PEDALAR É PRECISO!

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

LIÇÕES BRITÂNICAS SOBRE AS CRISES DE SOBERANIA


Os resultados da cimeira europeia de 9 de Dezembro, apresentada por Sarkozy como a cimeira da última oportunidade, suscitaram uma torrente de comentários entusiásticos. Pareceu-me tudo um bocado forçado e prematuro.


Passado o fim-de-semana, a maré dos encómios parece ter arrefecido.


Na segunda-feira, as bolsas avermelharam, na terça continuam vermelhas.


Ainda na segunda-feira, o provável próximo presidente francês François Hollande veio declarar quase solenemente que, se for eleito, vai renegociar aquela coisa que foi acordada na dita cimeira, sob imposição da Alemanha, coisa que não é um tratado, mas que alguns insistem em designar como tratado inter-governamental, como se tal coisa existisse.


Mas a nota dominante do pós-cimeira foi a grande ofensiva mediática contra o Cameron inglês. O próprio vice-primeiro-ministro inglês liberal malhou no homem.


Tudo muito sintomático do clima de medo e de pânico a que chegaram os euro-entusiastas.


Propaganda anti-inglesa à parte, ainda não se sabe quantos países é que afinal vão assinar a tal coisa. São 26 ou, afinal apenas 23, ou, sabe-se lá, talvez menos?


O que é que se deve reter de toda esta história de cimeiras da última oportunidade? Por mim, vale a pena reter principalmente algumas lições britânicas.


Primeira lição: quando, no início do século XIII, o parlamento inglês impôs a Magna Carta ao rei João Sem Terra, ficou então assente que ninguém, seja quem for e quaisquer que sejam as circunstâncias, está mandatado para exercer o principal acto de soberania de um país, o qual consiste em fixar e aprovar impostos. E ficou escrito que tal acto pertence exclusivamente ao parlamento.


Na circunstância da dita cimeira de 9 de Dezembro, poderia o primeiro-ministro inglês, Cameron or not, convidar a doutora chanceler alemã Merkel para ser ela a decidir sobre o orçamento do Reino Unido, país que teve o privilégio histórico de impor há oito séculos a Magna Carta ao Joãozinho sem terra?


Segunda lição, que não foi devidamente ponderada, apesar do actual desastre resultante de anos e anos de fantasias comunitárias europeias.


Os mandões da chamada união europeia, cujo aparelho de propaganda desencadeou uma operação sem precedentes contra o primeiro-ministro inglês, deviam dar-se por felizes por terem o Cameron em Downing Street. É que, no limite a que as coisas chegaram e face ao que pensa a opinião pública britânica, ele é o único político que tem neste momento capacidade para impedir que o United Kingdom saia da tal de união europeia.


Porém – e essa é a grande, a verdadeira grande questão - resta saber de que união se trata.


A ocasião é propícia para se debater, pela primeira vez discute-se a Europa. Debata-se, então, a Europa, ou seja, passemos das abstracções que nos têm sido impingidas pelos burocratas de Bruxelas ao longo dos anos e pensemos a Europa real.


A Europa não existe, existem várias e elas são todas muito diferentes. Existem interesses comuns? Existem alguns, claro, esqueçamos as guerras. O principal e óbvio interesse comum inter-europeu, o interesse decisivo é o comércio.


O comércio não envolve apenas transacções de coisas e de serviços, o comércio tem a ver com pessoas e com culturas, ele é a mais pacífica e profícua das actividades inventadas pelos homens. Sejamos, pois, realistas, apostemos no comércio entre europeus como base para um entendimento pacífico entre as nações do velho continente. Aprofundemos esse entendimento em bases sólidas.


Terceira lição inglesa, consequência da anterior. Os british estão muito interessados em pertencer a um conglomerado europeu, que dantes se chamava Mercado Único Europeu e que depois derivou para perigosas fantasias, a mais perigosa das quais é a chamada moeda única, o fatídico euro.


Estão interessados em comerciar com os outros europeus, mas não prescindem da sua moeda. Estão interessados em manter relações económicas e culturais com os seus vizinhos do continente, mas não aderiram nem vão aderir ao chamado espaço Shengen.


Talvez outros países queiram ter entre si uma moeda comum, talvez não se importem de abrir as suas fronteiras. Entendam-se, aprendam a conhecer-se. Mas, para isso, não é preciso fundar um bloco granítico, estilo império germânico.


O Cameron e a maioria dos ingleses estão interessados na convivência com o pessoal do “continente”, mas não querem blocos, querem continuar a ser british, não querem patrões. Querem continuar livres e soberanos.


Nunca renunciarão aos princípios básicos da democracia moderna que eles fundaram.


Continuam a ser uma peça-chave da liberdade dos povos europeus e, por isso, de algum modo todos os europeus se devem sentir ingleses. Os europeus com memória continuam a reverenciar Winston Churchill.


Esperemos que os povos do continente apreendam a lição da democracia britânica e não se deixem intimidar pela polícia germânica.


Polícia germânica, vem a propósito para um último comentário.


Talvez a cimeira de 9 de Dezembro tenha sido a da última oportunidade.
Da última oportunidade para a Alemanha, entenda-se.


A chanceler Merkel conseguiu nessa reunião do tudo ou nada exactamente tudo o que queria, impôs a sua vontade, esticou a corda até aos limites. Penso, no entanto, que foi uma jogada demasiado arriscada, que poderá virar-se contra os interesses da vontade de poder germânica.


A disciplina, as invasões de soberania e as punições impostas pelos alemães vão ser um fiasco. A disciplina alemã não vai resolver a crise chamada de dívida soberana, que na realidade é uma crise social que não contempla últimas oportunidades para muitos e muitos desgraçados. Vai provocar revolta e miséria, miséria e revolta. Belo cocktail!


Falhando a disciplina alemã da última oportunidade imposta aos países europeus com a corda na garganta, o que é que tem a Alemanha para oferecer? Terá um plano B (C, D…)?



sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

GOD SAVE THE QUEEN!


Quatro da manhã, hora fatídica, apareceu-me o Sarkozy na televisão. A culpa não será apenas da insónia propriamente dita. Porque cada insónia tem a sua explicação. Talvez tenha que desligar na minha cabeça o interruptor das cimeiras da chamada união europeia. Porque daí não sai nada que valha a pena e muito menos coisa que substitua uma noite de descanso.


Lá estava o Nicolas dos anúncios do licor beirão, em Bruxelas eram cinco da matina, o homem tinha um ar cansado mas estava perfeitamente desbarbeado e penteado, imagino que terá também sido massajado, ser presidente tem exigências mas também as suas compensações.


Estava em Bruxelas e apareceu no ecrã emoldurado pela bandeira francesa tricolor, parecia que estava em casa. Nos últimos tempos, esta cena tem-se repetido, ele com a bandeira tricolor ao lado a explicar o inexplicável e a defender tudo e mais alguma coisa e o seu contrário.


No meio da minha insónia, esforcei-me por perceber o que é que o homem tinha de importante para anunciar.


Respondeu a muitas perguntas de jornalistas, repetiu-se, mas as perguntas que eu gostaria de lhe fazer não tiveram resposta.


Sobre o reforço do papel do BCE e sobre as euro-bonds, o homem não foi explícito.


Deixou cair a certa altura que o BCE ia passar a emprestar directamente dinheiro aos bancos europeus à taxa de 1% e que esses bancos poderiam comprar dívida aos respectivos governos, o que obviamente teria inúmeras vantagens, em particular a de por à disposição dos governos em dificuldade taxas de juro muito mais favoráveis do que as que são praticadas pelos famigerados mercados.


O Nicolas disse isto entre as quatro e as cinco da manhã, hora portuguesa, mas esta versão não foi confirmada por mais ninguém. Deve, pois, ser treta explicável pelo adiantado da hora.


Nesta sexta-feira negra anunciada como a da salvação do euro, o que eu ouvi, algumas horas depois da performance sarkosiana, é que o BCE ia emprestar até 200 mil milhões de euros ao FMI, para que, na posse de tão extraordinária quantia, essa venerável instituição se digne impor a alguns países europeus em dificuldades a oportunidade de se submeterem às draconianas condições, incluindo taxa de juros, do fundo da sra. Lagarde, sucessora do saudoso DSK.


Ò Sarkozy, apesar de devidamente escanhoado e maçajado às 5 da manhã, hora de Bruxelas, não conseguiste, em directo para as televisões, disfarçar que estavas mesmo chateado. Tinhas razões de sobra.


Chateado, impotente e a fazer um triste papel.


É inevitável, a cimeira desta negra madrugada de 9 de Dezembro de 2011 vai ser uma triste recordação para ti, Nicolas.


Repara bem, a doutora em Física, ex cidadã RDA e actualmente chanceler alemã Angela Merkel conseguiu obter nesta infernal cimeira aquilo que nenhum outro chanceler alemão seu antecessor conseguiu. A mulher tem mérito, conseguiu pôr a Europa de joelhos. E tu ajudaste, Nicolas, é o teu karma!


Repara bem, Nicolas, não houve propriamente nada de novo quanto aos tratados europeus de que tanto se tem falado.


O que foi decidido nesta madrugada negra quanto ao essencial das punições, regras e consequências para quem não cumpre os pactos de estabilidade e crescimento, vulgo PEC’S, tudo isso já está previsto no tratado de Maastrich, cidade holandesa de triste memória.


Os primeiros e únicos que prevaricaram contra esse tratado foram, aliás, a Alemanha e a França.


Resumamos, Alemanha e França têm esta tradição de países com aspirações imperialistas que é a de imporem regras e castigos aos países menores que não sabem obedecer às regras. Obviamente, essas regras não são aplicáveis a quem tem autoridade para mandar.


O que é que há então de novo no novo projecto de tratado?


O que há de novo é que quem assinar o dito tratado vai assumir explicitamente e sem qualquer margem para dúvidas que doravante se submete ao domínio germânico sobre a Europa. Passa a haver uma lei, a lei de Berlim e em breve a língua dominante passará a ser o alemão.


Percebo que estejas chateado, Nicolas. Tens andado a fazer figura de parvo e, nas próximas eleições, em Abril vai-te acontecer o mesmo que aconteceu ao Lionel Jospin em 2002, quando ele ficou atrás do LePen e não foi à segunda volta das eleições com o Chirac.


Talvez porque estava apanhado no meio da minha insónia televisiva, tive a sensação de que havia muitas coisas importantes que estavam a acontecer e sobre as quais não conseguia encontrar explicação. É natural, a televisão é apenas uma mise-en-scène para durar meia hora, é coisa que se usa e logo a seguir se deita fora, prazo de validade efémero.


Mas, antes de voltar a adormecer, ficou a trotar na minha cabeça uma questão óbvia.


Os países que vão assinar, até Março, o tal de novo tratado – que, de facto, não é novo – aceitam ser punidos por incumprimento das regras estipuladas pelo tal tratado – regras que já existem desde Maastrich. As punições poderão ir desde o pagamento de multas até a perda de direitos de voto e coisas no género.


Mas o que é que acontece se um determinado país chegar à conclusão que já não está interessado em continuar no euro ou na UE?


O tratado é omisso sobre essa hipótese.


Quando foi da história do referendo grego do Papandreou, a Merkel e o Sarkozy deram a sua sentença: se a resposta grega fosse desfavorável, os gregos tinham que sair do euro. Ora isso, não estava previsto nos tratados e o primeiro a chamar a atenção para a incongruência franco-germânica foi o novo presidente do BCE, o italiano Mário Draghi.


