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sábado, 13 de junho de 2009

CRAZY HORSE



O meu avô é o responsável, levava-nos à matinée aos domingos, éramos três miúdos, formávamos um grupo inter-geracional que amava o cinema e os seus heróis. O meu preferido era o Errol Flynn, Robin Hood que roubava aos ricos para dar aos pobres e que lutava contra o xerife de Nottingham e contra o Claude Rains, usurpador do trono de Inglaterra. No fim, ele ganhava o torneio de tiro ao arco, safava-se da prisão, punha o Ricardo Coração de Leão no trono e casava com a bela Olívia de Havilland. Os pobres ficavam contentes.



Flynn fez nove filmes com a Olívia. Um deles marcou-me muito porque me fez chorar quando, no fim, aparece o fantasma do General Custer à sua mulher. Morreram todos calçados, de 1941, é um filme de Raoul Walsh que nunca mais voltei a ver. Levou tempo para perceber o seu verdadeiro significado, para perceber que tudo aquilo era uma grande falcatrua, a história estava toda aldrabada.


A aldrabice sobre os índios maus da fita já vinha de trás, mas o filme do Walsh teve particular importância nessa mistificação.


Não foi por isso que deixei de gostar do Flynn, mas a imagem mais forte que recordo do filme sobre o herói americano que morreu on his boots é a do Anthony Quinn na pele do Crazy Horse, chefe dos Oglala Lakota, quando no fim da batalha entre gringos e índios em Little Big Horne em 1876, com o Custer vencido, ele se debruça do cavalo para apanhar o estandarte do 7º de Cavalaria.


Crazy Horse é provavelmente o mais impressionante herói da enorme tragédia dos nativos da América metodicamente exterminados pelos colonizadores europeus. Dez anos antes de ter acabado com o Custer, com 26 anos e apenas com outros seis guerreiros, ele tinha derrotado no Wyoming o capitão William Fetterman que comandava 80 militares de infantaria e de cavalaria. Diz-se que foi a pior derrota do exército americano nas grandes planícies.

Mas o Crazy Horse era um homem dado a visões e a espiritualidades panteístas, queria viver em paz. Mas não teve sorte, a sua vida extinguiu-se rapidamente em 1877. Em 8 de Janeiro ganhou mais uma grande batalha no Montana que será a última. Em 5 de Maio, vendo o seu povo a morrer de frio e de fome, rendeu-se ao exército em Camp Robinson no Nebraska. Em 5 de Setembro desse fatídico ano, a oportuna baioneta dum soldado americano acaba com a sua vida. Tinha apenas 37 anos, era apenas um índio e por isso longe de poder ser um herói digno de Hollyood.


Na era do Vietnam, quando a contestação ao império americano alastrava, Soldier Blue de Ralph Nelson trouxe pela primeira vez uma visão diferente sobre os índios americanos. Soldier Blue (1970), protagonizado por Candice Bergen e por Peter Strauss, conta-nos a história do massacre de 700 índios que viviam na aldeia cheyenne de Sand Creek e dos quais mais de metade eram mulheres e crianças. Massacre de índios indefesos perpetrado em Novembro de 1864 por 900 voluntários da cavalaria do Colorado. Massacre que poderá ter sido “o crime mais ignóbil e mais injusto dos anais da América”.


Tristes rankings estes.


Terá sido pior que Wounded Knee onde, em Dezembro de 1890, 500 soldados americanos exterminaram, pelo menos, 300 homens, mulheres e crianças da tribo dos Lakota Sioux, incluindo o seu chefe Big Foot (agonizando na imagem abaixo)?




Terá sido pior do que todos os extermínios de que têm sido vítimas os índios sul-americanos? Extermínios muitos deles friamente planeados e executados como aquele de que nos fala o filme boliviano Sangre de cóndor de Jorge Sanjinés (1969)?
É um outro tipo de massacre, menos espectacular, mas porventura mais eficiente.




No planalto boliviano, os camponeses estão muito preocupados porque nascem cada vez menos crianças. Aos poucos vão descobrindo a verdade: são os médicos americanos dum tal Cuerpo de Progreso que, em nome da acção médica humanitária, esterilizam as mulheres sem elas saberem.

Violências como as que aconteceram na semana passada em Bagua, no Perú, e em relação às quais ainda estão por apurar exactamente o número de vítimas e as circunstâncias?

Felizmente, os índios vão-se levantando, vão lutando, elegeram mesmo um presidente índio na Bolívia e agora no Perú a coisa parece estar preta para o presidente Garcia e o seu Governo.

Correspondendo ao apelo de organizações indígenas, de sindicatos e de movimentos dos direitos humanos, em Lima, e em muitas outras cidades do Perú, milhares de pessoas manifestaram-se na 5ª feira, estão em greve e bloqueiam estradas. Tudo isto em solidariedade com os índios envolvidos nos confrontos de Bagua e contra os projectos do Governo que pretende privatizar territórios da Amazónia que legalmente pertencem aos índios.

Pode ser que a velha história dos índios condenados a ser eternas vítimas esteja em vias de acabar. Quem sabe?

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