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terça-feira, 29 de março de 2011

NOVO REGIME, CLARO



Hoje, ouvi o Ricardo Salgado (Espírito Santo), que é o homem mais poderoso deste país, declarar a uma televisão estrangeira, em inglês língua de banqueiros, que a última vez que Portugal entrou em insolvência foi há muito tempo, foi em 1890.


Alguém lhe deve ter soprado isso ao ouvido, não acredito que o homem estivesse ao corrente, não me parece que tenha tempo para pormenores desses.


Mas, porque é banqueiro, o Salgado não quer que andem para aí a falar da dívida soberana e do endividamento externo de Portugal nem de falências e foi à tal televisão mandar o seu recado aos credores do grande e iníquo universo das finanças e dos mercados internacionais. Estava no seu papel, não o vou censurar por isso, além disso ele não mentiu.


1890 não é um ano assim tão distante, mas é um ano fatídico principalmente por causa da tal insolvência do Estado português e de todas as misérias que trouxe. É também o ano do ultimato inglês e da submissão de Portugal ao velho “aliado” e o ano do princípio do fim do regime monárquico.


É verdade que foram ainda precisos mais 20 anos para a República chegar a Portugal, mas a verdade é que nesse fatídico ano o velho regime dos reis de Portugal e dos Algarves chegou ao fim.


Foram comemorados há poucos meses os primeiros cem anos da dita república, cem anos, quarenta e oito dos quais pertencem a um regime que, embora continuasse oficialmente a ser republicano, não tinha nada a ver com os ideais das chamadas repúblicas laicas e modernas, sendo, pelo contrário, um regime ostensivamente e deliberadamente anti-moderno.


Um regime que se impôs e se incrustou na história do século XX por causa do problema crónico da insolvência do Estado português e que teve durante muitos e tristes anos à sua frente um homem providencial, que aparentemente percebia de finanças.


Em geral, a história não costuma repetir-se, mas muitas vezes ela assemelha-se à portuguesa pescadinha, de rabo na boca.


Ultimato inglês e insolvência em 1890, proclamação da república jacobina e lisboeta em 1910, segunda república fascista e católica em 1910, terceira república pós-colonial e europeísta em 1974, tudo isto aconteceu alternadamente em Portugal no espaço de 120 anos. Já é uma história longa, com muitos protagonistas e muitas cumplicidades entre elites quase sempre incompetentes e/ou corruptas, povo e ou/eleitor cansado e/ou distraído, ignorante e/ou incompetente. Assinalem com uma cruz.


Olhando o que se está a passar agora neste ano da (des)graça de 2011, é natural o rapprochement, o que é provável é que os episódios da histórica alternância política deste último século e um quarto se vão continuar a reproduzir no presente e no futuro, não necessariamente pela mesma ordem.


Certo e seguro é que, para já, o espectro do défice e da insolvência está bem vivo no imaginário e nas preocupações colectivas de um país à beira de um ataque de nervos.


Única consolação nestes tempos quase esquizofrénicos, é que, tenhamos medo ou não de fantasmas, enquanto o pau vai e vem folgam as costas.


Mas, com fantasmas ou sem eles, não escapamos a ser confrontados com aquela que é a única e verdadeiramente séria questão política da nossa actualidade: qual é e quando será o próximo regime?

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