O que é que diz o novo trado sobre isso? É omisso, ou seja, se assinas o tratado germânico-francês, sujeitas-te para toda a vida a andar a pagar multas e a ser escravo, sem direitos, só obrigações, só punições. Ou obedeces, ou és invadido e ocupado.


A União Soviética, ao pé disto, foi um império democrático.

Por outras palavras, saberão os países europeus, que não pertencem à elite dos países nórdicos virtuosos que, no momento em que assinarem o supostamente novo tratado, estarão a assinar a sentença de morte da sua liberdade e da sua soberania?


Perceberão que essa assinatura não lhes deixa qualquer margem de recuo em relação às imposições do euro e da ditadura germânica?


Não, a maior parte dos representantes dos países que estiveram na cerimónia da sexta-feira negra de Bruxelas não conseguem ou não querem perceber, fazem cálculos, fantasiam, para eles o euro é uma espécie de pai natal, acreditam, fazem sorrisos parvos.


Ò Nicolas, fizeste um triste papel e tens consciência disso.


Mas, o que te custou mais a engolir foi que o Cameron inglês te tenha mandado dar uma volta a ti e ao teu tratado germânico. Será que pensaste em Vichy e no Pétain?


O Cameron é o Cameron, é a burguesia conservadora britânica, a da Thatcher. Deus lhes perdõe.


Mas, no transe que estamos a viver neste para já desgraçado novo século e milénio, tal como em 1939, do que precisamos é duma frente de recusa de ditaduras continentais e de neo-fascismos.


Valha-nos, pois, a velha Albion. God save the Queen!




segunda-feira, 28 de novembro de 2011

FERIADOS E LITURGIAS DE SUBMISSÃO


Esta história dos feriados que o governo quer abolir é uma triste história. Triste história dum país cada vez mais triste.


Temos um governo de direita dura, direita duramente neo-liberal. Há muitos governos desses por aí, por essa Europa à deriva e à beira do abismo do default.


Ainda hoje uma das célebres agências de salteadores internacionalmente reconhecidas e receadas, a Moody’s, veio anunciar que o tal de default, falência, bancarrota, falta de dinheiro é o que quer dizer a palavra inglesa, o tal default ameaçava toda a zona euro, incluindo obviamente a Deutschland über alles.


A Moody´s não mencionou explicitamente os outros 10 países europeus da ex-CEE. Esqueceu-os, mas não devia esquecer, porque esses países estão todos na bicha (passe a palavra) do tal de default. Como por exemplo, a Inglaterra e a Hungria, já para não falar da Roménia e da Bulgária, mas estes são países onde 99% da população há muitos anos vive na miséria do default, ou seja, gente que não tem que comer. Adelante.


Temos então o nosso democrático governo de direita, fidelíssimo governo de sua majestade frau Merkel, ela diz mata-se, o Coelho diz esfola-se (credo, sr. Coelho, que raio de ideia!). A sra. Merkel é contra os eurobonds, o sr. Coelho acrescenta: abaixo essa perigosa heresia! A sra. Merkel bate com o punho na mesa, o BCE apenas tem que se preocupar com a inflação e a estabilidade dos preços, o sr. Passos aplaude desmedido e eufórico.


A CGTP e a UGT organizam a greve geral, muito povo segue, muito povo luta e até alguns vêm para a rua, o sr. Coelho não fica nada preocupado, sente que tem o dever cumprido, é um bom aluno mais merkelista e troikista do que os seus patronos.


Mas tudo isto, esta história da euro-zona, da UE, está tudo a ir na enxurrada duma tempestade tsunâmica que ninguém já consegue evitar, nem o Obama, nem a Merkel, nem o Monti, nem o fantasma do Mao Tse Tung. E nada do que se passa aqui neste Portugal à beira do mar da palha e do fado património “mundial”, nada é relevante, tudo o que vier a acontecer vai acontecer vindo de fora. Vai vir de onde? Sabe-se lá? Do Olimpo dos deuses do rating, da especulação, da ladroagem, aceitam-se apostas.


Quantos viverão para contar tal história só digna de Ulisses e de Homero?


O primeiro-ministro português impõs o seu orçamento made by the troika, discutiu-se, mas só se falou dos cortes dos subsídios de natal e de férias, falou-se dos cortes contra os quais o novo líder do povo da esquerda popular e democrática PS concentrou os seus esforços tácticos de político que quer sobreviver.


Mas não se falou do resto, dos cortes na educação, na saúde, na cultura, nos transportes públicos and so on e principalmente esqueceu-se o mais importante: por que hão-de ser os reformados e os baixos salários a pagar a crise?


Trabalham ou trabalharam pouco, trabalham ou trabalharam mal e, por isso, têm que ser castigados?


A classe dominante tem todos os poderes, não apenas o de ter muito dinheiro e muito poder sobre o dinheiro, sobre os empregos, sobre os benefícios, sobre os tachos, sobre os subsídios, sobre as derrogações aos planos municipais para favorecer os amigos que querem construir um pequeno empreendimento turístico em zona ambiental protegida.


Têm esses e muitos outros poderes, mas de todos o mais criminoso é o que consiste em conseguir convencer, através das suas televisões e outros mass media, aqueles que são a maioria da população, aqueles pobres desgraçados, que trabalharam uma vida inteira, que mal ganhavam ou mal ganham para se sustentarem a si próprios e à sua família, conseguir convencê-los que eles não trabalham ou não trabalharam o suficiente.


Convencê-los que eles são os responsáveis do “empobrecimento” de que nos fala com voz meiga o sr. Coelho primeiro-ministro, e que, assim sendo, têm que se esforçar e que se sacrificar muito mais.


Que poder o dessa gente que apenas tem sabido roubar e explorar, o poder de serem capazes de conseguir que os desgraçados que exploraram e que continuam a explorar se deixem convencer e assumir que têm a obrigação de aguentar e de se sacrificarem mais ainda. Tenho assistido a exemplos disso na televisão. Grau máximo da ignomínia.


Têm que trabalhar mais tempo, é isso, têm que se sacrificar muito mais, Deus é grande!


Mais meia-hora diária, talvez uma ou duas horas daqui a uns meses, o patrão agradece, obrigado sr. Coelho!


Trabalhar mais dias por ano, ter menos feriados, menos pontes.


Acabe-se, pois, com os feriados.


Triste história, diria triste fado, este dos feriados.


Vivemos num estado laico, mas é um estado laico com muitas excepções vaticânicas.


Nas cerimónias oficiais, lá temos quase sempre numa mesinha ao lado mas em cima do palco o sr. Bispo da diocese ou o sr. Cardeal. Tudo como no tempo do dr. Salazar.


Dos mesmos tempos, herdámos o Dia do Corpo de Deus – alguém sabe o que é que isso quer dizer? – e o dia da Nossa Senhora da Assunção (15 de Agosto). Nesse dia de ferragosto, pico do Verão, o povo fica a olhar para o céu tentando vislumbrar o foguetão que leva os anjos que seguram a Nossa Senhora em direcção ao céu. Valha-nos a Virgem Santíssima!


Nunca percebi por que razão é que em vez deste dia 15 de Agosto, não se celebrava o dia anterior, 14 de Agosto, aniversário da grande batalha de Aljubarrota, que selou para sempre o destino de Portugal.


Em Dezembro temos mais um feriado religioso, em que se comemora a mesma senhora santa da dita assunção.


Mas nesta data, a santa senhora chama-se Senhora da Conceição. Conceição, concepção, nunca percebi como é que a mãe de Jesus Cristo conseguiu ficar grávida no dia 8 de Dezembro e dar à luz passadas pouco menos de duas semanas. O Papa é infalível, deve ter uma resposta.


A esta lista de feriados religiosos acrescem ainda a sexta-feira santa e a Páscoa (mas este é um feriado que calha sempre ao domingo), o dia de Natal e o 1º de Janeiro que também é um feriado religioso, dia da paz ou coisa parecida.


Todo este calendário de feriados religiosos já vem muito de trás. Não tenho nada contra, nada contra o direito à preguiça, como diria o ilustre Paul Lafargue, ilustre genro do ilustre Karl Marx.


Mas, se querem acabar com os feriados e castigar o desgraçado povo que trabalha todos os dias úteis do anos, castigá-lo com a sem esperança de um pequeno feriado de tempos a tempos, então acabem com todos os feriados religiosos. Deixem-nos apenas o Natal, pois, além de feriado religioso, é um dia feriado que alimenta muitos empregos.


Mas, atenção srs. vassalos da Frau Merkel, não toquem nos feriados civis. Pequena excepção: porque se trata de um feriado concebido para que a nomenklatura que nos explora se possa pavonear em nome da nação que eles desprezam, não tenho nada contra que acabem com o 10 de Junho, dia da raça, Cavaco dixit, dia de Camões e de mais não sei o quê.


Nos tempos que correm, tempos de abismo euro-europeu, com as fronteiras que de novo de vão fechar e de nacionalismos à solta, não nos retirem os símbolos da nossa independência e da nossa identidade, não toquem no 25 de Abril nem no 1º de Maio. E, em homenagem à República laica de 1910 deixem em paz o 5 de Outubro.


Quanto ao 1º de Dezembro, dia da restauração, mais do que nunca se impõe que se mantenha esse símbolo da nossa sofrida história, para que continuemos independentes e orgulhosos da nossa soberania.


Se querem ir mais longe na memória do país mais antigo da Europa, então substituam o 1º de Dezembro pelo dia 6 de Abril, dia que evoca o ano de 1385, quando o povo português, contra as pretensões do rei de Castela, proclamou nas Cortes de Coimbra o Mestre de Avis como Rei de Portugal e dos Algarves.


A história deste antigo país recordar-vos-á, sr. Coelho e apaniguados, em três linhas de nota de pé de página. Resta-me, pelo menos, essa consolação.





quarta-feira, 23 de novembro de 2011

“NOVO RUMO” OU “RUMO À VITÓRIA”?


A política de esquerda à portuguesa, além de cansativa e demasiado previsível, parece-se cada vez mais com um recreio de escola, com os miúdos a brincarem e a agredirem-se uns aos outros, é verdade que dali não vem mal ao mundo, na pior das hipóteses, vai ficar tudo na mesma.


A esquerda portuguesa, essa é a tradição, está cheia de boas intenções e de ideias gerais generosas. Com alguma frequência e ritmo ao jeito de um baile bem ordenado, lá vão aparecendo os eventos, como agora se diz, em que a dita esquerda manda mensagens supostamente dirigidas ao povo.


Não me estou a referir às procissões que desfilam aprumadas e gloriosas pela avenida da Liberdade abaixo. Gloriosa avenida da gloriosa liberdade!


Procissões sindicais, na maior parte das vezes, procissões partidárias exclusivas do PCP pois nenhum outro partido tem capacidade para se aventurar por um espaço tão largo e interminável.


Procissões de professores ou de indignados cuja metafísica política nos deixa frustrados, porque não sabemos afinal quais são as causas que levam esta gente a vir para a rua atrapalhar o trânsito?


