do apelo, que é a semana da desgraça em que caímos, teremos principalmente tendência para pensar no que correu mal. Pela minha parte, gostava de perceber o que é que moveu os nossos antigos três presidentes.

Se quisesse recorrer a um calão filosófico, diria que o apelo que subscreveram é um apelo “tautológico”, diz uma coisa e, a seguir, exactamente a mesma coisa.

Alínea a) os apelantes apelam a um compromisso nacional “entre o Presidente da República, o Governo e os principais partidos”, alínea b) apelam a “um compromisso entre os principais partidos, com o apoio do Presidente da República”.

Não sou crítico literário, nem psiquiatra, nem linguista, confesso, porém, que muito gostaria de conhecer a mente brilhante, a luminária que foi encarregada de redigir este pressupostamente histórico documento subscrito por tantas e tão importantes personalidades.

Não sendo perito em nenhuma dessas ciências, consigo no entanto deduzir que para os distintos subscritores de tão pungente e dramática mensagem, as palavras-chave são apenas duas: Presidente da República e “Principais Partidos”.

Presidente da República, sei do que se trata.

“Principais Partidos”, do que é que estamos a falar, de que é que estão a falar os antigos presidentes?

Deduz-se, não vejo outra resposta, que se estão a referir aos dois únicos partidos que têm alternado durante os últimos trinta e tal anos no poder.

Estão a nomear aqueles dois partidos que, mais uma coincidência interessante, são irmãos-gémeos não apenas no nome, um é socialista, o outro é social-democrata, mas também na doutrina e na prática, ambos são de direita.

Dois partidos que, ao longo dos anos, concentraram o essencial das suas energias principalmente na criação de mafiosas teias de solidariedades e de cumplicidades que puseram o país a saque, que o empobreceram, que destruíram a agricultura, a indústria e as pescas, que nos entregaram às ilusões do eldorado do consumo e da riqueza fácil e dos fundos europeus reservados às clientelas dos dois partidos, dois partidos gémeos que conduziram o país a esta falsa democracia onde mandam gauleiters e caciques sem honra, sem honestidade e sem valores.

Partidos, cujos governos que, com graus de responsabilidade variável, entregaram o país a essa gente das redes e do tráfico de influências e à bancarrota.

Perguntemos, então, aos senhores antigos presidentes, é a essa gente, àquilo a que chamam de “principais partidos” que lançam o vosso apelo do 9 de Abril?

Senhores presidentes, metam lá a mão na consciência, será que não se sentem responsáveis pelo monstro que ajudaram a criar e a prosperar?

Não se sentem responsáveis pelo novo regime a que chegámos agora, este regime em que a República portuguesa passou a estar às ordens do eixo Berlim/Bruxelas? Um regime para o qual as eleições do próximo dia 5 de Junho, se bem entendo o vosso pensamento, vão ser apenas um mero pró-forma?

Mero pró-forma, sim, é o que se depreende do vosso apelo. Já não é o povo quem mais ordena. O que nos dizem no tal apelo é que o povo tem que votar direito, o povo não tem escolha, ou vota num, ou vota no outro dos dois “principais partidos”.

É uma mensagem clara, a “democracia” portuguesa tem que decidir o que tiverem decidido os dois partidos-gémeos, os dois “principais partidos”.

É um apelo sem recurso, não é susceptível de segundas interpretações. Qualquer que seja o resultado das próximas eleições, já está tudo decidido, a UE já decidiu tudo, o próximo governo português terá que assinar por baixo o que o eixo Berlim/Bruxelas lhe puser à frente da caneta.

Este é o vosso legado, senhores antigos presidentes, o legado que assinala a perversão da antiga ideia democrática de 1974.

Legado agora legitimado pelos principais subscritores do apelo de 9 de Abril de 2001, subscritores que não são apenas “personalidades”.

Eles são os principais e supremos representantes vivos de 35 anos de democracia pós-Estado Novo. Não ouso pensar que sejam os seus coveiros, não me parece que essa tarefa ainda esteja ao seu alcance.

Aconteça o que acontecer, seja qual venha a ser a partir daqui o vosso papel, obrigadinho pela ajuda, senhores antigos presidentes.

