PEDALAR É PRECISO!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O POVO PARECE CONTENTE



Não podemos escapar à política, ela toma conta de nós, por muito que nos esforcemos parece que não há nada a fazer. Mas imaginemos outra alternativa: poderemos nós tomar conta da política?

A verdade é que a política está cada vez mais rasteira e despudorada, os ventos não correm de feição a activismos contra a corrente, a contestações. A margem de manobra é, por isso, muito estreita.

Durante quatro anos e meio tivemos a arrogância e a ambição desmedida do jovem Sócrates parvenu, tivemos a cartilha neo-tecnocrata e neo-liberal versão socialista. A cartilha do deficit das contas públicas, do deficit da Segurança Social, do código do trabalho, da ministra Rodrigues, do ministro Pinho, do ministro Jamais, do grande inquisidor SS e tutti quanti. A cartilha do código que odeia direitos, que adora flexibilidade, que adora a disponibilidade laboral, a obediência e a submissão de quem precisa de trabalhar.
A cartilha da reforma da administração pública e da disponibilidade dos funcionários públicos para o caixote dos desperdícios, dos milhões aos bancos e aos poderosos, a cartilha dos contentores de Alcântara. A cartilha de mais de seiscentos mil desempregados e de mais de dois milhões de pobres.

Durante quatro anos e meio foi a obsessão pelo deficit, a estagnação da economia, mais desemprego e pobreza. Mais precariedade no emprego, mais descriminações sociais, mais desigualdade, mais injustiça, mais corrupção. Menos educação, menos direitos.

Mas o povo parece estar contente, vai votar e o Sócrates, é o que diz a TV, vai ficar à frente. Qu’est-ce qu’on peut faire, il n’y a rien à faire (é uma canção francesa, tanto quanto me lembro).

Na campanha que nos deu a TV, as grandes questões foram o TGV e as escutas ao Cavaco. Falam do Salazar, escutam-se uns aos outros, espiam-se, odeiam-se. E o país, os pobres, os desempregados, os jovens sem futuro, os mais velhos a passar fome, alguém se preocupa?



Temos que aturar isto, parece a corte do D. Carlos. Caminhamos para um regicídio? Não é provável, tout le monde il est beau, tout le monde il est gentil.

Será que fazer política tem que ser falar do TGV e do Cavaco e seu assessor? Onde é que estão as diferenças, as fronteiras entre partidos, entre correntes de pensamento e propostas?
Discute-se política na campanha eleitoral? Não se discute e isso provavelmente deve-se ao facto de antes da campanha eleitoral, também não se discutir nada.
Onde estão os valores, a solidariedade, os ideais políticos? Onde está a contestação, onde está a malta nova, cada vez com menos futuro, cada vez mais precária, cada vez mais calada? É assustador e quem ganha é este Sócrates, os que estiveram antes e os que virão a seguir.

Campanha eleitoral, ausência de questões, questões sem resposta. Porque o que interessa são apenas os interesses. Não apenas os interesses dos banqueiros, dos grandes capitalistas. O que faz mover tudo, a engrenagem dos partidos que mandam na política é o pessoal à procura de bons tachos, o pessoal que tem o cartão do partido no momento certo. É essa a engrenagem.

Os que não têm nada a ver com isso são apanhados sem saber bem como pela política, sofrem as consequências dos desmandos, das injustiças, são apanhados pelas formigas partidárias que trabalham denodadas para amealhar vantagens. Tudo se passa num admirável mundo, bem ordenado, num admirável mundo que não tem nada de novo, aliás, está a apodrecer.

Tomar conta da política? Revoltem-se, organizem-se, falem com os vizinhos, com os colegas, discutam, mas não chateiem em casa, apaguem a TV.

sábado, 12 de setembro de 2009

11 DE SETEMBRO DE 1973

As televisões não esquecem o 11 de Setembro de 2001 e é bom que ninguém esqueça o horror desse dia. Mas um 11.09 pode esconder um outro.





Em 1973, o 11 de Setembro, não foi contra Nova Iorque, não foi contra o Pentágono. Nesse dia, os maus não foram os terroristas da Al Kaeda. Richard Nixon, CIA, remember? Nesse dia, as vítimas não foram só pessoas, foi também um país inteiro, foi a democracia chilena, foi Salvador Allende, foi Victor Jara.


Passados 36 anos, essas vítimas continuam a comover-me, lembro-me sempre delas neste dia. E lembro-me, associo muitas histórias passadas e presentes.


Nos anos 70, a história das intervenções para instalar ditaduras favoráveis aos interesses americanos já era uma longa história, a contabilidade é difícil de fazer.


Em 1954, por exemplo, a CIA, que existia ainda há pouco tempo, estreou-se em grande, organizando, comandando e fornecendo os meios militares necessários à invasão armada da Guatemala. O governo democrático e reformista de Arbenz Guzmán, a democracia guatemalteca acabaram aí. Iniciou-se então a longa dinastia de ditadores criminosos e corruptos, responsáveis pelo genocídio de oitenta mil, talvez mais, pessoas principalmente de etnia índia. God save America.