Estou a pensar numa simples folha A4, um daqueles espaços em branco que acabam por ser preenchidos por alguma mente de esquerda subitamente inspirada por uma ideia genial, agora é que vai ser. Gente inspirada, não diria pelo espírito santo, mas suficientemente motivada e disponível para reunir um pequeno grupo de apaniguados, de compinchas decididos a agitar as massas para as grandes tarefas urgentes e inadiáveis.


Tivemos hoje o último exemplo, muito interessante, desta vocação e destino do activismo português de esquerda em prol das grandes causas. O apelo dado à estampa na comunicação social de hoje, designado de Novo Rumo começa por ser um documento sociológico. É encabeçado por Mário Soares e é subscrito por alguns ilustres uns mais desconhecidos que conhecidos, tanto quanto percebi, tudo gente da área socialista, ou seja, afecta ao grande partido socrático da esquerda popular e democrática.


Como qualquer documento político que se apresente como apelo às massas, o tal de Novo Rumo tem ditos e não-ditos.


Imagino a sua factura como o resultado de uma espécie de recreio inter-geracional, com miúdos acabados de sair da faculdade e que esperam tornar-se pessoas importantes altamente consideradas, secundados por gente já mais madura e bem instalada mas que continua a cultivar o hobby de uma sociedade melhor, tudo gente tutelada por alguns seniores sobreviventes e teimosos, senadores que não desistiram de se mostrar, de dar a sua opinião. Com plenos direitos de cidadania, quem é que vai contestar isso.



Além do carácter de óbvio exercício de divertimento recreativo, o documento é uma espécie de pot pourri dirigido às crianças pagãs que frequentam aulas de catequese. Não se auguram muitas conversões à verdade e fé teológicas que são propagandeadas.


“Não podemos assistir impávidos à escalada da anarquia financeira…” proclamam os autores. Olhe que não, Dr. Mário Soares, olhe que não! Como é que vamos deixar de ser impávidos? Tem alguma solução miraculosa contra a impavidez? Olhos os olhos, diga-me lá, o que é que vai fazer para encerrar tal espectáculo? Aviões em zona de exclusão aérea?


Percebi que o que preocupa os autores do apelo é principalmente que tal anarquia coloque “em causa a sobrevivência da União Europeia”. Criticam a dita união por ter acordado “tarde para a resolução da crise monetária, financeira e política em que está mergulhada”.


Tais preocupações são-me totalmente indiferentes, estou-me completa e definitivamente nas tintas quanto ao eventual futuro da união soviética europeia. As razões de tal indiferença já aqui foram explicadas, porventura com demasiada insistência.


Ò Dr. Soares, wake up! Dos políticos europeus no activo. V. Exa. é um dos últimos que teve a oportunidade de frequentar e de conhecer, diria eu intimamente, alguns dos principais líderes europeus.


Então, Dr. Mário Soares ainda não percebeu que esta história da crise das dívidas soberanas europeias que tem servido para justificar o cerco político-financeiro aos chamados países periféricos da Europa, tudo isso não passa afinal dum complot da frau Merkel e dos seus apaniguados germano-capitalistas para levar avante o velho sonho germânico para dominar a Europa e, através da Europa, o Mundo? Ainda não percebeu isso ou anda a dormir?


Novo Rumo ou Rumo à Vitória?


Em Abril de 1964, Álvaro Cunhal escreveu para o Comité Central do PCP, o Rumo à Vitória. Dez anos antes do 25 de Abril.


Talvez o Dr. Soares, que foi compagnon de route do dr. Cunhal ganhasse alguma coisa em reler agora este texto cunhalista. Porque isso de rumo, isso é uma palavra um bocado messiânica. Indiscutivelmente era messiânica na mente do líder comunista, acabado de sair da fortaleza de Peniche.


E messiânica continua a ser porque é provavelmente o texto que melhor suporta a originalidade ideológica e política da militância PCP. Uma espécie de bíblia de prosélitos.


Messiânica porque apelava os mais crentes e os menos crentes à luta contra o fascismo.


Contra quem apela agora o Dr. Soares e seus acompanhantes? Contra o capitalismo, contra as agências de rating, contra a frau Merkel?


Leia, Dr. Soares, o Rumo à Vitória, ponha os seus jovens amigos a discutir as teses do Dr. Cunhal. O Dr. Cunhal era marxista-leninista, tinha muitas culpas no cartório. Mas tinha uma qualidade ímpar: o Dr. Cunhal não papagueava, não se limitava a dizer o que lhe vinha à cabeça, estudava, trabalhava muito.


O Dr. Álvaro Cunhal foi até aos dias de hoje o autor das análises mais certeiras acerca da sociedade portuguesa. Mas não se limitou a ser sociólogo, tirou daí consequências e conclusões nem sempre acertadas mas no essencial, em muitos casos, incontestáveis.


Relembremos algumas das coisas que, em 1964, Cunhal escreveu a propósito das consequências da adesão de Portugal à EFTA em 1960 e sobre a eventual adesão ao Mercado Comum (e aqui socorro-me da síntese do meu velho amigo XicoMelo):


— liquidação das pequenas e médias empresas, e cada vez maior domínio da economia nacional por um reduzido número de grandes grupos monopolistas;


— agravamento da exploração da classe operária, com a intensificação do trabalho, com o aumento do desemprego, com a diminuição dos salários reais;


— invasão do mercado interno por mercadorias estrangeiras com as quais as nossas indústrias não estão em condições de competir, com a consequente dependência de todo o nosso comércio externo;


— agravamento da crise da agricultura portuguesa, sujeita a medidas discriminatórias e de desfavor em relação aos produtos agrícolas, acentuando a dependência do comércio externo e piorando a situação económica geral;


— invasão renovada de capitais estrangeiros, interligando-se cada vez mais com o capital financeiro português, reforçando a dominação imperialista.


Tudo isto, claro, como sempre, em nome da concorrência e da competitividade!


Álvaro Cunhal advertia também sobre a eventual adesão ao Mercado Comum: não interessa a Portugal passar do domínio do imperialismo inglês no seio da EFTA para o domínio dos monopólios alemães-ocidentais e franceses no seio do Mercado Comum.


Dr. Mário Soares, o que está em questão não é a procura de “um novo paradigma para a UE”. A UE é chão cujas uvas foram parar principalmente aos bolsos dos ladrões e dos corruptos que afundaram Portugal.


Deixem-nos em paz, não nos chateiem, metam-se na vossa vidazinha de gente rica do norte sem sol e sem clima digno desse nome.


A União dita europeia é uma criminosa utopia ao serviço duma ditadura germânica liberticida e neo-colonialista.


Pode haver outra Europa? Pode, mas terá que ser uma Europa dos povos, sem burocratas, sem chanceleres.


Comecemos por um mercado comum dos países do sul, sem tratados de Maastrich, de Nice ou de Lisboa e sem Comissões de Bruxelas.


Um mercado comum com livre circulação de pessoas e de mercadorias, mas com tarifas aduaneiras e regulação financeira que nos protejam dos abutres europeus, asiáticos e americanos.


Uma união baseada no respeito democrático e que funcione na base da livre negociação e da imprescritível soberania de cada povo e nação europeias.


A velha esquerda não tem emenda, postas de pescada, grandes apelos às massas. Contra quem e a favor de quê?


Na praça Trahir, luta-se pela liberdade e pela democracia, contra os generais e os seus privilégios.


E em Portugal?


Temos amanhã o ritual de mais uma greve geral, vai dar em quê?


Esquerda sem emenda, cansativa e previsível.


quarta-feira, 9 de novembro de 2011

TROÏKAS


As palavras nunca são neutras. Ou têm história ou não têm, ou têm sucesso ou foram completamente esquecidas, ou são sinistras ou são ambíguas, ou são simpáticas, ou...


As palavras desafiam-nos porque mesmo quando nascem do acaso, elas podem atingir significados cuja importância ultrapassa origens porventura modestas.


Nestes infelizes dias de crise da dívida soberana, de austeridade, de cortes de salários, de aumento dos impostos, de desemprego e de miséria, todos os dias ouvimos falar de troïka. É uma palavra de desgraçado sucesso.


É uma palavra russa. Troïka (em russo :тройка) designava um trio de cavalos que puxava uma viatura ou um trenó sobre patins.


Este veículo cavalar apareceu por volta do séc. XVII na Rússia e servia de meio de locomoção no transporte de correio.


A palavra continuou a ser exclusivamente russa durante muito tempo, mas a partir da “grande”revolução leninista, saiu do reino dos cavalos e transitou para o mundo humano dos políticos.


Não foi uma transição pacífica. A palavra passou a ter uma conotação guerreira, significando guerra entre políticos que aparentemente se aliavam em vista dum objectivo comum, mas que de facto procuravam, cada um pelo seu lado, abater os aliados de ocasião.


A palavra troïka passou a designar uma aliança táctica entre três políticos concorrentes à tomada do mesmo poder em situações de vazio de poder.


O primeiro exemplo “moderno” de troïka política foi criação soviética aberta pela morte de Lenine. De facto, nesse processo de sucessão política não houve nada de novo a não ser a palavra russa. Ela veio substituir a palavra triunvirato dos romanos. O mais conhecido desses triunviratos foi a aliança para tomar o poder em Roma, após o assassinato de César, entre Marco António, Octávio e Lépido. É conhecido como é que este triunvirato acabou nas mãos de Octávio, o menos favorito dos triúnviros.


Com a revolução soviética, o significado da palavra troïka ultrapassou definitivamente a época dos correios postais, tornando-se uma forte referência da história russo-soviética, durante os períodos pós-leninista e pós-estalinista.


Em 1923, Léon Trotsky, presumível sucessor de Lenine, foi implacavelmente laminado pela troïka arquitectada por Estaline, composta por Zinoviev, Kamenev e o dito Estaline. Obviamente, pela lógica troïkista, não demorou muito tempo para que chegasse a vez de Kamenev e de Zinoviev passarem à história.


Depois da morte de Estaline em 5 de Março de 1953, gerou-se naturalmente um vazio de poder bastante complicado, com vários candidatos que pretendiam à sucessão do homem dos bigodes, grande benemérito da humanidade.


Formou-se uma primeira aliança, que não durou muito tempo, entre Malenkov que passou a acumular os lugares de presidente do conselho de ministros e de secretário do comité central do partido comunista (PCUS), Beria, chefe do KGB desde 1938 e Molotov, o homem do pacto germano-soviético e durante muito tempo braço direito de Estaline.


Mas em Julho de 1953, Beria é preso e executado não se sabe bem quando.


O homem do momento passa então a ser Nikita Khrouchtchev que se tornará secretário do comité central e denunciará no XX Congresso do PCUS, em 1956, os crimes do estalinismo, o que não o impedirá de ordenar a invasão da Hungria.


A queda de Krouchtchev origina um novo período de instabilidade e facas na manga. Acabará por ganhar Leonid Brejnev, o qual se tinha aliado, primeiro com Kossyguine e Mikoyan e, depois antes de guardar o poder todo para si, substituindo o Mikoyan pelo Podgorny.


Temos então na contabilidade das troikas soviéticas, a primeira que levou Estaline ao poder, a segunda de Malenkov, após a morte de Estaline, que durou pouco tempo. A terceira e a quarta foram as troikas que deram o poder a Brejnev. Podemos ainda falar de uma quinta troika soviética, a aliança também efémera entre Krouchtchev, Bulganine e Kaganovitch, sobre os destroços da qual Nikita solidificou o seu poder de novo mestre do Kremlin pós-Estaline.


