PEDALAR É PRECISO!

quinta-feira, 29 de abril de 2010

PIGS, TRIUNFO DOS PORCOS?







Um vento de loucura parece atravessar a Europa.


Temos a chanceler Merkel do alto do poder que lhe é dado por estar á frente da principal economia da Comunidade (comunidade?) Europeia. Lá se vai entretendo com malabarismos e jogos de poder, ora diz, ora desdiz, deve estar a divertir-se imenso.


E os juros que a Grécia e os outros países do Sul têm que pagar, que vão aumentando e a pobreza?


A chanceler parece estar a apoiar ou a apoiar-se, nos seus cálculos políticos, nas agências de rating que ninguém sabe quem são, donde vêm, quem as habilitou, quem as certificou, quem as empossou para emitir sentenças em nome do mercado.


Sentenças de morte para muita gente, ess muss sein, Frau Merkel.


Será que esse vento que não é suão, porque é um vento que vem do norte, está a fabricar uma espécie de nova ordem europeia, uma ordem sabe-se lá neo-fascista com os seus chefes clandestinos, discretos engravatados que não desfilam de braço no ar?



É um vento, isso parece incontestável, que divide, que vai dividir a Europa com uma nova fronteira horizontal desenhada por uns senhores nórdicos, entre o Norte próspero, que consideram responsável e civilizado e o Sul que para eles é de gente inferior.


Uma fractura de consequências incalculáveis, estamos à mercê de pirómanos perturbados pelo tal vento de loucura. Bye, bye, Europa, Frau Merkel?



No Verão de 2008 houve o choque da crise, falou-se muito de 1929, do Roosevelt, na altura foi manifesto um certo sobressalto e autocrítica capitalista.


Até o sr. Alan Greenspan, conceituado chefe da reserva federal americana durante 20 anos, confessou que lamentava muito, mas tinha-se enganado, a sua inabalável confiança na capacidade de auto-regulação do mercado tinha-se revelado afinal ser um embuste.


Dito de maneira mais crua, ele tinha sido enganado por Wall Street, pelos Madoffs, pelo capitalismo, quoi!


O mercado enganou o sr. Greenspan e ele veio-se lamentar dessa traição.


Mas, agora, passado menos de dois anos após o início do que parecia ser uma crise global grave que impunha drásticas mudanças na moral financeira, o mercado renasce mais triunfante na sua pele de deus dos tempos pós-modernos, um Zeus com o seu harém de deusas afrodites.


Renasce mais arrogante, é a sua sina, não consegue resistir às suas pulsões preversas, à ganância do dinheiro, às engenharias e aldrabices financeiras, está mais embalado do que nunca.


As tais agências de rating são servas do deus mercado, suas escravas apaixonadas.


Vejo-as como uma reencarnação das bruxas da ópera Dido e Eneias de Purcell. As performances dessas agências davam matéria para outra ópera, uma ópera pós-moderna. Vão conspirando, está-lhes no sangue, precisam de fazer estragos, de destruir, não toleram gente feliz.


Neste momento, o ódio de estimação dos neo-fascistas do neo-mercado triunfante são os países do Sul da Europa. Eles odeiam visceralmente os PIGS (Portugal, Italy, Greece, Spain), não os toleram, é uma gente definitivamente inferior, incapaz de se governar, só traz chatices ao euro, o melhor é acabar com eles, pô-los a andar.




Sra. Merkel, vai continuar a cantar no coro das bruxas do rating, sem desafinar? Também vai invadir a Grécia?


Que Deus a ajude, que Deus a ilumine, Frau Chancellor no meio deste vento nórdico de loucura.


No tempo dos seus estimados antepassados, que os Romanos apelidavam então de bárbaros (excesso de poder, racismo, conhecemos o binómio), já a Grécia e o Mediterrâneo tinham dado à luz a civilização que enriqueceu o Mundo ao longo dos séculos.


Felizmente para todos nós que podemos usufruir desse privilégio, uma civilização que resistiu até hoje aos assaltos de todas as barbáries. Incluindo à barbárie do Triunfo dos Porcos, versão George Orwell.




terça-feira, 20 de abril de 2010

EFEMÉRIDES DE ABRIL



Abril parece ter o signo de ser um mês consagrado a efemérides. Agora, temos o dia 25, não se sabe bem por quanto tempo ainda. Mas, no Estado Novo, os dias de comemoração eram outros.


