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sexta-feira, 5 de junho de 2009

OS CENTENÁRIOS


Manuel de Oliveira pela enésima vez na televisão, não se percebe qual a razão da agenda, mas nada contra. Razões imprescrutáveis as da televisão. Va-t-on savoir.

Casou-se em 1940 e o casal ainda mexe, a jornalista não se interessou muito em fazer-nos perceber como é que um casal dura quase 70 anos em meio a aventuras cinematográficas.

Um homem com mais de 100 anos que tem direito ao prime time, que diz coisa com coisa, que fala de utopia, mas a jornalista não segue, parecia que estava a entrevistar o Cristiano Ronaldo. Senhores jornalistas, encore un effort, cultivem-se, esforcem-se, o país é muito iletrado, mas não precisam de exagerar.

A alma donde vem toda a inspiração do Oliveira é o Porto, é a terra dele, percebe-se, viva o Porto. Douro, faina fluvial, Aniki Bobó, Francisca são mais que suficientes para justificar uma reputação excepcional. A revolução dos idos de Abril foi uma bênção dos céus, o Manel divertiu-se imenso já na chamada terceira idade a fazer filmes uns atrás dos outros. Deus o guarde por muitos e bons que bem merece e nós também!

O homem é centenário, penso que em Portugal haverá cerca de quinhentos com mais ou menos a mesma idade, não têm aumentado muito. Mas provavelmente isso vai mudar bastante no futuro próximo.

No Japão, que é actualmente o país mais envelhecido do Mundo (Portugal ocupa o 7º lugar) e com a esperança de vida mais elevada, no princípio dos anos 70 não havia praticamente centenários. Actualmente são 30.000. Em França, serão provavelmente 330.000 em 2050.

É uma grande revolução.

Ainda não há muitos anos, em muitas sociedades vigoravam proscrições draconianas quanto à velhice. Muitos velhos, chegada a altura prescrita, eram liquidados. Limpeza geracional, os recursos eram escassos.

No filme de Shoei Imamura de 1983, A Balada de Narayama, que ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes, há uma mulher que, apesar dos seus 69 anos, mantém uma aparência jovem e isso é um problema. É que o prazo de vida na sua aldeia termina aos 70. É mais um caso de amor filial, o filho não se conforma, a mãe dá uma ajuda, parte os dentes para mudar a aparência para ficar mais velha.

No fim, o filho lá carrega a mãe para o alto da montanha, para aquele sítio onde todos os velhos são abandonados ao seu destino. A solidão eterna, completamente sozinhos nos momentos finais. Pungente.

Nicholas Ray em 1960 já tinha apresentado um filme com uma história semelhante, The Savage Innocents, é uma história de esquimós com o truculento Anthony Quinn. O filme tem as suas limitações, um certo etnocentrismo politicamente correcto do início dos anos 60, os bons selvagens, etc. Mas o ponto interessante é quando o Quinn esquimó conduz a sogra lá para um recanto do deserto antártico canadiano. Era uma boca a mais. Lá fica também sozinha.

Pungente, pungente, isso não acabou, infelizmente. Tanta gente abandonada, tentando sobreviver, tristes, a rotina do dia-a-dia, contar os tostões, o médico, a farmácia, a filha que nunca mais deu notícia, a velhice é terrível.

Será que algum dia aqueles a que chamamos velhos, velhotes, que ignoramos, para quem sequer olhamos quando com eles nos cruzamos na rua, serão parecidos com o Manuel de Oliveira? Terão eles direito ao prime time para falar de utopia?

1 comentário:

A Toupeira disse...

Eu acho que a questão do senhor de Oliveira é que, durante uns bons anos, muitos se limitaram a bater palmas ao Aniki-bobó e a dizer que, de resto, os filmes dele são aborrecidos e que se arrastam por algo que parece uma eternidade numa sala de cinema ou num serão na RTP2.
Em pânico temi que a box com 21 filmes deste nosso cineasta esgotasse; penso que era uma edição de dez mil. Ainda se vêem aos trambolhões na Fnac e na livraria de Serralves.
Penso também que o senhor Manoel soube romper com a fórmulha comercial que o cinema português tem vindo a adoptar ultimamente, salvo algumas excepções.
Eis a receita:
Nicolau Breyner + mamas.

Entretanto, quem tem "paciência" para tal, vai vendo uns filmezinhos em canto lírico, uma espécie de documentários sobre escritores portugueses e toda uma panóplia de histórias com o seu lugar comum numa alta sociedade em decadência.
Talvez seja um problema de temática. Ou de sensibilidades diferentes.