Alguém vos há-de perdoar.


sábado, 9 de abril de 2011

UNIÃO EUROPEIA, DE FALÊNCIA EM FALÊNCIA, ATÉ À FALÊNCIA FINAL




Durante dois ou três dias, Portugal tem aparecido nos telejornais, claro que pelas piores razões. Mas, esse protagonismo mediático não vai durar muito tempo.


É que nos próximos meses e pelas mesmas razões que agora nos tocam, caberá a vez a outros países, Espanha, Itália, Bélgica, França, on verra bien. Não falemos sequer dos países de leste da UE, não vale a pena. A guerra financeira europeia ainda vai conhecer muitos episódios.


Por curiosa coincidência, foi a partir da Hungria, que é um dos países mais problemáticos e falidos da União Europeia, que o mundo assistiu ao veredicto sobre Portugal, o veredicto emitido pelos senhores que mandam na dita união.


A mensagem desses senhores foi clara, os portugueses tiveram o descaramento de chumbar o PEC 4. Então, agora vão ter que aguentar outro pec que será muito mais pec. Pergunto eu, será que pec é abreviatura de pecado, abreviatura de castigo?


Falou o comissário da economia, falaram alguns ministros europeus. Humilhante ritual, diria mesmo chocante, se bem que nesta história já nada me choque. Ouvindo todos aqueles falantes com direito de antena, houve um momento em que não pude evitar odiar, foi o momento de despudorada arrogância do ministro finlandês quando ele se referiu ao que Portugal tinha a obrigação de fazer.


Parecia a rainha Vitória enviando o seu ultimato a Portugal em 1890.


Odiei instantaneamente aquele tipo apresentado como ministro. Odiei a Finlândia, não comprem Nokia, não façam férias nesse tal país dos mil lagos. Mandem a Finlândia para o reino dos pecs.


Finlândia, país sem história, país que só há pouco tempo é um país, antes disso provavelmente já era uma nação, mas uma nação durante muito tempo colonizada pela Suécia, nação que depois foi anexada pela Rússia e esteve sob protectorado da União Soviética, provavelmente em retribuição por ter acolhido Lenin quando este conspirava e redigia as teses de Abril.


A Finlândia de Sibelius, sim gosto do Sibelius e do seu poema sinfónico Finlândia, grito pela liberdade.


Então, o que é que nós fizémos, o que é que nós fomos incapazes de fazer para termos chegado ao ponto de ficarmos de repente dependentes da sentença desse país gelado e sem história?


Nós, país-nação mais antigo da Europa, nós que baptizámos o cabo da boa esperança, nós que fomos os primeiros europeus a chegar ao Japão, nós país meridional amado pelo Sol, astro-rei, país sem gelo e sem inverno?


Odiei a arrogância desse pequeno e desconhecido ministro finlandês, mas também odiei os responsáveis que levaram Portugal a mais esta falência.


Mas, odiar, odiar a Finlândia, isso não resolve nada. Está prometido, nunca irei à Finlândia, está resolvido, nunca comprarei nada que tenha o selo desse país. Qu’ils aillent se faire foutre. Voilà!


Não resolve nada odiar a Finlândia em particular, porque o problema é que a UE não passa duma abstracção criminosa, essa é a raiz.


Abstracção criminosa, porque a UE, a que existe, é a Europa dos banqueiros e dos políticos comprometidos com superiores interesses, os interesses de multinacionais, de especuladores e de máfias, a Europa germânica.


Uma Europa contra as nações e contra os povos europeus.


Uma Europa burocrática de grandes tratados assinados à margem da vontade dos eleitores, por cima dos povos, por cima dos que não têm poder se bem que votem nos seus países.


Uma Europa dominada pelos directórios políticos da direita conservadora que sempre que decide jura pela cartilha neo-liberal.


Uma Europa política que só fala de Estado Social quando faz contas sobre o que custa a Segurança Social.


Uma Europa reduzida a uma espécie de esquerda-caviar com o seu pessoal, os seus dirigentes, os seus deputados bem instalados nas benfeitorias que os protegem da precariedade, do desemprego e de não terem um sítio para dormir.


Naquele momento em que se exprimiu a arrogância desse pequeno país sem história que é a Finlândia eu odiei também a falência da esquerda que devia e não defende os povos europeus.


Odiei todos quantos se deixaram endrominar pela propaganda do “Europa connosco”, odiei os que, tendo começado por ser eurocépticos, depois comodamente, lentamente se foram instalando no sistema das viagens a Bruxelas e se conformaram silenciosamente perante a dominação dos países mais ricos.