Vale a pena falar destas coisas? Why not?


Vivemos uma fase muito complicada e incerta, as referências vão-se perdendo, o que é que está a acontecer? Não é descabido fazer comparações.


Olhemos de perto os personagens que se movimentam actualmente na cena política europeia. Cena pré-apocalíptica de assalto poder.


Este assalto ao poder euro-europeu não se distingue basicamente dos assaltos de Estaline, Malenkov, Beria, Krouchtchev, Brejnev ao poder soviético. É, no entanto, bem mais complexo porque envolve diferentes poderes.


O seu desfecho é muito mais incerto, porque se bem que conheçamos o seu instigador, a incerteza quanto ao desfecho desse assalto aumentou substancialmente.


Não se conhece o desfecho, mas os peões do assalto estão bem identificados.


Temos, no cimo da pirâmide, o instigador supremo, a chanceler Merkel com os seus germânicos acólitos e, a seu lado, o factotum Sarkozy.


Temos a troika institucional propriamente dita que junta o BCE, a Comissão Europeia e o FMI. Três cavalos que puxam a charrete da dívida.


Temos o comité central de Bruxelas, com a Comissão Europeia e o Euro-Grupo dos ministros das finanças do euro, os quais obedecem ao instigador supremo e seus germânicos acólitos.


Temos os plenipotenciários das entidades atrás citadas que, no actual estádio avançado de capitulação dos países atingidos pela chamada crise da dívida soberana, estão a ser enviados pelo comité central de Bruxelas para tomarem conta dos governos da Grécia, de Portugal e da Itália.


Esses plenipotenciários têm nome: Vítor Gaspar, ministro das finanças de Portugal, ex-funcionário do Banco Central Europeu; Lucas Papademos, provável futuro primeiro-ministro grego, ex-vice-governador do Banco Central Europeu; Mário Monti, provável futuro primeiro-ministro italiano, ex-Comissário europeu.


A queda do muro de Berlim acabou com a União Soviética.


Provavelmente, Berlim acabará com a União Europeia.


No fim, se saberá qual destas histórias de troikas foi a menos infeliz.



segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A ESPIRAL DA FALÊNCIA EUROPEIA



No essencial, os perigos da espiral de bancarrota europeia têm-se confirmado nestas últimas semanas. A novidade é que tudo está a ser muito mais rápido do que se imaginava.


Em teoria, pode-se analisar isto e aquilo, deduzir, pensar cenários, tudo teoricamente certo, mas depois quando a realidade se começa a revelar, descobrimos que afinal ela é muito mais dramática e pior do que o que tínhamos imaginado.


Nas últimas semanas, o teatro político europeu pôs a nu de maneira cruel o descalabro das fantasias de união europeia.


As fracturas desse descalabro estão expostas, são claramente visíveis para quem quiser ver.


Uma fractura nova, que andava na penumbra e é agora evidente, é a divisão entre países da zona euro e os países que não pertencem a essa zona. São duas europas dissociadas, que supostamente pertencem à mesma união. Dissociação confirmada pela reunião que os ministros dos dez países que estão fora da zona marcaram para amanhã em Bruxelas na embaixada checa.


Acentuou-se, para além de todos os limites imagináveis, a fractura entre o directório germânico-francês que, sem qualquer mandato, concentrou em si todas as decisões e os outros países da tal união. Perfeita antevisão do retrato do que seria a tão propalada europa federalista.


A fractura entre os países do norte e do sul, que é o essencial de todas as fracturas euro-europeias, tornou-se hoje mais clara com a adesão da França ao clube dos países do sul candidatos à falência.


Chegámos àquele ponto em que a geografia dos destinos geo-políticos europeus se tornou clara e as suas fronteiras perfeitamente cristalinas.


Temos os países do norte que mantêm os seus triplos AAA, países que se mantêm excedentários principalmente graças ao euro e aos seus outros parceiros europeus. Enquanto, eles, países do norte, são excedentários, os países do sul são deficitários, logo bancarrota à vista para esses incómodos parceiros.


Quanto aos países do euro destinados à bancarrota e consequentes e merecidas punições, a principal novidade é que, sem esperar pelo desfecho da crise berlusconio-italiana, a França decidiu reforçar esse grupo. La boucle est bouclée.


Há três meses, a França já tinha apresentado um plano de austeridade e um projecto de orçamento baseado em projecções de crescimento económico que se revelaram totalmente irrealistas.


Hoje, o primeiro-ministro Fillon, em tom solene, veio dar conta de um novo plano de austeridade. Como é extraordinária esta monótona sucessão de PECS, de planos de austeridade dos países do sul!


Fillon falou de bancarrota, de rigoeur, de faillite, tudo palavras proibidas no léxico político francês. Estamos a seis meses das eleições presidenciais francesas, por alguma razão o Fillon foi enviado para o matadouro pelo seu patrão Sarkozy. O marido da Carla Bruni – que mal empregada! - quer ganhar as eleições e sabe que as coisas vão estar cada vez mais pretas…


Temos então na amálgama das grandes manobras pelo poder europeu, de um lado, a lista de candidatos à bancarrota alinhados em ordem de partida, não apenas os candidatos já bem conhecidos que são a Grécia, Portugal e a Espanha mas também os outros dois candidatos teoricamente mais improváveis, candidatos de última hora, a Itália berlusconiana e a França sarkozysta.


Do lado oposto, lá estão, aparentemente imperturbáveis a Alemanha e os seus aliados nortistas.


Entre estas duas matilhas, vão rosnando os países que estão fora da zona euro.


Como é que esta gente se vai entender, depois do divórcio do casal franco-alemão?


Há quem insista em querer controlar a Europa, mas os meios para lá chegar tornam-se cada vez mais problemáticos.


Não admira que, para além da agitação e das encenações mediáticas dos principais tenores, prevaleça a sensação de que tudo parece estar a ficar fora de controle, rumo ao inevitável abismo da bancarrota euro-europeia.



terça-feira, 1 de novembro de 2011

REFERENDO A PEDIR SOCORRO

A notícia do referendo grego foi sentida pelos políticos e governos que mandam no euro e pelos banqueiros e os especuladores que vão acumulando milhões à custa da miséria alheia como um murro no estômago de que aparentemente não estariam à espera.


Ficaram embasbacados, estupefactos, o que, a ser verdade, mostra que essa gente tem andado entretida com brincadeiras muito perigosas.


Tudo o que está a acontecer na cena europeia confirma que a chanceler Merkel, o sr. Sarkozy e os seus pares não passam de políticos de meia tigela, que andam perdidos entre o deslumbramento pelas suas pequenas ambições pessoais e o fascínio letal pelos tubarões da finança que enxameiam à sua volta.


Políticos medíocres, sem visão estratégica, sem capacidade para prever o que é que vai acontecer depois de amanhã ou daqui a um ano. Incompetentes, medíocres, o que é que eu vou fazer, perguntaram eles perante a história do referendo grego.


Ora, esta cena do referendo, o seu contexto e dinâmicas sociais e políticas e respectivas consequências estão à vista desde há muito tempo. Essas cenas já foram, aliás, aqui anunciadas repetidamente.


De que é que estamos a falar?


Falamos do fim do euro, da moeda única introduzida à força, sem qualquer consulta popular e sem estudos sérios que a justificasse. Fim anunciado desde a sua criação.


Falamos da destruição inevitável das economias europeias.


As vítimas desta destruição são agora os países do sul, mas o que se anuncia é um processo imparável a que não escaparão os países do norte que assistem regalados nas primeiras filas da primeira plateia ao massacre dos PIGS.


Ora, são esses países regalados na sua arrogância racista que são os responsáveis pela destruição. Foram eles que, em nome da criminosa ideologia neo-liberal e dos seus pequenos interesses nacionais, impuseram as políticas de austeridade e os PEC’s que paulatinamente têm vindo a destruir a economia e a vida de milhões de pessoas.


Princípio de realidade: cá se fazem, cá se pagam.


Na sua arrogância cega e criminosa, o directório europeu dominante foi impondo, foi exigindo cada vez mais austeridade à Grécia. E, desse modo, o dito directório encostou o Papandreou à parede, não lhe deixando qualquer porta de saída.


Cego e surdo ao que estava a acontecer na sociedade grega, sem qualquer respeito pela dignidade desse país e sem reflectir minimamente sobre as consequências globais dos seus jogos de poder.


Como interpretar o anúncio do referendo grego?


O mais provável é que não vá haver referendo nenhum.


O que me parece indesmentível pela lógica das coisas é que a margem de manobra do primeiro-ministro grego se tornou de tal maneira nula face à pressão dos militares que o homem teve que lançar um SOS sob a forma de referendo dos cidadãos.


Pretende dar voz ao povo, antes que os militares tomem o poder em nome da dignidade nacional e da resistência ao neo-nazismo alemão. Esse é o discurso militar que está na ordem do dia.


Tudo isto era previsível desde há muito tempo.


É a hora da tropa que se anuncia, cena de tragédia grega com o seu cortejo de misérias e o inverno da democracia.


Danke schöne frau Merkel, merci monsieur Sarkozy, obrigado sr. Barroso…


Esperemos que seja o povo quem mais ordena.



sexta-feira, 28 de outubro de 2011

LA CINA È VICINA


Entre os intelectuais europeus e políticos de tous bords e a China maoista, proletária e comunista, criou-se há muito tempo uma espécie de atracção fatal. É uma velha história que não terminou, pelo contrário, ela tem todo o futuro à sua frente.


Em 1967, o italiano Marco Bellocchio retratou com mão certeira o fascínio dos jovens burgueses em crise de identidade pela revolução cultural maoista. Fora do maoismo, pas de salut, era a mensagem do filme La Cina è Vicina.


Sabe-se o que é que deu esse fascínio pelo exotismo maoista, as Brigate Rosse, mortes, terrorismo, crimes, vítimas inocentes. Foi esse maoismo europeu e burguês fascinado pela grande marcha e os genocídios perpetrados pelo Mao e seus subordinados que assassinou Aldo Moro, político demasiado avançado e demasiado honesto para o seu tempo. Político honestamente burguês, alheio às fantasias exóticas dos jovens das boas famílias italianas.


Será que a China deixou, entretanto, de estar próxima do espírito dos europeus que mandam nesta coisa patética chamada união europeia?


Tivemos a cimeira para salvar o euro, a segunda no espaço de menos de uma semana a qual, aliás, esteve para ser a terceira antes da quarta. Parece que, no ballet dos sombrios bastidores da reunião, tudo se terá decidido entre a meia noite e meia hora de quinta-feira, quando os bancos disseram que não iam aceitar o perdão de 50% da dívida à Grécia e as 4 da matina quando a chanceler Merkel veio anunciar que havia um acordo sobre a dívida grega, a recapitalização dos bancos e a multiplicação do valor do FEEF.


Passadas algumas horas, com os primeiros telejornais e as primeiras edições matinais dos jornais, os mercados e as bolsas entraram em euforia. Quantas fortunas, quantos especuladores felizes?


Capitalismo de casino, aqui estamos e daqui não sairemos tão cedo.


Passadas as primeiras euforias, percebeu-se que, afinal, a parte substancial do acordo da madrugada de Bruxelas depende da China.


