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quinta-feira, 24 de junho de 2010

ENVELHECIMENTO ACTIVO: ARMADILHAS DUMA IDEOLOGIA (I)



Dantes, a velhice inactiva era um período muito curto, em geral passado em família, ou em asilos/hospícios, à espera da morte.

A ideia de reforma por velhice era até à 2ª metade do século XX, completamente estranha à cultura operária. As primeiras caixas de reforma operária foram, aliás, instituídas, no final do séc. XIX, por chefes de empresa animados pelo “filantrópico” objectivo de reduzir os “custos de produção”, desfazendo-se dos velhos trabalhadores, que consideravam serem demasiado pagos para o rendimento que forneciam.

A “filantropia” patronal estimulava também a “poupança” que considerava um bom instrumento de moralização contra a vida desordenada dos operários. Quanto às mútuas operárias, elas destinavam-se a cobrir riscos mais importantes do que a velhice: o desemprego, a doenças, as greves.

Mas o direito à reforma será instituído mais tarde, sob pressão dos sindicatos operários. A consagração deste direito após a 2ª guerra (em Portugal, trinta anos mais tarde) respondeu principalmente às transformações inerentes à extensão do trabalho assalariado e às mudanças que afectavam as relações entre gerações na família.

Nessa fase, o reformado inactivo era predominantemente urbano e assalariado. Nas margens, ficavam os trabalhadores e pequenos proprietários rurais que resistiram ao êxodo rural e para quem as pequenas pensões que recebiam constituíam apenas um complemento ao rendimento familiar obtido a partir do trabalho da terra. Situações que, de algum modo ainda hoje se mantêm, mas agravadas pelo isolamento familiar no interior envelhecido.

A progressiva generalização do direito à reforma provocou o aparecimento da ideologia da 3ª idade, a qual veio consagrar a idade da reforma como uma categoria social não autónoma de pessoas inactivas e dependentes que precisavam de cuidados que só podem ser providenciados por especialistas.

Ao mesmo tempo, a gestão política da velhice foi-se subordinando cada vez mais à pressão imposta pela necessidade de se criarem empregos para os jovens, o que incentivou a competição entre gerações no mercado do trabalho.


Daqui resultaram várias consequências:


1 - O direito ao trabalho passa a ser condicionado pela idade, incluindo a imposição de limites etários para além dos quais não é permitido continuar a exercer uma profissão (é a reforma-guilhotina).
2 - Governos e empresas aliam-se tacitamente com o objectivo de acelerar a antecipação da cessação da actividade profissional depois dos 50 anos (pré-reformas).
3 - A lógica de evicção dos trabalhadores seniores sobrepõe-se à lógica da sua integração social e aumenta a perda de autonomia e a marginalização social desses trabalhadores condenados à inactividade.
4 - O direito à pensão de reforma é, assim, transformado em interdição de trabalho e o direito ao repouso em lazer forçado.


A queda da natalidade, o envelhecimento demográfico e o aumento da longevidade têm servido para justificar novas políticas que invocam os problemas da sustentabilidade da segurança social e, agora com os PEC´s, da sustentabilidade da economia, ponto final.


Os argumentos demográficos foram utilizados por José Sócrates para justificar, no dia 27 de Abril de 2006, perante a AR a decisão de “ligar as pensões de reforma à evolução da esperança de vida”, com a finalidade de se assegurar a sustentabilidade da segurança social.


Apesar de afirmar no mesmo discurso que o governo não aumentará a idade legal de reforma, na prática foram introduzidas condicionantes que colocam os futuros reformados entre a espada e a parede:
- ou trabalham mais tempo;
- ou reforçam as suas contribuições ao longo da vida activa.


Explicou então o primeiro-ministro que o “crescimento das despesas com pensões é o que mais seriamente questiona a sustentabilidade do modelo social e é sabido que ele deriva, fundamentalmente, do aumento da esperança de vida, ou seja, do número cada vez maior de anos em que se está a receber pensão”, Por outro lado, “há cada vez menos pessoas a trabalhar para garantir o pagamento dessas reformas”.


É verdade que há cada vez menos pessoas a trabalhar para garantir o pagamento das reformas, mas isso não tem a ver com a baixa natalidade. Tem a ver com o desemprego e a precariedade que rege o mercado do trabalho.