Antigos eurocépticos que obedientemente aceitaram a ditadura dos tratados de Maastrich, de Nice, de Lisboa. E que obedientemente continuam a aceitar o veredicto dos senhores do eixo Berlim/Bruxelas em relação à Grécia, em relação à Irlanda e agora também em relação a Portugal.


Nesta história, muitas coisas já foram aqui ditas e repetidas, abreviemos.


A Europa tem uma longa história, séculos complicados, muitas guerras, muitas desgraças, muito sangue.


Uma história com muitos povos à mistura, muitas diferenças, muitas línguas, muitas religiões, muitos climas, muitos desentendimentos, muitas culturas.


Reconheçamos, muitas fronteiras mentais foram ultimamente abolidas entre europeus. Estou-me a referir às pessoas, aos povos. Também é verdade que, dentro das fronteiras da EU, não houve guerras com canhões, com mortos, com destruições.


Mas a guerra não acabou. La guerre n’est pas finie.


A guerra contra os povos europeus continua, o capital financeiro e sem pátria não precisa de canhões.


Tem os seus burocratas, os seus especuladores, os seus funcionários, os seus políticos bem comanditados.


Tem a sua arrogância sem limites.


Uma arrogância suicidária, cujas consequências, se essa arrogância sem limites não for travada, serão muito piores, comparação meramente simbólica entenda-se, do que o tsunami japonês de 11 de Março.


quinta-feira, 7 de abril de 2011

NADA VAI MUDAR, TUDO VAI SER PIOR


O homem demorou 45 minutos a aparecer no ecrã para apresentar a sua comunicação em directo na têvê. Grande expectativa, essa malta da televisão quase entra em transe nestas alturas, é que o momento parecia, devia ser, grave e solene.

Primeiro directo, às 20 horas, o homem apresentou-se em mangas de camisa, não se percebeu o que é que estava para ali a dizer.

Segundo take, muito mais tarde, lá apareceu ele com o seu ar do costume de vendedor de banha da cobra, já não estava em mangas de camisa, apareceu com um fatinho e pôs-se a falar. Disse alguma coisa que valha a pena reter?

Disse sim, sou testemunha disso, o homem disse exactamente o contrário do que tinha continuado a afirmar no dia anterior com sua apaixonada convicção do costume, vendendo o seu peixe, que não queria ajuda externa para Portugal, que estava em causa o superior interesse do país, que acima de tudo era isso que interessava defender.

Agora, naquele momento sério e solene, com o seu fatinho e em directo na televisão, tinha outra opinião, outras notícias para dar, quem estava mais atento percebeu que pela sua nova opinião passaram por ali os nossos respeitáveis banqueiros.


Ficámos então a saber que ele primeiro-ministro demitido José Sócrates, decidiu pedir ajuda ao exterior, mas quanto ao resto, quanto àqueles pequenos pormenores quanto é que isso da ajuda externa vai custar em moeda de austeridade, cortes de pensões, cortes de salários and so on, quem é que vai dar a tal “ajuda”, quantos milhares de milhões é que vão emprestar e quantos é que os que dão a “ajuda” vão receber…

Ficámos na mesma, o homem não explicou nada, fez a sua propagandazita do costume, ele é o maior, o PS é que é o grande partido da esquerda popular, tudo o resto são sabotadores.

Muitos dos que presenciaram mais esta cena terá gostado do discurso, normalmente quem aparece a falar na televisão sobretudo se parece que têm algum poder, as pessoas em geral apreciam muito, não duvido, sabe-se lá, até é possível que o homem volte a ganhar as eleições. Case study, país sadomasoquista.

E, a seguir em resposta a mais este cansativo número de circo, é assim que manda a democracia televisiva, veio o outro, o chefe da alternativa da oposição.

Alguém conseguiu reter alguma coisa do que este outro nos veio dizer?

Devo estar cansado dos pingue pongues entre os protagonistas políticos do momento, sinceramente não percebi nada, por outras palavras, o que percebi é que este outro homem de nome Passos supostamente líder da oposição não tinha nada para dizer. Alguém o pôs ali a falar, parole, parole, parole…Em que é que ficamos?

Sejamos politicamente incorrectos, chega de conversa.

Haverá por aí alguma cabeça iluminada, inspirada pelos deuses? Não estou a querer dizer a palavra líder, para mim essa é uma palavra afascistada.