Havia o dia do aniversário do Salazar, acho que era no dia 27, na escola chateavam-nos, os professores tinham que fazer o elogio do grande chefe, mestre e redentor da Pátria, os putos fingiam que ouviam.

Mas há outro dia de Abril de que me lembro muito bem, continua a impressionar-me essa data, o 9 de Abril.




Desfilavam então nas ruas, aperaltadas e sorridentes, cheias da sua importância, umas senhoras que pespegavam, em troca de umas moedas de 25 tostões, nas lapelas dos senhores bem vestidos, um pequeno capacete de lata, sempre me apeteceu ter um.


Era um objecto fascinante, um pequeno capacete militar, percebi mais tarde que pretendia representar os soldados portugueses sacrificados da matança de La Lys.


Claro que não se falava de matança, era o soldado milhões que matou não sei quantos alemães, eram os heróis da Pátria.


La Lys é o nome duma ribeira e o vale que a acompanha, situados na Flandres, na Bélgica.


Neste bucólico local, as tropas portuguesas, em apenas quatro horas de batalha no dia 9 de Abril de 1918, perderam cerca de 7500 homens entre mortos, feridos, desaparecidos e prisioneiros, ou seja, mais de um terço dos efectivos, entre os quais 327 oficiais.


Foi a mais estrondosa derrota de tropas portuguesas desde a batalha de Alcácer-Quibir.


O massacre prolongou-se até ao dia 29, faltavam poucos meses para terminar a grande guerra. A grande guerra que inaugurou o que se esperava fosse o grande século do progresso social, do telégrafo, da electricidade, dos telefones, da telefonia sem fios, dos electrodomésticos, do Ford T, and so on, tudo seria possível. De facto um século de massacres. Et ça continue.


Essa guerra, grande ou como queiram chamar-lhe faz-me pensar noutra efeméride.


Em 31 de Julho de 1914, três dias antes de começar essa primeira grande matança moderna, um extremista belicista de extrema direita, cujo nome me recuso a nomear, assassina às 9 e meia da noite Jean Jaurès, quando este jantava no Café du Croissant, na rue Montmartre. Uma pausa antes de se dirigir ali ao lado, à sede do jornal que fundara, l´Humanité, para escrever mais um apelo contra a ameaça de guerra tecida pela Alemanha, pela Áustria, pela Rússia e outros interesses nacionalistas esquizofrénicos.



Estas intrigas tinham-se acelerado após o atentado de Sarajevo, em 28 de Junho de 1914 e Jaurès tentou organizar uma greve geral nos países europeus ameaçados pela guerra. Era o mais eminente opositor a essa guerra fraticida, mas infelizmente os seus esforços fracassaram.


Em 29 e 30 de Julho, Jaurès vai a uma reunião da Segunda Internacional Social-Democrata em Bruxelas, que ele convocara.


No dia 29, à noite, num comício contra a guerra, Jaurès e os dirigentes do Partido Social-Democrata Alemão são aclamados e no dia seguinte os dirigentes da Segunda Internacional votam por unanimidade um apelo a favor de manifestações contra a guerra.

Mas, a 31 de Julho, o assassinato de Jaurès precipita tudo, rompe-se a unidade da esquerda contra a guerra, a maioria dos social-democratas e socialistas passam a apoiar os seus governos beligerantes, nasce a União Sagrada da esquerda a favor dos massacres em nome de quê, vá-se lá saber.



Enigmas da história, da loucura humana.



Jean Jaurès, que tinha sido o mais destacado opositor desse surto de loucura assassina, acaba por ser a sua primeira vítima.



Muitos milhões de mortos mais tarde, quando a guerra estava quase no fim, chegou a vez, o momento do sacrifício dos pobres soldados portugueses junto à ribeira de La Lys.


Saberiam eles por que razão estavam ali? Sabiam que tinham sido mandados por uns senhores que mandavam lá em Lisboa, certamente eles é que saberiam as razões.

