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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

ANNIE GIRADOT




Vi a Annie Girardot em muitos filmes. Girardot morreu hoje com quase 80 anos, sofria já há algum tempo de Alzheimer. Nunca a esquecerei.

Girardot não era Bardot, nem Deneuve, nem Moreau. Há comparações que não vale a pena fazer.

Girardot era uma francesa classe moyenne no melhor sentido do que é a classe média francesa, gente de espírito crítico, gente pronta para ser rebelde, de humor cáustico, de resposta fácil, gente inteligente, gente que não se leva a sério, mas gente que está sempre pronta para o que der e vier, gente com talento mas que não tem privilégios sociais. Gosto dessa gente. São pessoas que vêm para a rua quando é preciso, que protesta, gente que sorri, quase sempre gente solidária. Gosto dessa gente.

Mas não é apenas por isso que gosto desde há muitos anos da Annie Girardot. Ela era uma grande actriz e para mim isso é argumento de peso para gostar de alguém.

No sorriso de Annie Girardot, nos desafios do seu olhar quando eles nos olhavam no écran, a mulher que ela era lá bem dentro de si mesma, essa mulher não desaparecia, ela continuava lá, a personagem mudava mas ela continuava lá. Girardot era John Wayne. I like John Wayne.

Quando hoje soube a triste notícia, os meus neurónios ligaram-me à velocidade da luz a um filme.

Um filme de 1960 que é uma hora de glória para muita gente, filme de glória para os que o fizeram, para todos quantos nele participaram. E também hora de glória e de felicidade para todos aqueles que tiveram o privilégio de o ver.

Rocco e i suoi fratelli é um sommet da sétima arte, um sommet da arte de Lucchino Visconti ecco l’uomo. Lucchino Visconti, metteur en scène de Maria Callas no Scala de Milão, Luchino Visconti metteur en scène dos pescadores de Terra Trema, Luchino Visconti aristocrata de Senso. Luchino Visconti.

Rocco e i suoi fratelli é uma tragédia naquele sentido original, grego. Mas pode-se acrescentar a esse sentido que a catástrofe em causa é também uma tragédia sociológica, a lista dessas catástrofes é aliás muito extensa mas a sociologia não é uma arte.
Rocco não tem nada a ver com aqueles manuais chatos, com os seus chavões estafados, modernização, urbanização, imigração, êxodo rural.
Rocco são as desgraças dessas coisas, desse chavões, mas não é sociologia, é arte, é conhecimento íntimo de sentimentos, de destinos com pessoas à mistura, é testemunho da humanidade que nos vai passando diante dos olhos e de que em geral nós não nos damos conta. Mais tarde talvez, mas muitas vezes já não vamos a tempo.
Rocco, testemunho sobre a perda dos lugares de origem, infância, adolescência, tios, pais, tias, primos, primas, brincadeiras na rua, testemunho irreparável sobre a inevitábel dissolução das famílias em lugares pequenos que não têm futuro, sobre a solidão dos que perdem o rumo quando são obrigados pela força das desgraças que lhes acontecem e que eles não sabem, não percebem como é que lhes caíram em cima, quando eles são obrigados a viajar para um lugar desconhecido de gente desconhecida e que quando, depois de chegarem, são apanhadas inocentes na engrenagem da destruição que os espera com aqueles que estão lá à espera no seu papel de exploradores de mão de obra barata pronta a sacrificar-se se necessário. O senhor dirá, dizem as vítimas.

Alain Delon, no papel mais extraordinário que alguma vez teve na sua extraordinária carreira é o agnus dei em nome da família Rocco vinda do Mezzogiorno para o mundo cruel e desconhecido da grande cidade capital do Norte e da Itália, Milão, cidade capital da ópera, Verdi, Puccini, Callas and so on.

Delon é o anjo sacrificado, em todo o esplendor de um destino sem remissão, talvez salve a sua família mas não consegue salvar a sua amada.

A sua amada, a principal vítima desta tragédia é Annie Girardot, vítima sublime, actriz rara. Por detrás da câmara estava Luchino Visconti. Ecco l'uomo.
Nos compassos da tragédia de Rocco/Delon e de Nadia/Girardot ouço os compassos da música de Nino Rota. Compassos pungentes, podem crer, ouçam o filme.
I love Annie Girardot.

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