Portugal tem uma longa história de sacrifícios e de pobrezas, de gente muito sacrificada vítima da miséria. Séculos.

E também uma longa história de uns quantos que se vão habilmente aproveitando dessa miséria dos mais fracos.

Uma longa história dominada por sanguessugas, que se alimentam da corrupção e da incompetência de elites cuja arrogância de classe não tem limites.

Sejamos então politicamente incorrectos, sejamos consequentes, falemos de alternativas. Depois das eleições de 5 de Junho o que é que vai mudar?

Nada vai mudar, vai tudo voltar a Março de 2011, o que quer dizer que vai tudo ficar pior. O Bloco e o PC vão fazer a sua apressada encenação de “esquerda”, o BE bem que precisa de ajuda.

O PS vai tentar furar o cerco, para já vai querer sobreviver, depois se verá.

O PSD provavelmente vai para o governo e logicamente vai privatizar a Caixa Geral de Depósitos, o Serviço Nacional de Saúde e a Educação, neo-liberalismo a quanto obrigas, de facto esta gente não tem qualquer espécie de imaginação.

O CDS vai tentar colocar alguns pedregulhos no caminho do PSD.

Cenários alternativos?

Sejamos então completamente e definitivamente politicamente incorrectos.

Imaginemos. O pessoal votante, que se vai apresentar no dia 5 de Junho perante as mesas de voto, decide mandar de volta à sua insignificância os dois partidos gémeos do chamado arco de poder.

Ambos têm alternado no poder, supostamente um é socialista o outro será social-democrata. Até hoje não consegui perceber a diferença entre um e o outro.

A grande maioria dos votantes mandam-nos então embora, já chega, e escolhem uma espécie de coligação entre comunistas e democrata cristãos, compromisso histórico, estilo Aldo Moro.

Uma cena inesperada, uma espécie de desfecho estilo Islândia ou mesmo estilo Irlanda.

Se é o povo é quem mais ordena, então mandem essa gente embora, do passado façamos tábua rasa, é essa a proclamação que vem no hino da Internacional.

Isto de estarmos para aqui a imaginar a imaginação ao poder, são delírios inconsequentes.

O sistema de poder, a alternância partidária não vão mudar, claro que vão mudar os boys, tem que haver alguma alternância, mas os votantes vão eleger os servidores do costume.


Continuem, pois, a queixar-se!


terça-feira, 5 de abril de 2011

GUERRA GLOBAL








Guerras sempre houve, não me peçam que explique porquê, até poderá haver razões plausíveis, mas estou seguro que elas ultrapassam o meu entendimento.

No século passado houve duas guerras que ficaram conhecidas como guerras mundiais, uma espécie de medalha de ouro no pódio das guerras. A primeira dessas duas guerras ficou para a história conhecida como a grande guerra. Grande guerra europeia, entenda-se. Alemães e seus aliados dum lado, os outros europeus do outro, incluindo portugueses.

Alguns anos mais tarde, nem sequer foram precisos muitos para se rearmar a tropa fandanga, a mesma engrenagem recomeçou. De um lado, lá continuavam os alemães e em frente quem havia de estar, os mesmos da guerra anterior, Portugal não, valha-nos isso.

Mas desta segunda guerra pode-se dizer que ela foi de facto quase mundial, porque no jogo entrou um novo comparsa vindo de bem longe da Europa e que, em matéria de beligerância, não ficaria atrás dos nazis europeus da Alemanha. Lá vieram então os comparsas militaristas fascistas japoneses, marchando em ordem a partir do sol nascente.

Conquistaram praticamente toda a Ásia quase até à Oceânia. Conquistaram, ocuparam, com requintes terríveis, não quero falar disso.

Acabou essa guerra mundial e no dia seguinte tivemos direito a novo projecto de guerra também à escala mundial. Embora não passando de projecto, esta acabou por ser uma guerra mãe de muitas guerras. Guerra fria mas não frígida.

Para alimentar a guerra dita fria, falava-se muito do perigo de uma terceira guerra mundial, muitos europeus viviam nesse pânico. Mas na Europa, à parte os episódios da Polónia, da Hungria e da Checoslováquia, praticamente não aconteceu nada, caiu o muro de Berlim e aparentemente acabou a ameaça de terceira guerra.