Com o futuro do euro e da união europeia na corda bamba na tal de cimeira, à beira do abismo, em desespero de causa e à falta de melhor solução, a Merkel, o Sarkosy e o Barroso imploraram os bons ofícios da China maoista. Aconteceu um milagre da mundialização, da globalização, chamem-lhe o que quiserem.


Milagre da declaração de falência do capitalismo histórico nascido na Europa ocidental.


São os novos amanhãs que cantam. Os amanhãs maoistas, a luta de classes acabou, a democracia é uma fantasia burguesa, os indivíduos não existem, apenas conta o colectivo.


Os amanhãs que nos esperam.


Esta cimeira da salvação do euro foi genial principalmente porque fechou o ciclo das fantasias daqueles que no final dos anos 60 eram jovens burgueses fascinados pela revolução cultural e que agora, chegados à idade de razão e das altas responsabilidades, têm a grata surpresa de poderem confirmar quanto os seus devaneios juvenis estavam certos. Confiavam no pensamento do presidente Mao, descobrem agora que o grande profeta continua a ser o grande líder do futuro.


Os povos europeus, os empregados e os desempregados, os pobres e os remediados agradecem a clarividência dos burocratas neo-capitalistas que tiveram a coragem de permanecer fiéis aos seus ideais de juventude.



quarta-feira, 19 de outubro de 2011

AS INIQUIDADES DO ORÇAMENTO SEGUNDO O DOUTOR CAVACO


O doutor Cavaco falou, pelo que percebi a ocasião foi o congresso da Ordem dos Economistas, essa venerável ordem responsável por tantas desordens.


Falou e, pela primeira vez em muitos e muitos anos, concordei com duas coisas que disse, e estou-me a referir à versão televisiva do discurso.


Primeira coisa, que seria aliás óbvia se vivêssemos em tempo de racionalidade e de normalidade política, o que não é o caso da situação presente, o presidente classificou de iníqua a distinção, introduzida na proposta de orçamento para o próximo ano, entre as obrigações fiscais dos assalariados do sector público e as dos colegas do sector privado. Os do público ficam sem subsídios de natal e de férias, na melhor das hipóteses durante os próximos dois anos, o pessoal do privado é “perdoado”.


A iniquidade de tudo isto salta à vista, bravo, sr. presidente, foi muito oportuna a sua intervenção.


O governo e o primeiro-ministro já tentaram justificar esta discrepância de critérios ditados pela metafísica ideia de austeridade, mas o presidente, pelos vistos, não ficou convencido. Dou-lhe todo o meu apoio.


De todas as explicações que os donos do governo avançaram em dias recentes, a única que me parece ter algum substracto é a do dr. Coelho quando ele explicou que os salários dos funcionários públicos são simultaneamente receita e despesa do Estado e que, assim sendo, os ditos funcionários tinham que pagar a dobrar.


Ou seja, presos por ter cão e presos por não ter, os funcionários são a vítima natural de todo o frenesim do orçamento-punição engendrado pela direita portuguesa no poder que quer ser mais troitkista do que a troika. Como perguntaria o Karl Valentim, para esta direita, os funcionários públicos, essa gente, será que não se pode exterminá-los? Ódio de classe? Vá-se lá saber, o dr. Salazar sempre tratou muito bem os seus funcionários.


A segunda observação do meritíssimo presidente, igualmente muito pertinente, refere-se aos sacrifícios que estão a ser exigidos aos reformados, sacrifícios que na sua opinião já foram para além dos limites. Mais uma vez, bravo, sr. presidente!
A questão dos reformados não é coisa pouca, é muito vasta, tem repercussões muito mais extensas e graves e não se resume a um problema de iniquidade, o que já seria muito grave. Vou apenas fazer algumas observações.


Por definição, o reformado sempre foi e parece que continua a ser aquele que já deu tudo o que tinha para dar e que, assim sendo, o melhor que tem a fazer é ficar sentado no seu canto enquanto não desaparece rapidamente.


O reformado não tem sindicato, não tem partido, não tem qualquer peso negocial nem reivindicativo, as pernas pesam demasiado, não vem para a rua manifestar, quando muito sai um bocadinho para jogar uma sueca.


Vítima designada, pois, ao reformado podem-lhe cortar na sopa, podem-lhe tirar os remédios, o médico, o hospital, ele vai continuar sentado no seu canto à espera que o levem para o crematório.


Nos tempos que correm, muita gente aspira a reformar-se porque está cansada, está farta do trabalho e dos chefes, mas não consegue, porque não tem a idade, porque não tem suficientes anos de serviço.


Outras pessoas, pelo contrário, gostariam de continuar a trabalhar, porque gostam do trabalho que fazem, porque não lhes apetece serem atirados para o caixote do lixo, porque se sentem motivados para continuar activos. Mas há uma lei inexorável que impede os funcionários públicos de continuarem, a trabalhar a partir duma certa idade. É a reforma-guilhotina, metes lá o pescoço e a lâmina cai-te em cima.


Essa idade da reforma-guilhotina continua a ser a mesma do tempo do saudoso dr. Salazar. Nessa época a esperança de vida no nascimento era de cerca de 50 anos, hoje é de quase 77 anos para os homens, mais de 82 para as mulheres.


Esta história do aumento da esperança de vida foi, aliás, aproveitada pelo governo do saudoso eng. Sócrates para cortar nas pensões de reforma e aumentar a idade mínima para se ter direito à reforma.


Ao mesmo tempo, o governo socrático desencadeou uma vasta propaganda sobre uma coisa chamada de envelhecimento “activo”, uma coisa cuja principal finalidade era justamente justificar o aumento da idade da reforma. Em resumo, a ideia, vamos lá meus senhores, mantenham-se activos, trabalhem mais anos, isso é bom para vocês e, de qualquer das maneiras não há alternativa, pois que a população portuguesa está muito envelhecida e nós precisamos de gente a descontar para a segurança social, blá, blá, blá…


A questão é que temos aqui vários embustes.


Primeiro embuste, o sr. Sócrates, ao mesmo tempo que nos vinha com esta treta do envelhecimento “activo”, proibiu os reformados da função pública de exercerem qualquer actividade remunerada no sector público.


Segundo embuste, o mesmo sr. Sócrates decretou cortes nas pensões dos reformados, cortes que agora estão a ser agravados pelo governo dos ayatollas troitkistas que tomaram conta disto.


Ou seja e resumindo, esta gente que nos desgoverna e que no seu íntimo de classe dirigente nos despreza profundamente, anuncia aos futuros reformados, mantenham-se activos, trabalhem mais anos, isso vale a pena porque depois vão ter uma bela reforma. Bela reforma, sim, reforma esburacada como o casaco dum mendigo, é este o futuro ao alcance de quem passou uma vida inteira a trabalhar e a descontar para a tal de reforma.


Segundo embuste, diz o sr. Coelho e os seus antecessores e os seus correligionários, desculpem lá, nós achamos que o envelhecimento activo é uma ideia óptima mas, quem estiver reformado não pode continuar a trabalhar.


Denegação do direito ao trabalho, tão simples como isso, discriminação social baseada na idade. Não é cor da pele, não é sexo, é a idade, estás velho, não podes continuar a trabalhar.


E aqui voltamos à tal iniquidade, justamente denunciada pelo nosso presidente, entre gente do sector público e gente do sector privado.


Um reformado do sector público não pode auferir remunerações por trabalho honesto prestado a entidades do dito sector público. Se quer trabalhar, que vá para o privado. Um reformado do sector privado pode continuar a trabalhar onde lhe aprouver. Aliás, nenhuma lei o obriga a reformar-se, a reforma-guilhotina é apenas para os funcionários públicos.


Este ataque aos reformados é sintomático do retrocesso civilizacional que vai tomando conta deste país que um dia fez uma revolução cheia de ideais humanistas.
Os reformados descontaram durante anos e anos, na expectativa de uma vida de lazer e de descanso sem preocupações. Estavam enganados.


Ainda bem que o doutor Cavaco se pronunciou.


Pronunciou-se de maneira muito crítica sobre os limites que, no seu entender, foram ultrapassados quanto a uma área tão sensível como é a dos direitos dos reformados. Área sensível em muitos aspectos, a principal das quais é que a imagem mais forte que pode ser dada por uma sociedade é a que nos é transmitida quanto ao modo como essa sociedade trata os seus seniores.


De maneira igualmente crítica, o doutor Cavaco rejeitou as desigualdades de tratamento entre assalariados do público e do privado.


Não acrescenta nada ao meu juízo acerca dos fundamentos dessa intervenção a eventual hipótese de que as preocupações que hoje exprimiu o sr. presidente, possam ter alguma relação com o facto de o doutor Cavaco Silva ser, além de presidente, antigo funcionário público e actual reformado do sector público.



terça-feira, 18 de outubro de 2011

A INDIGNAÇÃO E OS SEUS LIMITES


Não embarquemos em fantasias.


No último Sábado, 15 de Outubro, tivemos a manifestação dos “indignados”. Desfilaram do Marquês à Assembleia de S. Bento, deviam ser 30 mil, o que não é mau. Há sete meses, a avenida da Liberdade foi calcorreada por cerca de 100.000 peões da “geração à rasca”.


Geração à rasca, indignados, alguma coisa mudou entretanto?


Houve mudanças, claro, há sempre mudanças e nos tempos que correm seria um verdadeiro milagre se tudo continuasse na mesma.


Em 12 de Março, estranhamente havia um ar de festa, uma espécie de happening. A maior parte dos desfilantes, que provavelmente vinham para a rua pela primeira vez, manifestavam-se principalmente contra o Sócrates, ponto final. Palavras de ordem, projectos políticos, ideologias, objectivos? Sequência, consequências políticas? Foi toda a gente para a casa, a maior parte ficou à espera do Passos Coelho, o novo salvador da pátria.


Em 15 de Outubro, o percurso foi alterado, o pessoal marchou em direcção ao Rato e desceu para S. Bento manifestar a sua indignação. Indignação contra quê, contra quem?


Olhei com toda a atenção o desfile, as pessoas com as suas mensagens, pareceu-me tudo muito difuso, à frente da manifestação vinha uma grande cartaz com a fatídica percentagem dos 99% que tem sido brandida pelos manifestantes americanos do ocupy Wall Street, um cartaz proclamava a greve geral, não pagamos, ladrões, metam a troika no cu, quero trabalhar, lista interminável disto e daquilo.


Voltemos ao exemplo americano.


O adversário contra o qual manifesta o pessoal de Nova Yorque é Wall Street, o sistema financeiro americano e as injustiças sociais e a miséria de que são responsáveis. O adversário está perfeitamente identificado, e isso só traz vantagens.


Na década de 1960, os jovens americanos que vinham para a rua eram contra a guerra do Vietname. É sabido que este movimento venceu em toda a linha. Não apenas obrigou o governo do Nixon a acabar coma guerra e a fazer a paz com os vietnamitas, como mudou para sempre a sociedade e a cultura americanas.


Será que o movimento dos que querem agora ocupar Wall Street vai conseguir mudanças tão profundas como as que conseguiram os jovens americanos dos anos 60? Está tudo em aberto, o que é certo é que este movimento de 2011 não vai acabar depois de amanhã e vai, no mínimo, condicionar a evolução da política na cena americana.


Por analogia, perguntemos para nós próprios: qual o peso que poderá vir a ter o “movimento geração à rasca/indignados” na cena política portuguesa?


Primeira dúvida que nos vem à cabeça: trata-se dum movimento social ou dum movimento político?


