PEDALAR É PRECISO!

sábado, 19 de junho de 2010

CANDIDATURA DE ESQUERDA ÀS PRESIDENCIAIS




Quem se der ao trabalho de ler atentamente a Constituição da República facilmente consegue refutar as interpretações minimalistas quanto aos poderes presidenciais e demonstrar que, ao contrário do que é dito nos meios políticos e pela comunicação social, o Presidente da República dispõe de poderes suficientes para intervir activamente nas grandes opções políticas em áreas essenciais na economia, nos direitos sociais, na preservação dos recursos naturais, na soberania, defesa e relações internacionais.

A direita política que defende os interesses das grandes empresas e do grande patronato odeiam e desprezam a Constituição da República.

É que a nossa lei fundamental, mãe de todas as leis, apesar das sucessivas revisões aprovadas pelo bloco PS/PSD, resistiu e continua a impor, no essencial, o projecto político que nasceu da revolução social do 25 de Abril. Projecto este que se inspirou em ideias e ideais defendidos pelas diferentes sensibilidades de esquerda que convergiram, sob a pressão dos movimentos sociais, na redacção do documento aprovado pela Assembleia Constituinte em 1976.

A nossa Constituição é uma lei que continua a impor que o país seja governado à esquerda e esse facto explica o ardor militante dos sectores neo-liberais de direita contra esta lei fundamental. Essa imposição explica também por que é que muito do que lá está escrito foi sistematicamente ignorado durante os longos anos de governo neo-liberal PS/PSD.

Porque os poderes constitucionais do Presidente lhe permitem influir decisivamente na escolha de prioridades que defendam a soberania de Portugal e o Estado Social, ambos ameaçados pelos sucessivos PEC’s impostos pelo eixo Berlim/ Bruxelas, as próximas eleições presidenciais são decisivas para o futuro de Portugal e dos portugueses.

São um momento privilegiado para o debate e a discussão política, sem sectarismos, acerca das soluções necessárias ao ressurgimento social, económico e cultural do país e à sua independência.

Neste debate e para que o povo possa votar em consciência, impõe-se que existam alternativas claras ao actual estado de coisas.

Ora, a lista dos candidatos anunciados ou pré-anunciados não garante de modo nenhum que tal debate venha a acontecer, por que nenhum desses candidatos traz nada de novo.

Cavaco Silva e Manuel Alegre, apoiados pelo bloco PSD/PS são os candidatos do PEC e da submissão aos desígnios do grande capital e dos seus agentes, os quais estão por detrás dos burocratas de Bruxelas e do directório de países comandados pela Alemanha.

São também candidatos do Ricardo Espírito Santo e do capital financeiro português que tem usado os recursos do país a seu belo prazer, que tem manipulado os consumidores com promessas de crédito fácil e que asfixia as famílias e as pequenas e médias empresas que constituem mais de 95% do tecido empresarial português.

São candidatos que garantem apenas a continuidade da ditadura PS/PSD, construída em nome duma falsa alternância e ao serviço de comparsas bem identificados.

A situação de pré-bancarrota financeira e de bancarrota social iminente a que Portugal chegou não é explicável unicamente pelos efeitos da crise financeira iniciada há dois anos nos EUA. Ela foi preparada e é consequência de factos bem conhecidos:

1. A captura do Estado pelos interesses das oligarquias dominantes com o consentimento de Governos conduzidos por políticos medíocres, incompetentes, sem convicções e que faltam à verdade.

2. O aumento da corrupção ao longo das últimas três décadas em paralelo com o monopólio do poder exercido pelas Direcções do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata, monopólio esse que tem promovido e protegido redes de interesses que se alimentam da promiscuidade entre as funções do Estado, a política e os negócios privados.

3. A asfixia e manipulação da economia pelo poder arrogante dos bancos, pela especulação bolsista, pela prevalência dos interesses de grandes empresas cujos interesses estão representados nos gabinetes do Estado, pela desenfreada exploração e as discriminações de muitos trabalhadores e trabalhadoras, os baixos salários, os congelamentos de salários, os aumentos de impostos, a incapacidade da justiça em fazer prevalecer o império do Estado de Direito.