Estamos agora noutro século, já não há a guerra fria, mas durante estes últimos anos, não têm faltado outras guerras, guerras com armas ultra-sofisticadas, armas que matam muita gente, principalmente civis. Iraque, Afeganistão, também não me apetece falar disso.

Apetece-me antes falar de uma nova guerra mundial, que já está no terreno mas cujos comparsas e inimigos ainda são mal conhecidos. Da primeira fase desta guerra, a qual está contida nas fronteiras da velha Europa, começam a ser conhecidas algumas das potenciais vítimas.

No rol dessas vítimas, plantados aqui neste pacífico rectângulo do litoral supostamente europeu, cá estão os portugueses. Lá está também outra gente periférica como nós, os nossos “compatriotas” gregos e irlandeses, que vivem em ilhas. Nós não somos diferentes, é que a península onde vivemos sempre foi uma ilha.

Esta nova guerra poderá vir a ser mundial, mas para já ela é apenas europeia. Mas, como provavelmente virá a ser mundial, ela não vai durar apenas quatro ou cinco anos. E, no meio da engrenagem já em marcha mas que nos escapa, nós pobres ilhéus, periféricos, pigmeus da grande união europeia estamos na primeira linha da infantaria que é mandada para a batalha, nós somos apenas carne para canhão. Paz às nossas almas.

Alguém nos designou para essa primeira linha desta guerra. Supostamente, são as agências de rating, rostos invisíveis que parecem ser os maus da fita. Desconfio desta versão.

Acredito que estamos no início duma guerra que não é propriamente mundial, ela é global, a escala é outra.

E, por detrás dessa guerra há como de costume estrategas nos seus gabinetes comandando os seus exércitos. Os empregados das agências de rating fazem parte desses exércitos.

Quem são os aliados e os inimigos nessa guerra?

Guerra entre ocidente e oriente, entre pacífico e atlântico? Poderá não ser uma guerra de fronteiras, uma guerra geográfica, não é provável que se trate duma coisa desse género.

O que sei é que a Alemanha está metida nisto.

Já lidera a Europa CEE, conseguiu anular o Sarkosy que é um inútil vaidoso, uma espécie de Daladier, e vai submetendo segundo um plano pré-estabelecido e por ordem de fraqueza, um a um, os países do euro. Depois, tratará dos outros.

As agências de rating estão a fazer um óptimo trabalho, nessa tarefa de arrumar os vassalos da Alemanha com os pecs, artilharia pesada.

A Alemanha prepara-se, assim, para a guerra global, está na fase Karajan, a orquestra tem que tocar afinada.

Mas, esquecer a própria história é sempre complicado e a velha Alemanha continua com dois velhos problemas e nos seus sonhos de glória wagneriana continuarão a pairar dois espectros, de nome Inglaterra e Rússia. Canal da Mancha mais estepes geladas, perguntem ao Napoleão e ao Hitler.

No rol das preocupações estratégicas alemãs, qual é então o inimigo? A China, obviamente. A China já esteve mais longe.

Imagino que todas as guerras nasçam sempre com um plano secreto, a coisa é demasiado séria, não pode ser deixada a amadores, a diletantes. Não percebo alguma coisa de guerras, nunca estive em nenhuma, nem dum lado nem do outro.

Li o Clausewitz, talvez tenha percebido algumas coisas.

Esta guerra que se perfila no horizonte e cujos conspiradores parecem ser as agências de rating de que nos fala a televisão, esta guerra está a chegar ao meu bairro mas ninguém se dá conta do que se está a passar. Entre surdas queixas, as pessoas vão-se esforçando por não dar demasiada importância ao que vão ouvindo aqui e ali.

Desconfio, no entanto, que muitos dos meus vizinhos estarão a tratar das coisas para se mudar para outro continente. Não se sentem seguros por aqui, estão muito desconfiados, a maior parte não acredita nem nos políticos nem nos banqueiros, nem nas tretas da televisão. Pressentem que não têm futuro, não há nada pior.

Penso que não têm razão, deveriam ficar, juntar-se, discutir, informar-se, a terra dos nossos pais, a terra dos nossos avós, a terra dos nossos filhos merece sempre que lutemos por ela. Não é porque sejamos melhores ou piores.


É por dever moral, por imperativo categórico, diria o Kant. Imperativo categórico contra os imperativos que fazem mover os senhores da guerra.