Não seria com certeza porque pensassem que quem vai à guerra dá e leva, não estavam a jogar à sueca entre dois copos de três.

No fim, os capacetes não lhes valeram de nada. Ficaram lá estendidos.


Mas a efeméride também passou à história, já ninguém se lembra dela.

JARDINS DE MILHÕES



Entre muita gente abonada ao mesmo tipo de privilégios, anda por aí um tipo chamado Jardim Gonçalves, reformou-se com dois milhões de euros por ano, cento e setenta mil e tal por mês, parece que até há pouco tempo tinha também direito a um avião privado. Era presidente de um grande banco. Aleluia, como viveríamos sem os grandes bancos, sem os grandes homens da finança?


Para os muitos que recebem por mês pensões de menos de duzentos euros um pouco mais, um pouco menos, não serão estes dois milhões abomináveis? Haverá até muita gente, incluindo muitos crentes, que pensam e gritam ò Cristo vem cá abaixo ver isto!


Mas o caso parece pacífico, não provocou comissões de inquérito no Parlamento, não tem inspirado parangonas nos tablóides da nossa praça. Parece pacífico e talvez seja.
É que nos tristes tempos que correm, criou-se o desagradável hábito de as televisões zurzirem as nossas orelhas com conversas sobre milhões e mais milhões e mais milhares de milhões.
Mais milhão menos milhão, mais mexia, menos gonçalves, qu’est-ce qu’on n’en a à foutre? Até aqui percebe-se.

É que o povo – há quanto tempo não ouço pronunciar essa palavra que teve os seus tempos de glória – lá continua na sua vidinha quieta, sossegada, trabalha, aguenta o patrão, aguenta os engarrafamentos, aguenta a família, mas à noite tem a televisão, o futebol, os comentadores do futebol, o Pinto da Costa, o Benfica, por que é que há-de ligar a milhões de euros, mesmo que suspeite vagamente que o país está à beira da falência e que, quando ela chegar, não são os bancos que a vão pagar?
E, para compensar quaisquer possíveis inconvenientes, agora vai ter o Papa.

Por isso, o povo é sereno, já lá dizia o Pinheiro de Azevedo quando rebentou a fumaça no Terreiro do Paço. Qual Gonçalves, qual Mexia, quais bancos, qual Mota Engil, qual PT. Porquê preocupar-se?

Não é verdade que, apesar de tantos milhões, o Gonçalves, Jardim perdeu o seu avião privado e que, por isso, se calhar também tem que andar a pé a correr para apanhar o metro?

Bem vistas as coisa, o povo parece ter razão em continuar sereno e contente, não ligar a todos os jardins que andam por aí, não arranjar conflitos, apenas aquelas greves do costume, não vir para a rua protestar, exigir, reivindicar.
Vir para a rua, sim, mas só em ocasiões muito especiais para se manifestar ordeiramente como vai agora acontecer com o Papa no Terreiro do Paço.


Ali no meio das intermináveis obras no Terreiro do Paço, já se prepara o palco para receber sua santidade, o chefe dos crentes (há sempre um chefe dos crentes em todas as religiões, se calhar é por isso que o Marx embirrou com isso do ópio do povo) e os palanques para as altas autoridades.
Nas primeiras filas, lá estará certamente o devoto Gonçalves. Porque Deus é grande, tem um coração largo, o povo é devoto. Porque teria razões para se zangar, para perder a compostura?

Mas a verdade, verdadinha é que nunca se sabe muito bem o que é que vai na cabeça do povo. E essa incerteza pode-se tornar fonte de preocupação.


Se a minha memória não me atraiçoa, foi em Março de 1974 que o povo do futebol aplaudiu estusiasticamente o sr. Presidente do Conselho Marcelo Caetano.
O povo também estava então sereno, contente, a ordem e o respeito pela autoridade patrulhavam os espíritos.
Mas isso já foi há 36 anos.
Comme le temps passe!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

LISBOA, DÉFICIT, CINEMA MONUMENTAL



Há uns tempos, ir ao cinema também era uma questão de rituais, a matinée, a soirée, ir ao cinema era muito social. Mas, rituais à parte, o que perdurava era principalmente o aconchego estético, os momentos de verdadeira arte, olhar filmes era passear no Louvre e parar embasbacado frente à Vitória de Samotrácia.