4. A lei da precariedade que passou a reger as relações laborais, o mercado do trabalho e do emprego e que empurra, em particular, os jovens tal como aconteceu na fase final do Estado Novo, para emigração.

5. O descrédito generalizado dos partidos e do sistema político.

Manuel Alegre e Cavaco Silva simbolizam as duas faces responsáveis por esta triste realidade a que o país chegou.
Não trazem nada de novo, não são portadores de nenhuma mensagem de esperança que mobilize as energias do país, as energias e o empenhamento dos homens, das mulheres e dos jovens.

São candidatos conformados, candidatos engravatados e fechados nos seus casulos, à margem das aspirações e das inquietações do povo.

São candidatos que se conformam com o desemprego, com o aumento dos impostos, com o fim dos apoios sociais, com o aumento da idade da reforma, com as pensões de miséria.

São candidatos que se, por infelicidade para o país, viessem a ser eleitos colocariam na primeira linha das suas preocupações o combate ao défice, em detrimento do apoio a uma economia social, solidária e ecológica.

Ora, há alternativas à ortodoxia neo-liberal e à prioridade do combate ao défice. Nenhuma teoria económica consistente conseguiu demonstrar de forma incontestável essa prioridade.

O economista João Ferreira do Amaral, por exemplo, manifestou-se recentemente “completamente contra a ideia de um orçamento equilibrado. Não há nenhuma justificação política ou económica para que um país não tenha qualquer défice”.

Mas este debate sobre os PEC’s, sobre o défice, sobre o Estado Social, deverá ir mais longe, deverá incluir a viabilidade de estratégias que considerem os cenários de uma saída do euro e/ou da UE.

Como explicou também João Ferreira do Amaral, hoje “é relativamente consensual que a entrada no euro foi a principal razão da perda da competitividade” de Portugal.
O que é que Portugal ganhou com a entrada no euro? O que é ganha hoje Portugal com o euro?

É prático, quando se viaja nos países da moeda única, não se precisar de trocar moeda. É verdade que é prático.

Mas, como demonstra a presente crise, a estabilidade monetária e a protecção face à especulação dos mercados que, se esperava, fossem garantidas pelo euro, não passaram de uma miragem e essa moeda revelou-se afinal como uma armadilha que está a destruir a nossa economia e a agravar as desigualdades sociais e a pobreza.

Diziam os economistas servos do capital, quando a crise começou no Verão de 2008, que felizmente para Portugal, não havia perigo de bancarrota, pois que estávamos a salvo, estávamos no euro.

Pois é, estamos no euro, mas até quando? Até quando a Alemanha quiser, ou até quando os países do Sul decidirem agir em conjunto e procurar novas soluções?

No meio dos escombros da União Europeia podem-se vislumbrar actualmente três realidades distintas e separadas, o Norte, o Sul e o Leste, as quais dificilmente poderão continuar a coexistir. É tudo uma questão de tempo e de circunstâncias.

Portugal - e aqui não me estou a referir aos órgãos de “soberania”, mas à opinião pública, aos cidadãos e aos militantes de todos os partidos – precisa de debater acerca da necessidade e da viabilidade de novas parcerias regionais e internacionais, da criação de novos espaços geopolíticos.

Mas tudo isto implica que se repense o quadro das alianças em que Portugal tem estado inserido. O que inclui a discussão da hipótese de se abandonar a UE e a NATO.
É um debate que se impõe no momento presente e as eleições presidenciais serão o momento adequado para que tal aconteça.

Mas tal debate só acontecerá se a essas eleições se apresentar um candidato com um programa de esquerda, um candidato apoiado por diferentes sensibilidades políticas, por movimentos sociais, por associações, por grupos de cidadãos.

Um programa de esquerda que interpele a sociedade com novas questões e que proponha alternativas e soluções ousadas mas possíveis. Que intervenha em nome de uma esquerda inventiva, capaz de identificar prioridades que defendam a liberdade individual e a soberania política, a criação de riqueza e a prosperidade, a justiça e a solidariedade.

[i] Escrevi este texto para esquerda2011.blogspot, onde pode ser lida a versão integral.

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