É uma dúvida aparentemente sem sentido, porque pode haver movimentos sociais sem expressão política, assim como movimentos políticos sem expressão social.


Admitamos então que existem neste momento em Portugal movimentos sociais com uma forte base de sustentação, que tem a ver com a pobreza e o empobrecimento acelerado de vastos sectores sociais, o aumento do desemprego e da precariedade e a falta de perspectivas para a inserção dos jovens numa vida com futuro.


Quando é que esses movimentos passarão a reunir condições para se transformarem em movimentos políticos?


A resposta é simples, essa passagem só acontecerá quando os protagonistas, os dirigentes e actores daquilo que emergiu de repente como um vago movimento informal de massas, descobrirem qual a política que defendem concretamente.


Política no concreto, isso implica em primeiro lugar, identificar os adversários, o que remete na situação actual para se saber quem são os responsáveis pelo massacre social que está a ser cometido em Portugal e no espaço europeu.


Pensar o massacre social, económico e financeiro em Portugal e no espaço europeu. Comecem, então, por aí.


Pensar sobre as responsabilidades políticas de todos os protagonistas que têm gerido esse espaço nas últimas décadas. Pensar acerca dos projectos que estão neste momento em jogo e em confronto perante a iminência das falências em dominó dos países europeus do euro. Pensar sobre o fim inevitável do euro, pensar para além do imediato e do curto prazo.


Pensar sobre as responsabilidades à esquerda e à direita, definir alternativas que não sejam justificadas em nome de vagos consensos e interesses nacionais. O sr. Passos Coelho tem obrigação de saber que, no estado de miséria e decrepitude a que chegamos, isso dos consensos nacionais não existe.


Ele sabe bem disso e a sua agenda política é muito clara.


O Sr. Coelho sente-se na pele do Lénine quando este em 1917, diante dos efeitos devastadores da primeira guerra mundial e da deliquescência da monarquia czarista, percebeu que podia dar o golpe e tomar o poder em nome da revolução socialista.


O sr. Passos assume no seu íntimo, em nome da revolução neo-liberal e neo-capitalista que ambiciona para Portugal, o glorioso papel do revolucionário Lenine. O sr. Coelho aspira a ser reconhecido pelos seus patrões europeus nesse papel com todas honras.


Fantasias ingénuas e criminosas, estas que alimentam o espírito do sr. primeiro ministro. Nos seus devaneios neo-capitalistas, ele anda a fabricar amanhãs apocalípticos, não apenas para ele e para os seus correligionários e indefectíveis, mas principalmente para o exército dos tais 99% da população, que são os reféns desses devaneios.


Para os pobres, os muito pobres, para a gente daquilo que era chamado de classe média e agora é uma classe cada vez mais abaixo de cão. Tudo gente obrigada pela Sra Merkel e os seus lacaios Coelho e Gaspar a pagar os desvarios dos tenores do capitalismo.


Pensar a política no concreto, os rebeldes americanos que estão na rua, são os únicos a fazê-lo e, por isso, têm hipóteses de sucesso.


Vejo os manifestantes de 15 de Outubro desfilar e concluo isso da “indignação” tem os seus limites. É uma atitude moral, legítima, mas demasiado vaga, não se percebe qual é o inimigo que se pretende afrontar.


Não se faz política com sentimentos morais, tem que haver objectivos, tem que se saber quais são os adversários, tem que haver uma estratégia e um plano de acção.


O combate contra o massacre social que está a ser perpetrado pela direita que governa a união europeia e o euro precisa dum exército de autênticos combatentes armados de ideias claras, concisas e eficazes.


Podem ser combatentes indignados, a indignação alivia. Mas precisam de armas eficazes, armas que façam mal aos poderes que controlam o dinheiro e os seus circuitos. Armas que atinjam o coração da besta, o coração do capital.


Na guerra insidiosa que está a ser travada nesta época dramática, passa tudo pelo dinheiro.


De boas intenções está o inferno cheio.



sexta-feira, 14 de outubro de 2011

CAPITALISMO, MUNDO LIVRE E LIBERDADE


No mercado reservado aos intelectuais, sempre houve serventuários mais ou menos aplicados, mais ou menos encapotados, desta ou daquela capela.


Como avaliar o mérito dos contributos desses prosélitos? A notabilidade intelectual, a qualidade literária, a coerência e a continuidade das ideias?


Nos velhos tempos do PREC, a certa altura o Diário de Notícias passou a ser controlado pelo partido comunista. Lembro-me que não veio daí mal ao mundo. É que, graças ao putsch comunista, aquele “venerável” jornal, que até então apenas se tinha notabilizado por ser uma instituição sempre obediente aos poderes estabelecidos, ganhou o seu momento áureo na história do jornalismo em Portugal. Os editoriais do dito jornal passaram a ser escritos por um tipo pouco conhecido chamado José Saramago.


Saramago não era um intelectual propriamente dito no tal mercado dos intelectuais. Era um assalariado, ia escrevendo onde o deixavam escrever, era um trabalhador da palavra. Era comunista, mas não era pago por isso, ganhava para comer, trabalhando com as palavras. Era um génio da palavra escrita e o DN nem sequer se deu conta do quanto isso era extraordinário.


As palavras podem ser armas, armas de destruição maciça, ou armas de justiça, vá-se lá saber.


Um cavalheiro que já foi director do Público e que por lá continua a escrever, é um desses intelectuais que, no nosso mercado mediático onde se manipulam as palavras, consegue, pelo menos ter como mérito o da coerência. Quando era mais jovem, o distinto comentador acreditava no Mao-Tsé-Tung. Hoje, passados anos e caminhando a história para o seu fim, mantém-se na mesma linha e está pronto para defender por todos os meios o capitalismo, de Estado ou qualquer outro. Continuidade e coerência nas ideias, não o podemos censurar.


No jornal onde escreve, deixou-nos hoje a pérola literária que se transcreve a seguir. “Os que querem manifestar-se contra tudo o que o capitalismo fez de mal ao mundo livre devem lembrar-se que, sem capitalismo, não haveria mundo livre. E que sempre que se quis acabar com o capitalismo também se acabou com a liberdade.”
Examinemos, na sua respectiva ordem, as palavras que inspiram a sua diatribe contra aqueles que designa de “indignados” e outros “ocupas”: capitalismo, mundo livre, liberdade.


Caro senhor, o que é que tem o cu a ver com as calças?


O capitalismo não é um deus do Olimpo, inacessível, sentado no seu trono e imune às tempestades que sopram. Como todas as criações humanas, o capitalismo tem os dias contados. Assusta-o, caro senhor comentador, a ideia de poder acordar um belo dia e descobrir que esse extraordinário mamute multi-secular e multi-poderoso que tanto admira, de repente, se desfez nas tormentas das guerras sociais provocadas pela voracidade suicidária da ganância sem limites dos tenores capitalistas?


O capitalismo tem uma história conhecida, sobre isso não subsistem grandes mistérios por desvendar. Começou por ser uma criação rebelde da legítima e humana ambição dos intelectuais, cientistas, filósofos, mercadores, banqueiros e industriais burgueses. Uma história extraordinária de séculos, mas uma história que não é de todo linear. Não existe capitalismo em sentido teológico, o tal de capitalismo é apenas uma sucessão histórica em que se têm conjugado altos ideais e extraordinários progressos materiais e sociais com crimes hediondos, crimes sociais e crimes de extermínio contra os seres humanos.


Hoje, chegámos provavelmente a um desses extremos, em que uma grande parte da humanidade está ameaçada de perder, no mínimo, a última parcela da sua dignidade.
Situação limite, em que os que conseguem ainda ter um emprego ou os que o perderam de vez têm que expiar os crimes das dívidas soberanas devidas pelos tenores do tal de capitalismo.


O capitalismo é a história das crianças que trabalhavam como escravos nas minas inglesas e em muitas outras, é a história da Krupp e da BMW que construíram a poderosa indústria alemã, que agora manda na Europa, graças ao trabalho dos escravos recrutados pelo império nazi.


Relembremos, na nossa memória, que o capitalismo é a miséria da exploração da mão-de-obra barata, tal como sempre a conhecemos em Portugal. O capitalismo são as empresas de construção civil que se alimentam dos negócios com o Estado, das parcerias público-privadas, da corrupção generalizada, das grandes obras públicas, dos hospitais empresa, das auto-estradas, das scuts, dos contentores do porto de Lisboa, dos túneis e das marinas da Madeira.


O capitalismo em Portugal teve alguns capitães de indústria, Alfredo da Silva é o melhor exemplo, mas nunca teve um capitalista que defendesse a liberdade. Não teve, não tem e não terá. Capitalismo igual a liberdade? Claro, liberdade para explorar o trabalho de quem precisa de trabalhar, sobre isso estamos de acordo.


As oligarquias dos interesses dominantes dominam e controlam os partidos e os governos, dominam a imprensa e a televisão.


Vivemos em democracia e, assim sendo, teoricamente deveríamos ter direito à liberdade de expressão e de imprensa. Fantasia patética, só acredita nisso quem quer, só acredita quem não está para se chatear.


Não fiquemos, então, sentados no sofá a admirar todo esse teatro, o Passos Coelho com o seu orçamento de estado, os economistas a comentarem que sim senhor, a austeridade inevitável e a salvação nacional, a Grécia, a Merkel, o Sarkozy e o G-20.


Admirável mundo novo, chamado mundo livre pelos irredutíveis prosélitos da religião do deus capitalismo.


Ora, o capitalismo há muito tempo que não tem nada a ver nem com liberdade, nem com prosperidade, nem com justiça, nem com direitos.


Somos todos gregos, indignemo-nos contra as indignidades do capitalismo e dos seus mandatários, ocupemos as ruas amanhã e todos os dias depois de amanhã!


Venham para a rua, acordem, passem palavra!

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

CRISE EUROPEIA E DEMOCRACIA


No quotidiano dos nossos descontentamentos, vamos vivendo as peripécias da crise, crise do euro, crise da Grécia, crise dos países periféricos, crise da dívida soberana. Afinal, que crise é esta?


Se o Marx fosse vivo, provavelmente diria que se trata da crise final do capitalismo.


Tanto quanto a minha memória alcança, o único cenário aceite há séculos por muita gente para o destino final da espécie humana é o do apocalipse, uma ideia catastrofista que nasceu do fundamentalismo cristão medieval. Não falemos então de cenários finais. Como disse o Pinheiro de Azevedo, o povo é sereno.


Serenidade à parte, o que é que esta crise nos revela?


Não é uma pequena crise, tudo indica que se trata duma verdadeira bomba.


Crise do capitalismo? Sim, mas o capitalismo, desde que começou a ganhar o poder em alguns países europeus no séc. XVII, conheceu até hoje muitas crises e foi sempre capaz de as aproveitar em seu benefício.


A principal novidade da crise que estamos a viver é que o centro de decisão dos poderes financeiros, comerciais e económicos do capital se está a deslocar cada vez mais da Europa e do seu filho USA para o Pacífico e suas proximidades.


Esta deslocação não é uma pequena mudança.


A Europa e os USA perderam a sua capacidade de manobra e as consequências, no que diz respeito principalmente à Europa, vão ser tremendas e já estamos a ser atingidos por elas.


O resultado mais visível da nova correlação de forças mundial entre potências do Pacífico e do Atlântico é que o Estado Social europeu parece ter os dias contados.