Os ecrãs enormes, imponentes, os dourados da sala, era como se estivéssemos em Versalhes assistindo a um espectáculo de Jean-Baptiste Lully para o Rei Sol.

As poltronas, a plateia, o galinheiro e os camarotes, as senhoras devidamente enfeitadas, toda a gente se olhava nos intervalos. Ir ao cinema dantes era praticamente a mesma coisa que ir hoje ao S. Carlos, ali no Chiado, quando o aparelho de estado, a Galp, a PT, a EDP, o TagusPark saem eufóricos para a rua no intervalo e entre idas e vindas se vão mirando uns aos outros. Mas era mais democrático, lá isso era, durava o tempo de uma convivência pluralista com os mirones de olho nos malandros, nas senhoras e nos maridos delas.

Nesses tempos do cinema obra d’arte, os ecrãs ainda não tinham sido reduzidos à dimensão caseira dos LCD’s. Eram ecrãs que nos impunham respeito, ali ficávamos a olhar, bem sentados, era impressionante.

Os cinemas, com as suas salas mais ou menos douradas ou mais ou menos manhosas, eram nesses tempos as jóias preciosas de qualquer terra com um mínimo de ambição, o lugar crucial do social e dos sonhos. Lá estavam as classes sociais bem arrumadas, quase como na missa, se bem que não fosse mulheres de um lado, homens do outro, tinha mais a ver com a arrumação das famílias. As mais aburguesadas e assenhoradas nos seus camarotes, as famílias médias na plateia e o povo no galinheiro com o cu sentado em bancadas de pau.
Belo interclacissismo era este, o do espectáculo da convivência de uma soirée cinematográfica.
Mas o mais importante era sempre o ecrã, as imagens em movimento, não havia pipocas, havia pevides. E a televisão já era uma chatice.

Lembram-se da Lisboa do tempo do Monumental, ali no Saldanha, do Império na alameda, and so on?




O Monumental tinha a Laura Alves, o Paulo Renato, já não me lembro dos outros nomes, os espectáculos do Vasco Morgado. E tinha também o seu impressionante ecrã para se ver West Side Story com a música do Leonard Bernstein e a Nathalie Woode, o My Fair Lady do George Cukor com a Audrey Hepburn, o Lawrence da Arábia com as dunas e o Dr. Jivago do David Lean, ambos com a música do Maurice Jarre.

Haverá algum LCD capaz de transmitir tamanha beleza e emoção ?

O Monumental agora é um pequeno e descartável centro comercial, igual a centenas de outros por aí fora. Será que vos excita subir e descer as escadas mecânicas, comer um hambúrguer à pressa, comprar uma camisinha, olhar as montras, consultar o saldo no multi-banco? E, no meio desse quotidiano avassalador de suspense, o que é feito da Audrey Hepburn?





Não seria melhor para todos, mesmo para os donos daquilo, continuar a ter ali uma bela sala de espectáculos, teatro, música, a magia do cinema no centro da cidade?

Capitalistas de merda é o que é, perderam o sentido da história, só sabem destruir, já não conseguem inventar nada que vá mais além, o lucro rápido é a única coisa que lhes interessa. Handicap: como não sabem prever o futuro, também acabarão por sofrer as consequências da sua arrogância destruidora.




As salas de cinema de hoje com pipocas em hiper-centros comerciais é como uma história à imagem do Sócrates e do seu ministro das finanças. Da sua falta de jeito para fazer contas. Não sabem prever, não percebem nada de economia nem de história, nem de letras, nem de cinema. Nem de arquitectura. Como não sabem népia, vão dando saltos em frente, no desconhecido.

Provavelmente, será a história do deficit e do PEC que os vai pôr definitivamente doidos, ou seja inimputáveis, descartáveis. Mas, como não se pode voltar atrás no tempo, ficamos com um problema bicudo: quem é que vai pagar os desvarios, a ignorância saloia, os desplantes desta malta?
O Johnny Guitar?