Teoricamente, porque há menos jovens e, por conseguinte, menos concorrência, deveria haver mais e melhores oportunidades de emprego. Ora não é isso que está a acontecer.


Não são apenas os jovens que têm cada vez mais dificuldade em arranjar emprego, um emprego que corresponda às suas qualificações, com estabilidade e com direitos plenos. Também os mais velhos são cada vez mais obrigados a sair precocemente do mercado do trabalho, caindo em situações de extrema precariedade.


De facto, o envelhecimento dos activos começa na base, com a entrada tardia dos jovens na vida activa e acentua-se com a saída compulsiva de trabalhadores na força da idade. Para muitos deles, o envelhecimento profissional começa a perfilar-se logo a seguir aos 45 anos, ou seja, quando começa a 2ª parte de qualquer carreira profissional. Em 2007, a taxa de emprego entre 55 e 64 anos na UE era 44,7%.


Nestas condições, como escapar à espada das alternativas que o governo coloca a todos quantos aspiram a uma reforma digna após uma vida de trabalho?


Consideremos o exemplo de alguém que conseguiu um contrato de trabalho aos 30 anos e ficou desempregado aos 50, o que significa 20 anos de descontos, Quais são as alternativas, segundo o modelo socrático, deste candidato à reforma para obter uma pensão digna?


Alternativa nº 1: trabalhar mais anos, ou seja, arranjar um novo emprego que dure até, pelo menos, aos 70 anos.
Alternativa nº 2: reforçar os descontos para a reforma.


Viabilidade das alternativas:
Alternativa nº1: provavelmente zero.
Alternativa nº 2: depois de pagar a prestação da casa, depois de pagar a educação dos filhos, o que é que sobra para as prestações da reforma?


O novo contexto demográfico é apenas um álibi político.
Parafraseando um político americano, apetece dizer: não é a demografia, estúpido, é a política, é a economia, é o social.

1 comentário:

Anónimo disse...

Alguns países da UE estão realmente a aumentar a idade da reforma para os 65 anos mas nesses países a idade da reforma era em geral aos 60 anos. Em Portugal está nos 65 anos e ao nível da idade que está a ser adotada por esses países. Mas vendo o problema de outra ótica: Será que quem defende o aumento da idade das reformas não está a ser perverso? não estará a ser insensível para com o desemprego que assola o ocidente? que sentido faz aumentar a idade das reformas quando o desemprego é tão alto e não irá descer tão cedo? será para dificultar a vida dos jovens? para que os jovens tenham maiores dificuldades em entrar na vida ativa? Será preferível gastar dinheiro para que jovens frequentem cursos que de nada servem a não ser ocupá-los e retirá-los das listas de desempregados enquanto se mantêm os velhos a trabalhar, muitos deles já debilitados, alguns à beira da morte, porque até nesses casos a reforma é difícil de ser conseguida em Portugal?

Está tudo errado: os mais idosos, além de mais débeis físicamente estão também em geral técnicamente menos preparados para a competição global, porém, são obrigados a manter-se na vida ativa para se sustentarem a si e aos seus filhos, jovens e saudáveis com 20/30 e mais anos que não conseguem emprego em lado nenhum. A lógica ditaria até o contrário: deveria facilitar-se a saída para a reforma dos mais velhos o que permitiria a entrada de alguns jovens nos poucos empregos disponíveis..... Pretendem que os velhos continuem a trabalhar (e a descontar) e que morram antes mesmo de beneficiar dos descontos feitos durante toda a vida para um merecido descanso no seu final. É isso! querem acabar com as reformas, mas por outro lado dão-se subsídios a gente que não quer trabalhar, que nunca trabalhou, nem descontou, nem contribuiu nunca para o bem comum. Alguns desses beneficiários andam por aí ganhando extras em vidas marginais e até no crime. Também vemos gente acumular reformas "chorudas" de dezenas de milhares de euros: são "magnatas" que também não contribuiram significativamente em relação ao que recebem até porque são relativamente jovens e não poderiam estar em vários locais ao mesmo tempo. Alguns recebem directamente das empresas a que estiveram ligados durante uns (poucos) anos, empresas que nos aumentam os seus serviços para que os lucros se mantenham e aumentem até.

Zé da Burra o Alentejano