Mais exemplos da folha de serviços da CIA?
1964, golpe de Estado contra João Goulart, no Brasil.
1965, invasão da República Dominicana.
1971, golpe de Estado contra o presidente Torres na Bolívia.
1973, golpe de estado contra o presidente Allende.





A intervenção americana no Chile de Allende foi mais sofisticada, teve muitos cúmplices, muitos apoios, tudo orquestrado pela CIA, com a preciosa colaboração da multinacional ITT.




Quando Allende subiu ao poder em 4 de Novembro de 1970, já estava tudo preparado, o plano americano era simples. Para o destituir, tinha que se atacar a economia chilena, e provocar desordens sociais. Para concluir, o golpe militar do costume.



Infelizmente, tudo correu como previsto, nestas coisas os maus têm sempre razão. O governo Nixon montou um cerco à economia, conseguiu sufocá-la, a CIA encarregou-se de organizar e financiar os grupos sociais anti-Allende, empenhados em acções de sabotagem e de agitação social.

A situação económica agravou-se dramaticamente, a inflação passou de 22,1% em 1971 para 163,4% em 1972 e 381,1% em 1973. O crescimento do PIB chileno passou de 9% positivos em 1971 para 4,2% negativos em 1973.


O golpe militar começou na cidade portuária de Valparaíso, com tropas navais chilenas a avançarem para Santiago. Mas estas tropas tinham as costas quentes, enquanto avançavam, havia navios de guerra americanos preparados para invadir o Chile, caso o golpe falhasse.


Mas o golpe resultou, Allende foi assassinado no Palácio de la Moneda. Terminado o golpe, o general Pinochet apresentou-se para receber a guia de marcha. Encheram-se os estádios, foi um massacre nojento. A voz sublime de Victor Jara calou-se, choraram os democratas e anti-fascistas de todo o mundo.




A América foi igual a si própria, como sempre quando ganha. Manteve-se serena, sem estados de espírito, com o sentimento do dever cumprido, os valores americanos, sabe-se lá o que isso é. A América não conseguiu impedir a vitória dos comunistas vietcongs, vingou-se em Allende porque era marxista, parece que era esse o pretexto.


Em Agosto de 1974 Nixon é despejado pelo impeachment do Watergate e Gerald Ford ocupa o seu lugar.


Três anos antes, Nixon tinha suspendido a convertibilidade do dólar em ouro, enterrando o sistema de Bretton Woods e pondo a rolar nos carris o “novo capitalismo” assente na mundialização neo-liberal.


Logicamente, Gerald Ford despachou para o Chile o grupo de economistas loucos ultra-liberais, conhecido pelo petit nom de Chicago boys e chefiado por Milton Friedman. A América no seu melhor, à conquista do mundo.

A epopeia neo-liberal, cujos brilhantes resultados foram testemunhados o ano passado por toda a gente e, em particular, pelo sr. Alan Greenspan, patrão da reserva federal americana, iniciou a sua conquista do mundo no Chile, onde em Março de 1975 Friedman se encontrou com o ditador Pinochet.

Este encontro foi um sucesso, o Pinochet concordou (será que podia não concordar?) com a terapia de choque prescrita pelo chefe dos Chicago boys: privatização das empresas do sector público, supressão das barreiras alfandegárias, liberalização dos preços, incluindo de bens essenciais, redução do orçamento do Estado, despedimento de milhares de funcionários, autorização aos investidores estrangeiros para repatriarem a totalidade dos seus lucros, flexibilidade do emprego, privatização do sistema de saúde e do sistema de reformas, etc., etc.

O trivial do neo-liberalismo com que nos bombardeiam todos os dias os distintos comentadores, banqueiros e grandes empresários da nossa praça. Só que nessa época tudo isso era o começo e o Chile foi a cobaia escolhida.

Os resultados da terapia foram brilhantes. Durante o primeiro ano da sua aplicação, a economia chilena recuou 15% e a taxa de desemprego passou de 3% quando Allende era presidente, para 20%. Após 15 anos de funcionamento do laboratório neo-liberal, 45% dos chilenos viviam abaixo do limiar da pobreza.

Cruel ironia, em recompensa pelos brilhantes serviços prestados à Humanidade em geral e ao Chile e à América Latina em particular, em 1976 o sr. Friedman foi coroado com o prémio Nobel da Economia!

Coincidência por coincidência, data por data, o governo americano tinha a obrigação de nesta triste efeméride fazer um rapprochement entre Nova Iorque e Santiago do Chile. E a obrigação de tirar algumas lições.

O mundo precisa disso, precisa de saber quando é que os EUA fazem a sua mea culpa pelos crimes que cometeram quando se apresentavam como os defensores do mundo livre contra a ameaça comunista, pelos crimes que continuam a cometer em nome da democracia e contra o terrorismo.

O mundo precisa que os EUA tenham a coragem de retirar a máscara de superioridade moral com que continuam a apresentar-se ao mundo, enquanto os seus aviões continuam a massacrar civis inocentes no Afeganistão.

O mundo precisa de paz, de justiça e de prosperidade para todos. Está farto de políticos e de generais sempre prontos a inventar mais uma guerra.