Não está em causa apenas o Estado Social das prestações sociais, do subsídio de desemprego, do serviço nacional de saúde, da educação pública e ensino para todos.
Trata-se principalmente de democracia e de direitos sociais.


A democracia e os direitos de cidadania que lhes estão associados entraram em processo de dissolução. Entrámos num processo de desvario, em que tudo é permitido, tudo se justifica em nome dos superiores interesses da nação.


Paulatinamente, voltamos ao tempo do Salazar, tornam-se consensuais as referências e os valores de submissão perante os poderes constituídos, perante quem manda.


Chegamos ao ponto de o chefe do governo nos ameaçar de dedo em riste, atenção, ele não quer tumultos. Ameaça séria: duas semanas depois do dedo em riste, a PSP e o SIS vêm divulgar um relatório sobre o que essas “veneráveis” instituições vão fazer perante a ameaça dos ditos tumultos.


Questão completamente a propósito e que ninguém colocou: por que razão é que a PSP faz um relatório sobre os tais riscos de tumulto juntamente com o SIS. Nova PIDE? PIDE social-democrata, mandatada pela troika? Onde é que vamos parar?


O Marx teve razões em algumas coisas. Uma delas foi quando, por volta de 1870, escreveu que a Rússia e a China não tinham condições, de um ponto de vista objectivo, para fazerem a chamada revolução socialista. Razões óbvias, estes dois países continuavam a ser completamente refractários e alérgicos ao capitalismo e, assim sendo, não estavam em condições de ser socialistas. Neste aspecto, o pensamento de Marx era coerente.


O que o nosso amigo Karl não foi capaz de prever é que, passado menos de século e meio, a China se iria transformar em paradigma dominante do capitalismo mundial.


A crise, a crise que estamos a viver e que não sabemos como vai acabar poderá ser apenas uma crise de crescimento do capitalismo na perspectiva da sua mundialização.


E, se assim for, pode-se antever que, enquanto que o século XX, com todas as suas tragédias e morticínios nazis e fascistas, foi um século de afirmação de um certo capitalismo, circunscrito principalmente à Europa, implicado no progresso social, o século XXI será confrontado com o poder de um novo paradigma, o do capitalismo de Estado triunfante, com os seus burocratas, os seus exploradores de mão-de-obra barata, os seus polícias, as suas prisões, os seus comités centrais.


Esta é a crise que mais me assusta. A união europeia e a sua moeda única, já o escrevi aqui várias vezes, são uma perigosa utopia que nos encurralou numa espécie de união soviética, que foi a primeira versão, felizmente falhada, do capitalismo de Estado.


É evidente que já entrámos na fase da desregulação da própria crise, não se sabe aonde é que isto vai parar.


Os valores da democracia, os direitos individuais, os direitos sociais entraram em processo de liquidação. Primazia aos bancos, primazia às finanças, primazia aos ricos, primazia aos poderosos. Chegámos a um ponto em que os euro-burocratas, e os empregados deles que mandam em nós, já não se dão ao trabalho de disfarçar as suas verdadeiras intenções.


Basta olhar o exemplo quotidiano do que passa com a Grécia para percebermos o estado de dissolução democrática a que chegou a Europa que inventou o capitalismo.
Crise do capitalismo, apocalipse now, Wall Street?


Não nos confrontamos apenas com questões de longo prazo.


Para já, no nosso esforço de percebermos o que está a acontecer, temos que nos preocupar com o presente e o futuro da democracia na Europa e arredores.


quinta-feira, 22 de setembro de 2011

ELEIÇÕES NO EIXO FRANCO-ALEMÃO




Faltam menos de oito meses para as eleições presidenciais em França. Alguns meses depois, terão lugar as eleições legislativas na Alemanha.


O eixo franco-alemão irá, pois, a votos.


Não é coisa de menor importância. É que o dito eixo tem mandado na União Europeia desde que ela existe sob sucessivas denominações, tanto quanto me lembro, Comunidade do Carvão e do Aço, Comunidade Económica Europeia, Comunidade Europeia nomes que nunca disfarçaram as verdadeiras razões geopolíticas e estratégicas que conduziram à invenção dessa perigosa utopia a que hoje chamamos união europeia. Perigosa utopia parente duma outra, felizmente já falecida, chamada união soviética.


Tal utopia foi inventada, a seguir ao fim da 2ª guerra mundial, com o objectivo nunca explicitado de impedir uma quarta guerra entre franceses e alemães.


De facto, quando, nos anos 50, franceses e alemães decidiram esboçar uma estratégia de entendimento e de aproximação, entre ambos os países já tinha havido não duas mas três guerras, guerras devastadoras no curto espaço de menos de setenta anos: 1870, 1914-18 e 1939-45.


Na primeira dessas guerras, os franceses foram esmagados pelo Bismark. Na segunda, com a ajuda dos britânicos e dos americanos, conseguiram ganhar e na terceira perderam mal a guerra começou, não tinham qualquer hipótese face ao poder bélico nazi. Foram ocupados, o Hitler desfilou sob o Arco do Triunfo, desceu os Campos Elísios. Depois, alguns franceses resistiram e, com a ajuda dos aliados, lá conseguiram pôr o Hitler a andar.


Tudo somado, a memória dos franceses em relação à “convivência” com os seus bélicos vizinhos germânicos sempre tem sido, no mínimo, completamente problemática e o povo francês, estou a falar do francês comum, mantém até hoje sentimentos muito problemáticos em relação aos alemães. Têm medo deles, os alemães não lhes inspiram especial confiança.


A política francesa de apaziguamento e de aproximação em relação aos alemães durante estes últimos cinquenta anos tem a sua origem e justificação nessa desconfiança popular em relação às potenciais ameaças alemãs. Os políticos franceses fizeram os possíveis e os impossíveis por pacificar e desarmar essa desconfiança.


Quanto aos alemães, eles entraram na lógica de aproximação com os franceses e com os europeus por razões óbvias: depois dos crimes e das guerras nazis, eles precisavam de ser “reintegrados” no mundo civilizado, chamemos-lhe assim.


Grosso modo, o eixo franco-alemão que continua a mandar na chamada união europeia, nasceu dessa convergência de medos e de desconfianças entre os dois grandes vizinhos europeus divididos pelo Reno.


Por tudo isto e pelo estado comatoso a que chegou a dita união, as eleições francesas e alemãs do próximo ano e picos é uma variável da maior importância quanto ao desenlace de toda esta tragicomédia, desta farsa trágica europeia das bancarrotas, dos défices, das dívidas públicas, das guerras sociais que se aproximam, do euro e da tal união europeia.


A Alemanha de hoje, país reunificado e economicamente poderoso, país cujos complexos de culpa nazis foram mandados para detrás das costa, país seguro de si e arrogante graças à hegemonia que conquistou face a países debilitados economicamente, países que, aliás, despreza, países meridionais de outras culturas e modos de vida, a nova Alemanha sente que já não precisa de se submeter aos rituais e obrigações da “reintegração”.


Hoje, a Alemanha só não manda no Reino Unido e na Rússia. Nas Ilhas Britânicas nunca mandará, aceitam-se apostas. Na Rússia, seu alvo a médio prazo, sabe-se lá.


A ex-Alemanha nazi continua a aspirar ser uma potência mundial, é o seu velho sonho. Sonhos que não passarão talvez de pesadelos, provavelmente os germânicos apoiantes da sra. Merkel mais uma vez escolheram a opção errada.


O problema é que as opções erradas da Alemanha sempre causaram sofrimento e desastres a vítimas inocentes.


Esperemos então, confiemos nos deuses, façamos bons prognósticos.


Imaginemos que a Alemanha volta a ser governada por alguém estilo Willy Brandt ou mesmo Helmut Kohl. Imaginemos que os socialistas franceses mandam - esperemos que não seja a dona Marine Le Pen a fazê-lo - o sr. Sarkozy para casa.


Podemos imaginar cenários positivos, mas estamos numa corrida contra o tempo. Os jogos políticos podem ser muito interessantes, mas quando está em jogo a vida de milhões de pessoas e de famílias, tudo se pode tornar trágico e imprevisível.


Continuemos optimistas, acreditemos que se consegue chegar sem prejuízos de maior até às ditas eleições no eixo franco-alemão e que os resultados destas eleições poderão abrir novas perspectivas para a Europa.


Imaginemos que até a essas eleições, não haverá bancarrota na Grécia, não haverá efeitos de dominó sobre a Itália, Portugal, Espanha, França, Irlanda…Uma espécie de miraculoso compasso de espera…


A grande incógnita é que daqui até às ditas eleições ainda falta muito tempo, que até lá muita coisa que não conseguimos imaginar poderá vir a acontecer e que as ditas eleições muito provavelmente já não virão a tempo de mudar seja o que for no pântano europeu.


quinta-feira, 15 de setembro de 2011

BANCARROTAS

A palavra mais soletrada ultimamente tem tido a antiga palavra bancarrota.


Palavra soletrada todos os dias a propósito da Grécia, considerada a ovelha mais ranhosa duma coisa que não existe e que se chama união europeia.


Fala-se na bancarrota grega, mas pensa-se sobretudo noutras bancarrotas principalmente mais a sul.


Estas lengalengas mediáticas quotidianas são curiosas e muito sintomáticas do racismo que criou a fronteira entre países do norte e do sul deste problemático continente europeu a que pertencemos.


Não se fala da Bélgica, que está em colapso político e que, muito provavelmente será o primeiro país da CEE a entrar realmente em bancarrota, nem da Irlanda que é o país apontado desde há muitos séculos na Europa como o protótipo do país europeu pobre e sem hipóteses.


Estas duas raridades sócio-histórico-geográficas têm a seu favor o facto de serem países do norte e, assim, são protegidas pelo preconceito dos outros países nortistas actualmente dominantes com a sua soberba de países supostamente ricos ou muito ricos, imunes a essa conversa de bancarrotas.


Pura vigarice nórdica xenófoba e racista.


É que a história das bancarrotas dá para escrever vários livros e dessa história não escapa ninguém. Não vou pormenorizar.


Apenas olhar um pouco para trás.


Na Europa, as bancarrotas de Estado foram frequentes e quase normais durante os últimos séculos.


A França, por exemplo, entre os séculos XIV e XVIII, faliu por oito vezes. No séc. XIX, a Espanha faliu sete vezes. A Grécia também não se portou muito bem. Desde que se tornou independente em 1830, a maior parte do tempo esteve falida, influências otomanas. O Reino Unido entrou em falência não sei quantas vezes, perdi-lhes a conta.


Na época da Grande Depressão, entre os numerosos estados europeus que mergulharam no abismo, o recordista foi de longe a Alemanha.


Concentremo-nos em pormenores que nos interessam agora.


Os Estados podem falir e, muitas vezes isso é óptimo para eles. “Falecem” e não pagam. Quem paga o prejuízo? Há a considerar dois tipos de pagantes.


O mais dramático é o dos desgraçados que entram no desemprego ou perdem as suas pequenas economias.


Há o outro caso, evidentemente muito mais influente, que é o dos credores.


Credores, credores é a quinta coluna dos gajos que especulam com a dívida pública, que financiam a compra de aviões, de submarinos, de mísseis, de armas, gente que empresta milhões para negócios mafiosos, essa gente não gosta de falências.


O Estado falece e essa malta não recupera nem metade.


Apetece dizer que é justo.


Certeza, certeza é que na longa duração histórica, raramente, os Estados cumpriram os seus compromissos financeiros. Os banqueiros e outros prevaricadores tinham obrigação de saber isso, não são enfants de choeur.


No caso da bancarrota anunciada da Grécia, o cenário está à vista.


Dum lado, os desempregados ou futuros desempregados, que é o principal. No mesmo campo, os pequenos aforradores que vão perder grande parte das suas economias, no caso de a bancarrota se confirmar.


Do lado extremo, temos o capital, os capitalistas internacionais no seu melhor, que, ao contrário do que diz a imprensa, são principalmente alemães. Andaram durante estes anos todos a fazer grandes negócios e agora descobrem que, afinal de contas, talvez devessem ter controlado a sua ganância. Ora, capitalista, se há coisa que não consegue controlar é a ganância…


Em que é que ficamos?
Olhando a história, percebe-se que as falências sempre foram inevitáveis acidentes de percurso, a que ninguém escapou. Portugal, 1892, 1926, só para dar dois exemplos.


Erros de percurso político, mas com consequências sociais tremendas. Particularidade, os capitalistas foram sempre capazes de tirar a seu proveito as castanhas do lume.


O que há de novo na actual crise anunciada da bancarrota dos países mediterrânicos é que o capital financeiro elevou a fasquia, passou a um estádio superior. Tendo perdido o medo das bancarrotas, uma parte do capital internacional aposta agora na falência em cadeia dos Estados do euro. Pensa essa gente que têm muitos lucros em perspectiva.


Têm expectativas, a principal é que alguém há-de pagar. São mercenários sem escrúpulos. Gente perigosa, não se vê quem é que os pode travar.


A Europa, versão união europeia tornou-se um sítio muito perigoso, um sítio indefeso. Um sítio rodeado de ameaças. Consideremos alguns cenários.


O mais óbvio, a ameaça da intervenção da tropa.


A Grécia está a ser atacada por todos os lados, a Grécia que é um arquipélago, actualmente está reduzida a ser uma ilha no centro dum furacão conduzido pelo capital financeiro internacional.


Quem defende a ilha contra o furacão?


A Alemanha? Faut pas rigoler avec des choses sérieuses.


A França, Sarkozy?...
A Itália, a Espanha, Portugal?...


Temos dois cenários, sejamos claros.


Ou a Europa, cuja versão união europeia não se vislumbra, decide declarar nula a hipótese da falência dum país do euro, toma as decisões apropriadas e põe os mercados e os especuladores capitalistas na ordem.


Ou a Europa continua a política germânica do blá-blá, quanto pior melhor, com esses senhores alemães a mandarem pôr as bandeiras dos gajos do sul a meia haste em Bruxelas e logo se vê. Pensam eles que não têm nada a perder, antes pelo contrário.


Imaginemos que, depois de todas as misérias que o actual governo Coelho e o anterior nos impuseram, entramos na engrenagem duma inevitável falência idêntica à que se anuncia agora para a Grécia. O que é que poderá acontecer quer no caso da Grécia quer no nosso caso?


A minha hipótese, hipótese que penso ser a mais provável e consistente, é a seguinte: pela minha parte, preparo-me mentalmente e fico à espera que a tropa intervenha.


Não foi isso que o Louçã anunciou para Outubro, um novo 25 de Abril?


Esperemos que seja um 25 de Abril e não um 28 de Maio.


O clima de guerra inter-europeu está cada vez mais audível. Anda para aí muita gente a brincar com o fogo.


Não existe paz perpétua.



sexta-feira, 5 de agosto de 2011

TRAIÇÕES E JUSTIÇA DE CLASSE



Já dura há duas ou três semanas o folhetim das secretas.


Foi o Expresso que começou com a história, o primeiro-ministro Coelho foi desmentindo, o jornal foi insistindo e lá vai conseguindo vender imenso papel.


Esta história continua a ser o principal tema da actualidade nacional, os jornalistas locais não pensam noutra coisa.


A crise apocalíptica do euro, do dólar e das suas consequências para tantos países e tanta gente mal se dá por ela. Vivemos noutro mundo, é um mundo de pacóvios orgulhosamente virtuais.


Temos as secretas, os média entretêm-se com pormenores inócuos e repetitivos. Factos há poucos, explicações, conclusões, nada.


Depois de tanta insistência, a questão acabou por ser levada ao parlamento e um senhor que já foi deputado, mas que agora já não é, apareceu na televisão a dar explicações, não percebo quem é que o nomeou ou elegeu para aquele lugar. Deu a entender do alto da sua responsabilidade que não percebi qual é que que sim, que houve fugas. Mas não adiantou mais nada.


Nas entrelinhas, pode-se perceber que o homem tem os calos apertados.


Não diz textualmente, por exemplo, sim esse gajo que era director do SIEM (ou SIDEM, pouco importa o nome) arranjou emprego com um grupo de capitalistas altamente especuladores e atirados para a frente, é gente que não é para brincadeiras. E vai daí, esse tal director, para merecer o seu novo emprego, deu umas dicas, passou informações à empresa privada que depois o contratou.


Não afirmou, não desmentiu, nem sim nem sopas.


Ora, aqui, neste ponto, se tivéssemos gente séria, intelectuais, políticos, jornalistas, este assunto já deveria estar, no mínimo, plenamente esclarecido quanto às suas implicações e futuras e prováveis consequências jurídicas e políticas em relação aos presumíveis implicados.


O tal director deu ou não deu as informações à tal empresa para a qual actualmente trabalha? Apure-se rapidamente.


Se deu, qual é o crime, qual é a pena em que incorre? Trata-se apenas duma lastimável fraqueza humana, dum delito menor, duma distracção, ou será que a coisa é muito mais grave?


Por mim, que não sou jurista, mas pago impostos, voto, sou um cidadão muito preocupado com o seu país, por mim, não tenho quaisquer dúvidas. Se o presumido implicado deu as tais informações, trata-se dum caso de alta traição ao Estado, à Democracia e ao país. Ponto final parágrafo.


Se tal é o caso, isso terá que meter prisão imediata, tribunal marcial, não sei bem, uma alta jurisdição., pesadas penas. E porquê?


Serviços secretos é uma coisa que não deveria existir, mas se existe, essa existência deve ser justificada por uma necessidade inadiável, premente, em suma, uma necessidade absolutamente necessária. E qual poderá ser essa necessidade? Necessidade óbvia e exclusiva, a de proteger o Estado dos seus inimigos exteriores, digo exteriores, não estou a falar em inimigos interiores.


Para isso, para defender o Estado contra os seus inimigos interiores, para essa função tivemos durante anos e anos uma coisa que se chamava Política Internacional de Defesa do Estado. A PIDE era internacional, sim, ela perseguia os dissidentes e oposicionistas ao regime fascista que viviam refugiados no estrangeiro. Defendia o Estado? Sim, defendia o Estado Novo. Defendia este Estado dos seus adversários interiores.


Mas, as secretas actuais inovaram em relação à PIDE. Elas aparentemente não se limitam apenas a defender o Estado dos seus inimigos interiores. Há razões para pensar que se dedicam a uma outra actividade, certamente muito lucrativa para quem a ela se dedica, que é a de fornecer informações valiosas a grupos económicos interiores que procuram conquistar negócios e posições de poder a desfavor dos seus outros concorrentes interiores.


O que é que defendem hoje as secretas, são várias para disfarçar mas fazem todas o mesmo trabalho, o que é que elas fazem? Escutam, perseguem os inimigos do interior, sindicalistas, políticos da oposição, gente que contesta os governos. É para isso que são pagos os espiões que temos, e isso sempre foi assim desde que esses serviços foram criados para suceder à PIDE.


Espiam pessoas, espiam principalmente aqueles que têm algum poder e influência. E para que é que isso serve? Para várias coisas, depende, as informações são seleccionadas conforme os destinatários.


Há o governo, há os partidos de poder, há os grupos económicos e financeiros, o pessoal da pesada, o pessoal que tem de facto poder, que ganha dinheiro, muito dinheiro.


Os grupos que podem pagar informações a directores de secretas, que têm todo poder e meios para os comprar.


Comprar informação, comprar informadores, tudo isso faz parte do esquema da corrupção que manda no país, tudo isso é utilizado e controlado pelo sistema que afundou Portugal na miséria actual. As secretas são uma peça-chave das máfias que sugam o país, voilà la vérité de que ninguém fala.


Então, meus senhores, já que vão à televisão, já que escrevem nos jornais e dão as vossas notícias e tecem os vossos comentários.


Vá lá, não sejam mais corruptos do que esses funcionários que fazem panelinha com os poderosos corruptores que nos destroem como país e como democracia. Não sejam mais corruptos do que esses altos funcionários que se vendem. Saibam distinguir, apontem, estas coisas são demasiado sérias e graves, não são show business.


Haverá ainda, nos escalões mais altos da administração e do Estado, responsáveis honestos e devotados ao serviço público e à defesa do Estado democrático? Deverá haver alguns, acredito que há aí gente inteiramente séria e devotada.


E o pessoal das secretas?


É um mundo obscuro, é um mundo opaco em que cada comparsa pode tirar as castanhas do lume, ninguém os controla, a não ser que se seja para “pequenos” trabalhos de conspiração bem remunerados.


Se se confirmar que esse tal director duma secreta passou informações à tal empresa, prejudicando com isso outros concorrentes da dita empresa, se esse tal de director se serviu das suas funções para ganhar dinheiro e poder e se “esqueceu” das obrigações que o ligavam ao Estado, se tudo isso se confirmar, esse cavalheiro e todos os que com ele colaboraram nessa conspiração, todos devem ser acusados de alta traição ao Estado português e condenados na devida proporção da gravidade dos seus crimes.


Porque, meus senhores - se é que alguém vai ler esta legítima diatribe - tudo isto começa a ser demais.


Por coincidência, soube hoje já quase no fim do telejornal, depois de todas as tretas a propósito do caso das secretas, que uma mulherzinha, uma camponesa de Tràs-os-Montes de 60 anos, anos que, imagino, passou a trabalhar no duro, essa senhora foi hoje inculpada pelo tribunal porque a guarda republicana descobriu em casa dela umas carabinas, umas armas e umas munições. Não a apanhou a dar tiros ou a assaltar um banco ou pessoas. Não, a mulher tinha lá em casa o tal material bélico que nem sequer lhe pertence, parece que é dum filho emigrado em França. Foi inculpada, a justiça tomou conta dela.


Cada país tem a Justiça, os governantes e os altos responsáveis que merece.


Apostam que, daqui até ao fim do mês, não se vai voltar a ouvir falar da história das secretas?


As secretas não passa duma ligeira febre de verão para alimentar as notícias. Rapidamente, vai ser esquecida. Outras razões para que isso aconteça, aliás, não faltam.


Não se esqueçam, o mês de Agosto é um mês muito perigoso. Praga 1968, Polónia 1939, Moscovo 1991, só três exemplos.


E Agosto 2011 cheira cada vez mais a crise global a sério.
Os mediáticos de serviço terão, pois, mais com que se preocupar e nós também.


E quanto à velhota apanhada pela GNR? Provavelmente, vai apanhar alguns anos por ameaça à ordem e segurança públicas.


Justiça de classe, república das bananas, não saímos disso.